Daniela Kresch
TEL AVIV – Quem vai liderar Gaza no dia seguinte à guerra entre Israel e o Hamas? Cinco meses depois do começo da guerra, muita gente parece impaciente por uma resposta. A necessidade de um plano concreto quanto ao futuro da Faixa de Gaza e seus dois milhões de habitantes é grande. Mas, no momento, nenhum cenário foi delineado. Até porque não está claro se Israel conseguirá debilitar o Hamas o suficiente para retirá-lo do poder. É bem possível que não – principalmente com Estados Unidos e outros aliados de Israel exigindo um cessar-fogo imediato, o que, na prática, significaria manter o Hamas no poder.
Mas, caso o Hamas caia, quem tomaria o seu lugar? Para muitos, a resposta mais óbvia seria a Autoridade Nacional Palestina – a liderança palestina reconhecida internacionalmente. Mas, para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, essa opção não existe. Netanyahu tem ojeriza pela Autoridade Palestina e seu presidente, Mahmoud Abbas.
Aliás, não só ele: muitos palestinos odeiam a AP, considerada corrupta e ineficiente. Para alguns, a AP também é “colaboradora de Israel” (no mau sentido, sempre, como se colaborar com Israel fosse sempre uma traição aos palestinos e não um caminho para a paz). Abbas e seu governo, aliás, também não suportam Netanyahu e demonizam o premiê israelense (e Israel como um todo) em fóruns internacionais.
Internacionalmente, a corrupção da AP e sua aparente falta de interesse em negociar com Israel é realmente reconhecida.
Outra opção seria a formação de um governo internacional ad hoc com representantes de países como Egito, Emirados Árabes e outros – e monitoramento de ONU, Estados Unidos, Europa e Israel. O lado positivo disso seria o envolvimento sério internacional em Gaza, um território há muito negligenciado até mesmo por quem apoia a criação de um Estado palestino, mas não se importava – ou até incentivava – com a existência de um grupo terrorista ao lado de Israel. Um governo internacional sob supervisão de vários atores coibiria – em teoria – a ação de grupos terroristas jihadistas.
Por outro lado, um governo estrangeiro e descentralizado poderia durar meros meses ou poucos anos e, rapidamente, o caos voltaria a Gaza. Seria voltar à estaca zero. Todos sabem que o caos é a melhor receita para o surgimento de grupo messiânicos e populistas, que prometem uma “salvação” ilusória e culpam inimigos imaginários por todas as mazelas sociais.
Uma terceira opção é que Israel se responsabilize por Gaza e todos os 2 milhões de moradores de lá. Administre instituições, escolas, hospitais, serviços sociais… Seria a pior opção, porque significaria, na prática, uma reocupação do território do qual Israel se retirou em 2005. Isso levaria a arroubos colonialistas por parte de israelenses de extrema-direita, que não escondem sua vontade (delirante e absurda) de reconstruir assentamentos judaicos em Gaza. Sem contar o custo econômico e o desgaste internacional de algo assim. Um pesadelo. Nem Netanyahu quer isso. A maioria esmagadora dos israelenses também não.
Ao que parece, além das possibilidades acima, mais uma opção foi aventada recentemente por Netanyahu: dar a lideranças locais de Gaza as rédeas da vida civil no território (com respaldo econômico internacional), com Israel atuando para manter a segurança e evitar planos terroristas. Mas que lideranças seriam essas? Segundo a imprensa israelense, Netanyahu teria cogitado uma colaboração com clãs locais, que seriam respeitados pela população.
O problema disso é que alguns desses clãs se parecem mais com máfias. São armados até os dentes, violentos, sedentos de poder e, de quebra, tão – ou quase tão – jihadistas quanto o Hamas e a Jihad Islâmica Palestina. Um exemplo é o poderoso clã Doghmush na cidade de Gaza.
Alguns dias atrás, um membro do clã foi executado por militantes do Hamas por estar supostamente colaborando com Israel. Ao que parece, há informações de que Israel pediu a colaboração desses clãs locais – principalmente o Doghmush – para ajudar a organizar a distribuição de ajuda humanitária depois que ONGs internacionais como a UNRWA perderam o controle.
O clã Doghmush não é uma entidade política formal e seus membros – que contabilizam dezenas de milhares – podem alinhar-se com várias facções com base em interesses. É um grupo armado, que fica no norte da Faixa de Gaza e possui muita munição e poder social. Ao longo dos anos, certos membros do clã ganharam destaque na política local, servindo em cargos governamentais em Gaza. Mas, como outras tribos locais, o Doghmush tem hierarquias internas e muitas regras. O casamento dentro do clã é comum, reforçando os laços de parentesco.
O clã esteve envolvido diretamente no sequestro do soldado israelense Guilad Shalit, em 2006. Shalit foi libertado em 2011 em troca de 1.027 presos palestinos. Muitos de seus membros trabalharam ou receberam formação nos seus campos de treinamento do Hamas ou no exterior, nos campos do Estado Islâmico.
Qual é a possibilidade de que uma “cosa nostra” dessas possa ser um parceiro confiável na reconstrução de Gaza após a guerra? Acho que a resposta é clara. Trocar o Hamas por clãs desse tipo seria cambiar gato por lebre.
Dito isso, a pergunta continua em aberto: qual é o melhor cenário para o “day after” em Gaza, caso o Hamas seja deposto? Alguns – entre eles os americanos – sugerem uma profunda reformulação da Autoridade Palestina para que ela assuma o controle em Gaza. Para mim, é a opção que faz mais sentido. Mas, quem acha que essa resposta é fácil – ou qualquer outra – comete o mesmo erro de quem vomita soluções fáceis para o conflito entre israelenses e palestinos. Complexidade é a palavra.
Este texto não reflete necessariamente a visão do Instituto Brasil-Israel.
Foto: Flickr/AnglicanVideo