28 anos do assassinato de Rabin: um modelo de liderança que nos falta

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Revital Poleg

Durante os dias do processo de Oslo, Revital Poleg era diplomata no Ministério das Relações Exteriores de Israel, e fazia parte da pequena equipe ao redor do Shimon Peres, o então ministro das Relações Exteriores. Neste contexto tive a honra de conhecer Yitzhak Rabin

Este artigo foi escrito no dia 4 de novembro, 28º aniversário do assassinato de Yitzhak Rabin, o primeiro-ministro de Israel. Falando de forma pessoal, posso dizer que estas palavras são escritas com o coração trêmulo e lágrimas nos olhos, pois o assassinato do Rabin não só impactou e mudou o curso da minha vida, mas também mudou a vida de muitas pessoas em Israel. Não menos do que isso, também mudou a face de Israel e rompeu a visão de paz que ainda não se recuperou desde então. Com o passar dos dias, e mais intensamente nestes dias, a figura do líder que ele foi faz ainda mais falta.

28 anos de crepúsculo e confusão se passaram, mais do que o período de uma geração inteira. Cerca de metade dos cidadãos israelenses de hoje nem sequer havia nascido naquela época e nem conhece Rabin. É uma geração que não conhecia a realidade que existia antes dos Acordos de Oslo, nem o israelense e muito menos o palestino. Uma geração que não está ciente da coragem que existia no coração dos líderes da época, Yitzhak Rabin e Shimon Peres, que lideraram um passo que mudou a realidade, mudou a história, contra toda a lógica convencional, contra o paradigma que reinava até então – segundo o qual a força será respondida com mais força, e contra o incitamento de elementos de extrema direita na nossa sociedade (na qual o assassino de Rabin cresceu).  

A coragem demonstrada pelos dois líderes surgiu da crença de que “a paz é feita entre inimigos” e isso não acontecerá se o próprio Israel não assumir a responsabilidade, atitude que visava a criar uma realidade melhor tanto para nós quanto para as gerações futuras. Uma nova geração nasceu desde então, uma geração que cresceu no meio de uma profunda fenda dentro da sociedade israelense, criada no contexto do processo de Oslo, uma fenda entre aqueles que apoiaram o processo e aqueles que foram contra, uma fenda que se tornou cada vez mais aguda, como estamos vivenciando hoje.

No lado palestino, houve um tremendo incitamento e incessante terrorismo contra Israel, que alimentou os protestos da direita israelense contra Rabin. Tudo isso apesar do fato de que Arafat, que se tornou o presidente da Autoridade Palestina estabelecida como resultado dos Acordos de Oslo, se comprometeu a desmobilizar e fez exatamente o contrário. No lado palestino, também nasceu uma jovem geração que não conhecia a situação anterior aos acordos, uma geração que se tornou ainda mais radical.

Tanto Netanyahu, que chegou ao poder após Rabin (depois de um breve período de transição no qual Shimon Peres atuou como primeiro-ministro), quanto Arafat, por sua vez, desconfiavam um do outro e não estavam convencidos da necessidade do processo de paz. Ambos, à sua maneira, pretendiam subjugar o outro. Tal ponto de partida não representa uma boa receita para promover o processo que, a princípio, exige concessões penosas e, simultaneamente, a identificação e a promoção do interesse comum. Todos os passos realizados desde então foram dados de maneira forçada (por ambos os lados), o que não só não produziu resultados efetivos, mas também nos deteriorou até a atual e difícil realidade.

Mas retornemos a Rabin. Ele mesmo era bem realista sobre a região na qual Israel vivia e sobre as regras violentas do jogo no Oriente Médio. O grande ceticismo e a cautela que caracterizaram sua conduta permitiram a ele avançar no processo, enxergar a realidade de forma sóbria e interpretá-la corretamente. Ele percebeu que Israel precisaria “viver com a espada” por muitos anos e enfatizou várias vezes que, apesar dos acordos políticos com os vizinhos, Israel precisaria investir muitos recursos nos futuros orçamentos de defesa. Ele entendeu a necessidade de usar a força militar, embora com cautela, para atingir objetivos políticos ou de dissuasão e, ao mesmo tempo, agiu como um líder corajoso que não se esquivou dos desafios diante de si e, apesar deles, tentou salvar Israel da ocupação e da continuação dos assentamentos. 

O processo de Oslo foi, na verdade, o início do processo de divisão da Terra de Israel, que Rabin liderou com os olhos abertos – um processo difícil do ponto de vista político e de segurança que deixou muitas cicatrizes e continua a cobrar um alto preço em sangue da sociedade israelense, como estamos vivenciando hoje. Rabin sabia que esse processo era uma necessidade se quiséssemos manter o Estado de Israel como judeu e democrático e evitar que se tornasse um Estado binacional. São esses os ingredientes que formam a personalidade de Rabin como líder de Israel e, por isso, hoje sentimos muito a sua falta.

Os israelenses adoravam Rabin e confiavam nele por causa de suas qualidades pessoais. Era honesto, direto e, às vezes, duro. Para a maioria dos israelenses, Rabin não era o “Sr. Paz” ou o “Sr. Democracia”, mas, acima de tudo, o “Sr. Segurança”. Suas realizações nesse campo foram impressionantes e não se limitaram ao acordo de Oslo, por mais importante que estes sejam. Rabin, o chefe do Estado-Maior na Guerra dos Seis Dias, formou o exército e o levou a uma vitória milagrosa na guerra. Ele conseguiu combater a intifada sem deixar muitas cicatrizes tanto no exército quanto no público israelense. E obteve o acordo de paz com a Jordânia. Além disso, como primeiro-ministro, ele promoveu políticas socioeconômicas substanciais e alcançou conquistas das quais nenhum outro primeiro-ministro chegou perto. Por exemplo, o orçamento da educação per capita aumentou durante seu período em quase 50%. O orçamento da saúde per capita aumentou em mais de 80%, como resultado de uma lei estadual de seguro-saúde que ele aprovou e que, pela primeira vez, garantiu seguro-saúde a todos os cidadãos de Israel.

Um de seus mais famosos discursos, proferido no final de outubro de 1992, aos formandos do curso de oficiais superiores das Forças de Defesa de Israel, aborda a responsabilidade do líder e é ensinado até hoje em diversos programas de liderança: “Os políticos tentarão fazer a paz. Vocês se prepararam para a guerra, a fim de evitá-la, esse é o seu dever”, disse. “Estamos embarcando em uma longa jornada no caminho para a paz, e nesse rumo precisamos do exército e de sua força.”

“O que exijo de vocês?”, ele perguntou aos oficiais superiores. ” Antes e acima de tudo – responsabilidade. Sua responsabilidade é absoluta. Vocês não têm mais ninguém para olhar por trás de vocês… Não digam (sobre falhas e omissões): Era impossível evitá-las. Não digam: Foi um ato do destino. Não é assim! Muito, quase tudo, depende de vocês”.

O discurso se tornou um marco significativo no relacionamento entre Rabin e os israelenses, pois ele estabeleceu grandes expectativas para a próxima geração de líderes israelenses civis e militares e, acima de tudo, a expectativa de responsabilidade.

Acredito que, se Yitzhak Rabin não tivesse sido assassinado, a realidade regional atual estaria muito melhor, embora certamente não estivesse livre dos desafios que caracterizam a complexa região em que vivemos. Sim, Rabin já se foi, mas seu legado permanece conosco, como um testamento. É nosso dever implementá-lo.

Foto: Flickr/Israel Defense Forces 

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