Déjà Vu: 5 anos depois de Bolsonaro, Javier Milei visita Israel

Pesquisar

Javier Milei visitou o kibutz Be’eri, um dos mais afetados em 7 de outubro (Foto: Maayan Toaf – GPO)

Daniela Kresch

TEL AVIV – Um sentimento de déjà vu me invadiu esta semana ao ver a visita do presidente argentino Javier Milei a Israel. A chegada de Milei aconteceu quase exatamente 5 anos depois de outra, a de Jair Bolsonaro, em abril de 2019. Ambos escolheram voar para Israel na primeira viagem oficial após tomar posse, para o deleite de sua base eleitoral. Ambos foram recebidos calorosamente pelo mesmo primeiro-ministro (Benjamin Netanyahu) e pelo mesmo ministro das Relações Exteriores (Israel Katz). Ambos fizeram a mesmíssima foto emocionada no Muro das Lamentações, foram o Yad Vashem (no caso de Milei, ele foi recebido pelo conterrâneo Dani Dayan, atual presidente do museu) e prometeram transferir a embaixada para Jerusalém.

Não é de hoje que identificamos a atração – para não dizer obsessão – de certos líderes populistas de direita por um Israel imaginário, que só existe em suas cabeças. Para a direita religiosa das Américas (Norte e Sul), Israel é um país conservador, religioso e armado até os dentes como eles gostariam de ser. No caso de Milei, ainda mais diante de sua aparente afeição pelo judaísmo (ao qual já prometeu se converter).

Num momento de guerra, em que a face militar de Israel é realmente a mais destacada no mundo, essa obsessão parece aumentar. Mas o Estado de Israel é uma democracia diversificada e liberal. Há grupos conservadores, claro. Mas também há secularismo, progressismo, direitos LGBTQI+ e muitas outras facetas.

Também não é de hoje que Israel recebe de braços abertos líderes mundiais polêmicos que apoiam o país. Bolsonaro, Donald Trump, Giorgia Meloni, Viktor Orban, etc. Há quem considere isso uma escolha deliberada do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, no poder desde 2009 – salvo por 1 ano e meio de governo de oposição entre 2021 e 2022 -, e que se revela, a cada dia, um tiquinho mais à direita. Seu atual governo inclui partidos de extrema-direita perigosos para o país.

Mas, a meu ver, não se trata de uma escolha. Israel foi abandonado pela esquerda mundial e se tornou uma espécie de país-pedinte, mendigando apoio de quem aceita dar. É muito triste, mas essa é a situação. Como se diz em inglês, “beggars can’t be choosers”. Não seria de interesse de Israel – e nem diplomático – rejeitar visitas ou apoios de chefes de Estado que se dispõem a visitar o país, principalmente em meio a uma guerra que isolou Israel como nunca em seus 75 anos.

Teria Israel que rejeitar o apoio de alguns para mendigar o amor de líderes que demonizam ou país, ou que, para agradar suas bases, concordam com a absurda alegação da África do Sul de que Israel comete “genocídio” de palestinos?

Nesse sentido, a calorosa boas-vindas a Javier Milei, um presidente que foi eleito com ampla maioria pelos eleitores da Argentina há apenas alguns meses, não é uma “escolha”. O leitor pode não gostar de Milei, mas ele é o representante legítimo de um país chamado Argentina. Assim como Bolsonaro era o representante legítimo do Brasil quando visitou Israel, em 2019. Pega mal para Israel? Provavelmente, para quem já não simpatiza com o país. Mas esse questionamento é irrelevante. Diplomacia é assim.

Em termos de mídia local, assim como aconteceu com a visita de Bolsonaro, a passagem de Milei repercutiu pouco. A 6ª visita a Israel, desde outubro, do secretário de Estado americano, Antony Blinken, repercutiu muito mais, com direito a entrevista coletiva ao vivo nas TVs e rádios.

Sei que nós, latino-americanos, achamos que influenciamos muito geopoliticamente fora da América Latina. Mas sinto dizer que isso não é verdade, pelo menos no caso do Oriente Médio. Tanto Milei quanto Bolsonaro ganharam poucos holofotes. No caso de Milei, agora, ele recebeu o mesmo peso de diversos mandatários que têm visitado o país e ninguém do público em geral fica sabendo muito. Milei ganhou poucos segundos em TVs e rádios, quando foi lembrado. Nos principais jornais, as matérias sobre ele foram pequenas e superficiais. Teve até um episódio de podcast israelense sobre Milei e seu estranho amor por Israel e o judaísmo neste 8 de fevereiro, mas como gancho para contar o que acontece com a Argentina no momento e praticamente tratando Milei como algo exótico (que é, de certa forma). Poucos, no país, entendem as nuances da política argentina e quem é o novo presidente, suas ideias polêmicas e extravagantes. Acho que só vi uma boa reportagem, no jornal “Haaretz”.

Apesar disso, a pouca atenção que a visita de Milei me surpreendeu. Isso porque a quantidade de argentinos em Israel é quase 7 vezes maior do que a de brasileiros (15 mil brasileiros e mais de 100 mil argentinos vivem em Israel). Fora isso, muitos argentinos viviam nos kibutzim e moshavim na fronteira com a Faixa de Gaza. Assim como existe Bror Chail, o “kibutz brasileiro” próximo a Gaza, existem diversos kibutzim com migrantes (olim) da Argentina por lá, alguns deles muito afetados em 7 de outubro. Ah, também tem membros do governo de ascendência argentina, como o ministro Gideon Sa’ar, cujo pai fez aliá daquele país.

Como disse até mesmo o presidente Yitzhak Herzog em seu encontro com Milei: “O povo de Israel tem imenso calor e amizade para com a Argentina e a sua visita aqui exemplifica a relação única que temos com o seu país e o fato de termos tantos israelenses cuja família é originária da Argentina”.

Segundo os dados da imprensa israelenses, dos 136 reféns que o Hamas mantém em Gaza, 11 deles têm cidadania argentina, entre eles Shiri Bibas e os dois filhinhos ruivos, Ariel e Kfir. Shiri é filha de um argentino que fez aliá para Israel com 17 anos para morar no Kibutz Nir Oz. Fora eles, oito argentinos foram assassinados em 7 de outubro (esses dados podem estar defasados).

Mas se em Israel, a visita de Milei não teve muito eco, parece que foi diferente na mídia de língua árabe vizinha. O grupo terrorista Hamas – ele mesmo, que assassinou 1.200 pessoas e sequestrou 240 em 7 de outubro! – emitiu uma nota acusando a Argentina de “parceira do ocupante sionista”.

O Hamas só esqueceu que a Argentina, ao contrário do Brasil, tem experiência de sobra com terrorismo fundamentalista financiado por seu patrono, o Irã. Os argentinos não esquecem os dois atentados que chocaram o país, na década de 90. O primeiro em 1992 contra a embaixada de Israel em Buenos Aires (29 mortos e 250 feridos) e o segundo dois anos depois contra a Asociación Mutual Israelita Argentina – AMIA (85 mortos e mais de 300 feridos).

A Autoridade Palestina praticamente não se pronunciou sobre a visita do Milei a Israel. Só um porta-voz do Fatah publicou um post no X (ex-Twitter) condenando a intenção do presidente argentino de transferir a embaixada para Jerusalém. Talvez não haja muito perigo nisso. A julgar pela promessa similar nunca cumprida de Bolsonaro, talvez a mudança nunca aconteça.

Nas redes sociais, obviamente não faltaram haters de Israel que pediram boicote à Argentina. Teve até gente queimando a bandeira do país. Alguns lembraram que o movimento sionista cogitou, num certo momento, pleitear a criação de um Estado judeu na Argentina. É verdade. Assim como Uganda, o nome da Argentina surgiu nos primórdios do sionismo. Mas, onde quer que fosse o Estado de maioria judaica, enfrentaria a mesma sanha antissemita de agora, eventualmente. Os desafios seriam outros, mas o antissemitismo? Continuaria o mesmo.

Inscreva-se na newsletter

© Copyright 2021 | Todos os direitos reservados.
O conteúdo do site do IBI não reflete necessariamente a opinião da organização. Não nos responsabilizamos
por materiais que não são de nossa autoria.
IBI – Instituto Brasil-Israel
SP – Sao Paulo