Por Ruth Goldberg, presidente do Instituto Brasil-Israel
O IBI é um espaço aberto a críticas e sugestões, as recebe com empatia, e valoriza sempre que sejam feitas de forma construtiva. Cada indivíduo é acolhido e respeitado dentro de sua própria identidade e visão – ao mesmo tempo, entendemos que não deve haver tolerância com os intolerantes.
Dito isso, surpreende o tom adotado pela autora da carta em questão, que logo na introdução de seu texto acusa nossa instituição de maneira infundada, de cometer um histórico de distorções e manipulações ao longo do tempo.
Temos um histórico, isso sim, de credibilidade e relevância, com atuação e articulação junto ao mundo acadêmico, presença em veículos de comunicação consagrados como GloboNews, Estadão, Folha, Poder360, e em paralelo, um diálogo aberto e parcerias com instituições da sociedade civil brasileira como o Sesc, Fundação FHC e o MIS, para citar apenas algumas.
Aqui no IBI, abordamos a complexidade dos temas em pauta e abrimos espaço para a publicação de artigos opinativos – como é o caso do texto em questão, “O Conflito no Yom Kippur em Tel Aviv e o Dilema da Intolerância”, assinado pela jornalista Daniela Kresch, colaboradora do IBI em Tel Aviv. Daniela acumula anos de experiência como correspondente internacional em veículos como GloboNews e Folha de S. Paulo.
Há de se lamentar o ocorrido na praça Dizengoff, em Tel Aviv, no último sábado. A esse respeito, em uma análise apurada, escreveu o pensador israelense Yossi Klein Halevi:
“Nos últimos anos, Tel Aviv, no Yom Kippur, foi um modelo de tolerância. Não houve indignação de judeus seculares contra uma mechitzah (separação de homens e mulheres em serviços religiosos) nas ruas. O que mudou este ano foi que há uma guerra do governo contra os judeus liberais, que lutam pela sobrevivência do seu Estado de Israel, pela sua capacidade de continuar a viver neste país. Este ano, uma mechitzah pública em Tel Aviv foi especialmente provocativa, dado o fenômeno crescente de mulheres serem empurradas para a parte de trás dos ônibus – metaforicamente e por vezes literalmente – em todo o país. Gostaria que os manifestantes tivessem resistido à provocação de Rosh Yehudi, mas compreendo o seu desespero.”
A seguir, a resposta escrita de própria punho por Daniela, que na melhor tradição do jornalismo, revisou todas as informações constantes em seu texto.
Por Daniela Kresch
Olá a todos,
Quero agradecer de coração a todos que reagiram ao meu texto mais recente para o IBI. Críticas construtivas são aceitas de braços abertos pelo IBI e por mim.
Antes de tudo, deixo claro que as minhas opiniões são pessoais e não representam os integrantes, leitores e seguidores do IBI.
Quanto a alguns dos itens alegados pela autora da “Carta aberta ao IBI”;
• A autora diz que o grupo “Rosh Yehudi” (Cabeça Judaica) não pode ser tratado como “ortodoxo”. Mas a própria imprensa israelense o faz. O jornal “Times of Israel” na reportagem “Segregated Yom Kippur prayers spark slurs and bitterness, not atonement, in Tel Aviv” (25 de setembro de 2023) escreve: “(…) com o objetivo dos organizadores ortodoxos de encorajar os judeus não-orantes a voltarem à tradição no coração de uma população em grande parte não ortodoxa, Tel Aviv”. O Times ainda define claramente a ONG Cabeça Judaica de “ortodoxa”: “O Rosh Yehudi, uma organização dedicada a reforçar a prática do Judaísmo Ortodoxo em Israel que nos últimos anos organizou orações de Yom Kippur na praça popular”
• A autora também diz que “se citamos a decisão da prefeitura e do Supremo Tribunal, vale também citar que as próprias autoridades disseram expressamente que isso não foi proibido”. Não é verdade. Na semana passada, o Supremo Tribunal manteve uma ordem judicial de primeira instância que permitiu ao município de Tel Aviv bloquear a planejada separação de gênero durante o serviço de Rosh Yehudi.
Portanto, a alegação dos organizadores de que o evento tinha sido permitido com separação entre homens e mulheres é falsa. O evento foi permitido, mas não com autorização para colocar sinais de separação entre homens e mulheres, o que aconteceu.
• A autora também diz que os manifestantes que protestaram contra a reza com segregação eram contra a liberdade religiosa e que “conversou com algumas pessoas que estavam lá”. O fato é que ninguém proibiu Zeíra ou outros de rezarem livremente em Tel Aviv ou na Praça Dizengoff; proibiram apenas de segregar homens e mulheres num local público. Zeíra poderia ir a qualquer sinagoga (local privado) para rezar da forma que queria.
Não conversei com ninguém que estava lá, mas assisti a todos os noticiários de TV, rádio e internet, com dezenas de entrevistas e imagens do ocorrido. Os moradores de Tel Aviv que estavam lá eram, na maioria, contra a segregação de homens e mulheres, não contra a reza. Muitos rezaram, a maioria jejuava. Alguns se exaltaram e alguns podem ser “contra rezas”, mas certamente não são a maioria.
• A autora também não concordou com a minha explanação sobre o fundador da ONG Rosh Yehudi, Israel Zeíra. Segundo ela, os membros da instituição Rosh Yehudi apenas querem aproximar judeus seculares de sua “linha de religião”. Israel Zeíra, no entanto, é conhecido por não esconder que seu objetivo é a “adatá”, que em hebraico significa “proselitismo religioso” (algo que incomoda muito os seculares): “Estamos orgulhosos da nossa ‘adatá’ e dizemos que gostaríamos que todos os sionistas religiosos se envolvessem na ‘adatá’. Queremos que todos os bairros de Tel Aviv tenham um sheliach (emissário) ou dois do Rosh Yehudi”.
Zeíra também é abertamente anti-LGBTQ+, por exemplo. Se isso é querer uma “aproximação” com o “diferente”, é opinião da leitora. Eu considero que se trata de uma posição intolerante do que os israelenses chamam de “kfiá datit” (imposição religiosa), que tem como objetivo final transformar Israel em uma “medinat alachá” (teocracia). Essa é a minha opinião.
• No 3º ponto da carta, a autora acusa o texto de ter chamado de “muretinhas” a divisão (mechitzá) colocada na praça pelos organizadores de reza na Praça Dizengoff, no Yom Kippur. Admito que errei aqui. A maior parte da mechitzá (a divisão) foi realizada com bandeiras de Israel penduradas entre cadeiras para homens e mulheres. Admito o erro, apesar de ter visto imagens diferentes também.
Mas, essa é a única correção a ser feita.
Após toda essa explanação, eu gostaria novamente de agradecer a autora da carta por suas críticas. Encorajo sempre isso, não só com os meus textos. E espero que a minha resposta seja considerada.
Mas, ao mesmo tempo em que estou aberta a reconsiderar erros (e corrigi-los, caso necessário) e repensar ideias (sempre estou aberta a isso), espero que as pessoas que me criticam também estejam abertas a ler as minhas linhas com carinho e com a cabeça aberta para opiniões diferentes.
Em Israel, o debate sobre o que ocorreu no Yom Kippur e o que está acontecendo desde o começo deste ano é tão acalorado como na Diáspora. Vamos debater acaloradamente, mas civilizadamente.
Aproveito para compartilhar nosso email de contato: contato@institutobrasilisrael.org
Obrigada novamente.
*
Carta aberta ao IBI – uma resposta a sua intolerante tolerância
Como brasileira que mora em Israel faz alguns anos, já vi informações manipuladas, extremamente parciais e inexatas sendo transmitida por vocês mais de uma vez.
Mas depois de ler o artigo o “O Conflito no Yom Kippur em Tel Aviv e o Dilema da Intolerância” decidi não mais me calar. Nenhuma agenda política justifica a manipulação de fatos dessa forma.
Então vamos lá…
1. O confronto não aconteceu entre os que desejam um país progressista e democrático e os que querem um país tradicionalista e com leis judaicas acima de tudo. O confronto ocorreu entre judeus israelenses – sejam eles seculares ou religiosos, progressistas ou não, que querem a aplicação da lei judaica ou não – e um grupo de extremistas intolerantes. Mas não sou eu, uma religiosa feminista que preza pela liberdade e pela igualdade que diz isso. Basta ver os filmes do confronto, nos quais se vê todo o tipo de judeu implorando para que os deixem rezar. Basta ver relatos de judeus que não jejuaram Yom Kippur, mas que queriam se conectar com esse dia de sua forma e isso foi tirado deles.
2. Um ponto talvez menos relevante, mas se somos comprometidos com a verdade não podemos deixar, é que o chamado “grupo ortodoxo” na verdade não era ortodoxo. Não que isso mude a gravidade da situação, mas estamos falando de uma instituição sionista religiosa, que em seus valores e visão é diferente da ortodoxia.
3. Seguimos. Então o suposto “grupo de ortodoxos” colocou “as muretinhas de separação (feitas de ferro e tecido)” na praça. Mas pera, vocês conversaram com alguém que estava lá? Viram talvez fotos? Filmes? Tem alguma base sequer pra essa afirmação? Porque os acontecimentos do último dia podem deixar várias dúvidas, mas uma certeza: não foram colocadas “muretinhas” e sim bandeiras de Israel. Outro fato a priori irrelevante, mas se citamos a decisão da prefeitura e do Supremo Tribunal, vale também citar que as próprias autoridades disseram expressamente que isso não foi proibido. Mais uma vez, não precisam acreditar em mim, basta ver filmes da polícia antes de começar o jejum falando que estava tudo de acordo com as exigências. E se de respeito a leis estamos falando, qual é a sua opinião sobre justiça com as próprias mãos? Mas calma, não vale dar uma resposta que se aplique nesse caso em específico e que não se aplique, na sua opinião, quando os lados estão trocados.
4. Se os seculares de Tel Aviv exageraram e são intolerantes? Claro que não! Até porque nesse caso grande parte das vítimas dessa intolerância foram os seculares de Tel Aviv que foram para a praça rezar/ se conectar. Mas se o grupo específico o qual vocês defendem foi intolerante? Essa eu deixo pra vocês responderem.
5. Israel Zeíra, da instituição “Rosh Yehudi”- entendam, você não precisa concordar com a visão do mundo de ninguém para respeitar e garantir sua liberdade religiosa. Direito seu não concordar com o Zeíra, e direito dele não concordar com a sua visão de mundo. Mas não é seu direito, e nem do grupo que você defende, impedir centenas de judeus de rezarem de acordo com sua fé e com seus costumes.
6. Sendo a figura do Zeíra irrelevante pra defesa dos seus direitos, até fiquei na dúvida se escrevia esse parágrafo. Mas depois de ler que “pessoas como ele” querem “converter” os seculares e que não resta dúvidas de que ele preferiria que não houvessem minorias não judaicas no país- meu compromisso com a verdade novamente me obriga a responder. Em uma época em que Israel está tão polarizado, são raras as pessoas que conversam com a pessoa que está do outro lado do setor político e/ ou religioso. O mais fácil é se isolar com seu grupo. Mas ainda assim há alguns, como por exemplo a instituição Rosh Yehudi, que não desistem dessa aproximação. Sim, eles se colocam em situações não tão confortáveis para estar com o diferente. Agora me conta UM caso, um único que seja, em que eles tentaram impor a religião a outra pessoa? UM basta. Não tem né? Porque realmente, eles não negam – e nem tem porque – que estão aí para aproximar quem QUEIRA se aproximar de sua linha de religião. Aos meus olhos isso é válido, mas digamos que não – se coloquem contra essa abertura, mas não se coloquem contra uma inexistente imposição.
7. Agora essa frase do artigo merece uma atenção especial “É nesse contexto que Israel Zeíra e outros têm tentado plantar a semente da discórdia entre os moradores de Tel Aviv e outros locais com população mista, onde cada um pode exercer – ou não – o seu judaísmo como queira.” “Onde cada um pode exercer – ou não – o seu judaísmo como queira.” “Onde cada um pode exercer – ou não – o seu judaísmo como queira.” Ficou claro né?
8. Sobre o fato de que os políticos de direita estão errados em jogar a culpa na esquerda, eu concordo. Mas cadê esse mesmo tom quando a resposta de Lapid e o Ron Huldai estão citadas? Você não me conhece, talvez não saiba que eu não votei em nenhum partido da atual coalizão nas últimas eleições. E ainda – a esquerda pode culpar a direita que não pode culpar a esquerda?
Por fim, conversei com algumas pessoas que estavam lá e viram de perto o que aconteceu. Alguns religiosos, outros não. Mas todos falaram a mesma frase – “Não era contra a separação. Era contra a reza”. Pois bem, dessa vez parece que a maquiagem de liberalismo não funcionou…
Um judeu religioso não merece menos direitos que qualquer outro. Uma judia religiosa tem direito de escolher onde e como rezar. Assim como os muçulmanos e muçulmanas em Tel Aviv. Nós também. A sua intolerante tolerância não é mais importante que o compromisso com a verdade e com com a liberdade de quem pensa diferente de você.
Triste ver uma instituição que propõe fazer a ponte entre Brasil e Israel aumentando a divisão e o ódio dentro de um povo que já está dividido. Próxima vez que se ver no dilema da intolerância, sugiro optar por não ser intolerante 😉
Instituto Brasil-Israel – IBI