Revital Poleg
Já com a eclosão da guerra, que veio em resposta ao ataque terrorista cruel do Hamas em 7 de outubro, as cidades e comunidades agrícolas que ficam na fronteira com a Faixa de Gaza e aos ataques contínuos de foguetes lançados contra Israel (que ainda são disparados diariamente), era óbvio que o Egito, que possui um status singular na região, desempenharia um papel central em quaisquer processos políticos desenvolvidos durante os combates e, certamente, depois deles. Passado um mês desde o início da guerra, o Egito continua a se envolver em todos os aspectos políticos da guerra: tanto nas tentativas de promover a tranquilidade, quanto na facilitação da ajuda humanitária a Gaza e nas tentativas de negociar a libertação dos sequestrados.
Embora a paz entre Israel e Egito tenha tido seus altos e baixos, as relações bilaterais com o Egito são a pedra fundamental das relações de Israel no Oriente Médio, e o nível de coordenação entre os dois países nos últimos anos, tanto no nível político quanto de segurança, pode ser definido como muito bom.
A guerra atual entre Israel e o Hamas é mais um teste para as relações entre Israel e Egito, uma vez que apresenta potencial de deterioração. No entanto, é importante observar que o Egito compartilha um objetivo comum com Israel: ambos estão interessados na destruição das capacidades militares do Hamas e da Jihad Islâmica e, na medida possível, no retorno da Autoridade Palestina a Gaza, uma meta que, de acordo com o professor Elie Podeh, da Universidade Hebraica de Jerusalem, especialista no Oriente Médio e no Islamismo, conta com o apoio de vários países sunitas da região. Conforme se recorda, em 2013, o Egito, como parte de sua luta contra o movimento da Irmandade Muçulmana – da qual o Hamas surgiu – agiu, embora com sucesso parcial, bloqueando os túneis de contrabando do Hamas que chegavam ao seu território e, em 2014, até mesmo baniu o Hamas.
O envolvimento do Egito em Gaza, apesar dos altos e baixos que sofreu ao longo dos anos, é quase natural, devido à proximidade entre ambos, o que também traz consigo potencial de deterioração até um conflito que prejudicaria a estabilidade da região como um todo e a do Egito em particular.
Porém, a nova realidade põe o Egito em uma posição estratégica bastante delicada: a ideia do governo dos EUA, apresentada pelo Secretário de Estado Antony Blinken e apoiada por vários países europeus, segundo a qual o Egito permitiria que os refugiados palestinos entrassem em seu território, foi imediatamente e decisivamente rejeitada pelo presidente egípcio Abdul Al-Sisi, que expressou sua objeção a qualquer tentativa de transformar o Egito em um “abrigo de refugiados”, mesmo em troca de uma generosa ajuda econômica. Esse posicionamento foi também compartilhado pelo rei Abdullah, da Jordânia.
Os egípcios estão bastante preocupados de que uma onda de refugiados palestinos atravesse as barreiras da fronteira e entre no seu território. Não será apenas um fardo econômico que o Egito não conseguirá suportar, mas principalmente uma questão de segurança, pois eles estimam que, junto com os refugiados civis, haverá também infiltração de terroristas das diversas organizações terroristas presentes em Gaza.
Ao mesmo tempo, Al-Sisi se posicionou como o principal ator que presta assistência humanitária aos residentes de Gaza, nem que seja pelo fato de possuir a “chave” para atravessar a fronteira entre a Faixa de Gaza e o Egito. Embora inicialmente se opusesse, ele concordou, duas semanas após o início da guerra, em abrir a passagem de Rafah com o objetivo de transferir ajuda humanitária para Gaza, tanto quanto necessário, e somente depois de estabelecidas regras de entrada da ajuda, para que não chegasse ao Hamas.
A Faixa de Gaza, segundo o Egito, é, antes de tudo, um problema de Israel, e o Egito não pretende deixar que Israel e os EUA a tornem um problema egípcio. Conforme se recorda, durante as negociações sobre o acordo de paz com Israel, assinado em 1979, o Egito se recusou a retomar Gaza, embora a região estivesse sob seu controle até a Guerra dos Seis Dias, em 1967. Essa posição foi tomada, segundo o Egito, devido à preocupação de que a falta da solução para as necessidades dos palestinos poderia causar instabilidade regional. Foi nesse contexto que, pela primeira vez, Menachem Begin e Moshe Dayan levantaram a iniciativa do “compromisso funcional”, que desde então ficou conhecida como “plano de autonomia”, com um acordo entre Israel e Egito sobre a necessidade de estabelecer uma autonomia palestina na Cisjordânia e na Faixa de Gaza (Os Acordos de Oslo também se basearam nesse conceito).
O ataque do Hamas e a resposta israelense que ainda está em andamento, trazem, de fato, o “problema palestino” de volta ao mundo árabe, como uma bomba que ameaça atravessar as fronteiras de Gaza e atingir outras partes da região. Um posicionamento particularmente interessante quanto à maneira como os países árabes devem agir nessa questão foi expressado pela pesquisadora e escritora egípcia Dalia Ziada, diretora executiva do MEEM Center for Middle East and Eastern Mediterranean Studies, no Cairo.
Em uma entrevista conduzida com ela pelo Dr. Ofir Winter, pesquisador sênior do Institute for National Security Studies (30/10/23), ela afirmou que a maioria dos países árabes acredita que sua segurança nacional depende muito do futuro da segurança nacional de Israel, e menos da resolução do conflito israelense-palestino, o que eles não acreditam que acontecerá em breve. Isso ocorre porque muitos países árabes do Oriente Médio perceberam nos últimos anos que Israel pode ser um bom parceiro deles, e que relações econômicas, políticas e de outros tipos podem ser desenvolvidas com ele, sendo vantajoso para todos se tais relações continuam a desenvolver-se. Portanto, Zadia afirma que a maioria dos países árabes não se pronuncia de forma muito dura contra Israel em sua guerra contra o Hamas e olha para o outro lado até que Israel “acabe o Hamas”. Simultaneamente, eles estão debatendo sobre o rumo correto a ser tomado em relação à questão palestina, que surge repetidamente e prejudica os interesses daqueles países árabes de continuar a desenvolver relações na região com Israel sendo parte dela, e sem que a questão palestina seja um obstáculo.
Zadia destaca que está muito claro para esses países árabes que, se eles não se posicionarem sobre a questão, poderão se tornar a sua solução, o que eles não querem de forma alguma. Portanto, é necessário que mudem de atitude. O Hamas, a quem Zadia considera uma “maldição”, é, segundo ela, a grande ameaça ao Oriente Médio, e não apenas para Israel.
Al-Sisi possui inúmeras preocupações hoje em dia, que são ainda mais graves diante das eleições no Egito, a serem realizadas no início de dezembro. Embora sua vitória esteja assegurada, ele chegará às urnas com nível menor de popularidade do que o conhecido até então, devido à situação econômica difícil que o Egito enfrenta há anos, com grande dificuldade para superá-la (cerca de 28% da população está abaixo da linha da pobreza, e a enorme dívida nacional ultrapassa US$ 220 bilhões, dos quais US$ 155 bilhões são dívida externa).
Desde 2011, na sequência da “Primavera Árabe”, o Egito reduziu o seu perfil de longa data de líder do mundo árabe. Nesse vácuo, a Arábia Saudita entrou em cena e fortaleceu sua posição. A luta oculta entre os dois só foi intensificada nos últimos meses, com a apresentação da Iniciativa Biden, que inclui também uma normalização sem precedentes entre a Arábia Saudita e Israel, que, se e quando acontecer, marcará a Arábia Saudita como o país líder do mundo árabe e minará ainda mais a posição do Egito, que tradicionalmente se considera o mediador certo entre Israel e o Hamas.
Um outro desafio interno grande e extremamente significante que Al-Sisi e a liderança egípcia enfrentam hoje em dia é apaziguar a opinião pública que apoia os palestinos e se solidariza com o sofrimento deles, mesmo que não necessariamente com o Hamas em particular. Ou seja, à medida que a crise humanitária em Gaza aumentar, é de esperar que as vozes dentro do Egito (e no mundo árabe também) aumentarão, exigindo intervenção e talvez até mesmo a suspensão das relações com Israel. Tais exigências já foram expressadas no passado, como durante a Primeira Guerra do Líbano (1981) e a Segunda Guerra do Líbano (2006). No entanto, desde sua assinatura, a paz com o Egito permaneceu estritamente inalterada ao longo dos anos, porém é considerada “paz fria”. Reflete-se principalmente na mídia venenosa contra Israel e nos poucos laços econômicos e culturais entre os dois povos. Podemos presumir que, caso a liderança egípcia faça uma nova exigência dessa vez, tal demanda não será concretizada, mas apresentará desafios bem delicados às relações Israel-Egito.
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