Revital Poleg
Enquanto este artigo está escrito, a guerra de Israel contra o Hamas prossegue, mas está em um momento de pausa. O objetivo é permitir a libertação, ao longo de alguns dias, de cerca de 50 sequestrados – crianças e mulheres – de um número total inconcebível de 240 bebês, crianças, idosos, mulheres e homens. Tão logo esse processo parcial de libertação termine… A guerra será retomada. Os dois objetivos principais da guerra declarados pelo governo israelense: a derrocada do governo do Hamas e o retorno à casa de todos os sequestrados, ainda estão longe de serem alcançados, e Israel anunciou antecipadamente sua determinação em atingi-los.
Von Clausewitz, o pai da teoria da guerra moderna, já afirmou no início do século XIX que a guerra é a continuação da diplomacia por outros meios. Parafraseando sua histórica observação, também se pode dizer que a diplomacia deve ser o resultado do esforço de guerra. De acordo com esta abordagem proposta, surgem as seguintes perguntas: O que vai acontecer “no dia seguinte”? Será que há chance de um processo político? E qual é sua natureza? Será que a solução de dois Estados para dois povos continua pertinente? E quem serão os parceiros na concretização desta solução, se de fato acontecer?
Até o ataque do Hamas, o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu optou por administrar o conflito, em vez de resolvê-lo – um conceito que ele conduziu durante anos, mesmo ao custo de “conter rodadas de ataques terroristas de escopo limitado” vindos da Cisjordânia e de Gaza. De qualquer forma, a abordagem de gerenciamento de conflito foi literalmente assassinada em 7 de outubro.
“Após a eliminação do Hamas”, Netanyahu anunciou há cerca de duas semanas “Gaza será desmilitarizada…. As Forças de Defesa de Israel continuarão a controlar a segurança da Faixa de Gaza para evitar o terrorismo. De forma alguma aceitarei abrir mão do nosso próprio controle de segurança”. Ele descartou completamente a possibilidade de que a Autoridade Palestina volte a Gaza, sendo “uma autoridade que educa seus filhos para odiar Israel, paga salário às famílias dos assassinos e se recusa a condenar o massacre…. Terá que haver algo diferente lá”, disse ele, sem especificar o que seria, “mas, de qualquer forma, o controle de segurança será o nosso”.
Não há dúvida de que Israel deve garantir a segurança de seus cidadãos e eliminar totalmente a ameaça tangível sob a qual os residentes do “envelope de Gaza” vivem há 20 anos. Essa é uma situação insuportável que nenhum país pode aceitar e tolerar, sob nenhuma condição. Porém, partindo do pressuposto de que o Hamas realmente entrará em colapso, a condição, estabelecida por Netanyahu, torna a configuração do “dia após a guerra” ainda mais desafiadora.
A situação na Cisjordânia também não é simples. Enquanto Netanyahu se empenhava a enfraquecer a Autoridade Palestina e a impedir uma solução política, ele continuou a promover o estabelecimento de assentamentos nos territórios da Cisjordânia, uma medida que complica ainda mais a realidade já complexa nesses territórios, o que desafia mais ainda a possível solução de dois Estados, se e quando for discutida.
Por outro lado, a situação da Autoridade Palestina entre os palestinos em si está bem longe de ser promissora. Mesmo sendo o único órgão estatutário palestino oficialmente reconhecido na arena internacional, aos olhos do seu público, ele é visto como entidade fraca e corrupta que não atende às necessidades do povo que deveria representar, e sua legitimidade na Cisjordânia está em constante declínio. Essa atitude prejudicou a capacidade de governança da Autoridade Palestina em geral e de seus mecanismos de segurança em particular.
A despeito da enorme incerteza quanto ao processo político e à grande diferença entre Gaza e a Cisjordânia, no momento oportuno, será impossível separar o futuro de Gaza do futuro da Cisjordânia, e entre ambos e a solução integral do conflito israelense-palestino.
À luz disso, será que a solução de dois Estados para dois povos ainda é viável?
A resposta a essa questão não é nada trivial e tampouco depende apenas de Israel. As pesquisas realizadas nas últimas semanas, tanto do lado israelense (pelo Mitvim Institute) quanto do lado palestino (pelo Arab World R&D group), mostram um claro crescimento do radicalismo de um lado contra o outro, desde 7 de outubro. A questão não é apenas se a solução de dois Estados é aplicável, mas se as partes sequer querem manter qualquer diálogo entre si. De maneira completamente diferente da situação dos dias do acordo de Oslo, no qual ambos os lados optaram por manter o diálogo, é bem possível que no dia seguinte a essa guerra, a comunidade internacional terá de fomentar ou criar condições para que as partes alcancem uma solução política.
Precisamente por isso, seria muito importante que Israel defina claramente e o mais cedo possível o seu objetivo estratégico e político desejado. Tal definição também lhe permitirá construir legitimidade internacional para as medidas militares que ainda pretende tomar contra o Hamas.
Em diversas declarações, o Mahmoud Abbas advertiu que, caso Israel continue a expandir os assentamentos na Cisjordânia, as circunstâncias inevitavelmente imporão uma solução de Estado Único. Seu grande rival, Mohammad Dahlan, que aspira a substituí-lo, disse há poucos meses que “a solução de dois Estados é uma ilusão, e é por isso que está morta, Netanyahu a destruiu. Não vamos perder tempo, mas iniciar a campanha pela solução de um Estado”.
Quer se trate de uma ameaça tática ou de uma tentativa de pressionar Israel ou os EUA, o simples fato de levantar a possibilidade pode transformá-la em uma opção em qualquer negociação futura. Embora a chance de seu sucesso seja praticamente zero e podemos presumir com grande probabilidade que será rejeitada de imediato pelos EUA e pelos países ocidentais, além de Israel, essa é uma ameaça oculta que pode complicar qualquer diálogo futuro.
Ao mesmo tempo, é importante lembrar que a composição das partes interessadas que desempenharam um papel em qualquer processo político futuro será muito diferente do passado. O Oriente Médio passou por uma mudança dramática desde os Acordos de Abraão, e desde então surgiu também a opção de normalização com a Arábia Saudita. Esses países irão demandar participar no processo, com a intenção de deixar sua marca e garantir seus interesses na região, que também inclui relações com Israel.
Portanto, apesar dos desafios complexos à frente, acredito que a solução de dois estados ainda é viável, principalmente porque suas vantagens superam suas desvantagens, e as múltiplas partes interessadas envolvidas que a favorecem. Essa solução permite que ambos os lados assumam um risco calculado e obtenham uma resposta para suas aspirações nacionais e existenciais, apesar das dolorosas concessões que serão necessárias de cada um deles. Os Palestinos poderão estabelecer seu lar nacional pela primeira vez, e Israel conseguirá garantir seu futuro como um Estado judeu e democrático dentro de fronteiras reconhecidas. E não, não será fácil. O caminho ainda é longo e nada simples, mas é o único a ser seguido.
Foto: Flickr/IDF