Daniela Kresch
TEL AVIV – Depois de quatro meses sem ouvir alertas de foguetes na minha casa, neste domingo, 26 de maio de 2024, novamente a sirene antibomba soou na minha cidade. Eu e minha filha de 16 anos tivemos que entrar no quarto seguro da nossa casa – um cômodo especial reforçado, com paredes, portas e janelas de aço – enquanto ouvíamos estrondos de foguetes caindo ou sendo interceptados no ar pelo sistema antiaéreo Domo de Ferro. Sete meses e meio depois do começo da pior guerra que Israel já enfrentou, o grupo terrorista palestino Hamas continua lançando foguetes aleatoriamente contra civis israelenses na esperança de matar alguém.
Será que a operação militar israelense em Gaza, que começou após a maior matança de judeus desde o Holocausto, não logrou nada? Ou melhor: será que logrou apenas despertar o ódio antissemita do mundo, que julga – e condenada – o Estado de Israel pela triste morte de civis do lado que o atacou?
É interessante ouvir a opinião de Avi Issacharoff, um dos mais conhecidos jornalistas israelenses, macaco velho de coberturas sobre o conflito entre Israel e palestinos e famoso mundialmente pela criação do seriado Fauda, sucesso na Netflix. Em uma entrevista mais do que visceral ao podcast “HaKoteret” (A manchete), do site de notícias israelense YNET, Issacharoff coloca os pingos nos “i”s, sem ilusões sobre uma “vitória total” contra o Hamas em Gaza.
Issacharoff nunca foi um pessimista. Mas é difícil ouvir muito otimismo em suas opiniões neste momento. Destaco abaixo algumas das respostas que ele deu à jornalista Sharon Kidon. Ela começa perguntando se a operação militar de Israel em Rafah, a última região que o exército ainda não havia atuado, irá realmente – como insiste o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – aniquilar os últimos 4 batalhões do Hamas e levar a uma vitória na guerra.
Avi Issacharoff: “Esta não será a última fase da guerra. Sejamos honestos sobre isso. As alegações sobre Rafah e a “vitória absoluta” sempre foram uma ilusão. Na melhor das hipóteses, é um wishful thinking. Na pior, uma mentira grosseira. Um delírio. Ainda há muito trabalho a fazer. Rafah não é um ponto final. E não tenho dúvidas, a propósito, de que Rafah é um ponto importante na batalha. A meu ver, deveria ter sido implementado há muitos meses, porque o Corredor Philadelphi (a rota adjacente à fronteira entre Gaza e Egito) é o principal tubo de respiração do Hamas. Por lá, o Hamas contrabandeia armas para Gaza, consegue ir e vir e tudo mais. Então, há meses deveríamos ter tomado o controle dele”.
A repórter indaga se desmantelar os 4 últimos batalhões do Hamas é um objetivo realista. Principalmente depois que terroristas dos outros batalhões, que foram supostamente desmantelados, continuam a atuar no Norte de Gaza, de onde o exército israelense se retirou.
Avi Issacharoff: “As Forças de Defesa de Israel (FDI) foram relativamente cautelosas em suas avaliações, mas nós da imprensa, claro, estampamos manchetes irreais. Na verdade, as FDI disseram que 70% das forças dos outros batalhões foram neutralizadas. Mas 30% ainda estão vivos. Assim que você sai de territórios, você permite o retorno desses 30%, que tinham fugido para outros lugares. Muitos voltam fingindo ser civis. Nossas forças também não conseguiram descobrir e nem neutralizar todos os túneis. Acho que há muito mais de 30% que não foram revelados. Tenho certeza que faremos mais descobertas como a dos corpos dos três reféns (que foram repatriados no dia 25 de maio, entre eles o do brasileiro Michel Nisenbaum). Se não procurarmos algum tipo de solução mais abrangente, estratégica ou política, vamos continuar para sempre com esse jogo de gato e rato”.
A próxima pergunta a Avi Issacharoff é sobre o fracasso de Israel em capturar ou matar os dois líderes do Hamas em Gaza, responsáveis pelo 7 de outubro, Yahya Sinwar e Muhammad Def.
Avi Issacharoff: “É um fracasso parcial, não há dúvidas. Quase 8 meses e não conseguimos atingir os números 1 e 2 do Hamas. O número 3 (Marwan Issa) não está mais entre nós, o que foi uma conquista. Mas Sinwar e Deif são os nomes mais odiados em Israel, todos sabem quem são. Como é que o Hamas ainda consegue sobreviver, esconder armas no subsolo ou na superfície, emboscar soldados? Não tenho uma boa resposta, só posso dizer que existem sucessos militares, mas não existe 100%. Sim, queremos muito chegar aos 100%, mas isso não vai acontecer. Ainda vamos testemunhar lançamentos de foguetes contra Israel e disparos contra as nossas forças. Talvez não com o mesmo poderio de 7 de outubro, mas vai continuar. Há muitas pessoas em Gaza que estão prontas para morrer no altar do martírio nas fileiras do Hamas. Essa motivação é nosso inimigo número 1. Por quanto tempo terão essa motivação? Por muitos anos”.
A repórter pergunta se as investigações e decisões de cortes internacionais não servem como incentivo ao Hamas, como a decisão do Tribunal Internacional de Justiça de Haia de condicionar a atividade militar em Rafah a ações que não causem a “destruição física, total ou parcial, de civis”. Essa decisão teria sido uma vitória do Hamas?
Avi Issacharoff: “Não creio que tenha sido uma vitória do Hamas. Não se trata de uma decisão que ordenou a cessação completa e imediata da ação em Rafah ou em toda Gaza. O Hamas não esperava isso. Achava que o TPI ia ordenar o fim da guerra. Talvez isso realmente pressione o Hamas a voltar à mesa de negociações (para um acordo de devolução dos 125 reféns israelenses que ainda estão no cativeiro). O Hamas está pressionado. Os EUA e o Egito estão, na prática, permitindo silenciosamente a operação em Rafah. Mas Israel também está pressionado, até porque não se pode operar em Rafah, para ser honesto, sem atingir civis, principalmente quando o Hamas usa a população local como escudo humano. Esperemos que não haja erros ou acidentes”.
A entrevistadora passa agora, a perguntar sobre política e o “day after” em Gaza. Até porque o próprio Issacharoff havia previsto a queda do governo do Hamas no começo da guerra.
Avi Issacharoff: “Quando eu disse que o domínio do Hamas tinha acabado, era verdade naquele ponto. Eu esperava, ingenuamente, que isso durasse pelo menos alguns meses. Mas não entendi que o plano de Israel era sair daqueles lugares e não deixar ninguém entrar no lugar do Hamas… Isso é dar um tiro no pé! Cada vez que saímos de um determinado espaço, permitimos o retorno do Hamas. Uma liderança política normal diria: “estamos removendo um governo, vamos colocar outro em seu lugar”. O que a liderança política de Israel está fazendo, no entanto? Diz que não está pronta para discutir isso.
“E por quê? Porque o primeiro-ministro tem medo de discutir o assunto, por medo da reação de sua coalizão. O Estado de Israel, sob a liderança de Benjamin Netanyahu, está esmagando suas próprias pernas, joelhos e mãos. Devíamos ter começado a pensar nisso há seis meses. Assim, quando terminássemos a operação em Rafah, teríamos com quem trabalhar, uma nova liderança em Gaza, que tivesse passado por treinamento com americanos, jordanianos, ingleses, não importa quem. O que o primeiro-ministro quer é manter as rédeas do poder porque ele está com medo. Essa é a razão. É a triste verdade.
“Não digo que tenho uma solução perfeita para resolver os problemas de Gaza. Mas vamos examinar as alternativas. A primeira é fazer algum tipo de movimentação política, cooperar com a Autoridade Palestina, juntamente com forças dos Emirados Árabes Unidos, dos sauditas, do Egito. Organizar algum tipo regime de segurança árabe-palestino que possa entrar na Faixa de Gaza como governo. Seria fácil? Não. Isso significaria o fim total dos ataques com foguetes a Israel? Não. Mas temos que tentar dar uma chance a uma solução como essa.
“Qual seriam as outras opções? A segunda é um governo militar israelense controlando 2,2 milhões de palestinos em Gaza? Estamos loucos? Entendemos o que isso significaria? Ou, talvez, tenha gente que queira a terceira opção: deixar o Hamas regressar ao poder. Ué, funcionou até 7 de outubro, não? Talvez funcione e apenas teremos outro 7 de outubro em algum momento… Fico louco com essa lógica! São três opções ruins, mas temos que escolher a menos ruim”.
A jornalista Sharon Kidon termina a entrevista perguntando a Avi Issacharoff o que pensam e querem os palestinos de Gaza. Afinal, mesmo depois de sofrerem perdas em vidas humanas e verem uma destruição terrível, eles continuam apoiando o governo do Hamas que os levou a essa catástrofe. A culpa, para a maioria deles, é só de Israel.
Avi Issacharoff: “Enquanto houver uma guerra, haverá motivação para lutar contra Israel. O ódio a Israel continuará pelas próximas gerações, que não tenhamos ilusões quanto a isso. Mas, se chegarmos a algum tipo de acordo de cessar-fogo, em algum momento, pode haver uma dissuasão e o lado palestino talvez tenha tanto medo de se meter conosco que nos deixem em paz por algum tempo. Talvez eu esteja apenas sonhando com isso. Talvez tenhamos que voltar a Gaza no dia seguinte do cessar-fogo.
“Por isso, fico furioso quando falam sobre a ‘vitória absoluta’. Falar isso é mentira deslavada. Compreendo quem está agora ocupado em perpetuar o legado de Benjamin Netanyahu. Mas me pergunto se eles mesmos acreditam nisso. E quando a operação de Rafah acabar? Vão dizer o que para o povo? Que agora falta só Khan Yunis de novo? Não há vitória absoluta aqui se não encontrarmos outra coisa a fazer, uma solução política. Você pode acreditar que é possível chegar a conquistas em Rafah. É verdade. Mas só lutar não nos levará a lugar nenhum.
“Eliminar Yahya Sinwar e Mohammad Deif seria um bom fim de roteiro para Hollywood. Mas estamos lidando com a difícil realidade israelense. Eliminá-los pode aumentar a popularidade de Netanyahu e fazer com que os israelenses sintam algum tipo de vitória. Mas isso não trará de volta os reféns. E também não impedirá o Hamas de continuar. O Hamas existe desde 1987. Sinwar e Deif nem sempre estiveram na liderança. Seus antecessores se foram e pensávamos que não teriam substitutos. Mas tiveram”.
Este texto não reflete necessariamente a visão do Instituto Brasil-Israel.
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