Três anos terminados em “3” que marcaram Israel

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Foto: Leonid Altman/Pexels

Daniela Kresch

TEL AVIV – O número 3 parece ser especial na cronologia de Israel. Muitas coisas aconteceram em anos terminados em 3. Neste complicado ano de 2023, os israelenses relembram três (claro!) anos que foram encruzilhadas na História do país: 1973, 1983 e 1993. Em alguns casos, novos documentos e protocolos de reuniões foram revelados após tanto tempo.

Vamos começar pela data mais distante: 1973. A guerra mais difícil que Israel já travou, a Guerra do Yom Kipur, aconteceu há quase 50 anos. Estamos próximos do Yom Kipur de 2023, quando a data de meio século dessa guerra será lembrada. O novo filme sobre a ex-primeira-ministra Golda Meir (“Golda”, com Helen Mirren) conta justamente os bastidores desse conflito que pegou Israel de surpresa.

Israel vivia uma espécie de euforia depois da Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando o país se expandiu e ocupou territórios da Síria (Colinas do Golan), da Jordânia (a Cisjordânia) e do Egito (a Faixa de Gaza e a Península do Sinai). Os israelenses passaram seis anos sentindo-se quase invencíveis. Mas, tudo acabou no dia mais solene do calendário judaico, o Dia do Perdão (Yom Kipur), um dia de introspecção e jejum. Ninguém podia imaginar que, justamente nesse dia, exércitos de Egito e Síria – com apoio de outros países do Oriente Médio e além – atacariam o país.

A Guerra do Yom Kipur foi um banho de água fria numa Israel que se considerava indomável. Mudou tudo na política, derrubando Golda e ajudando na ascensão da direita, em 1977. Mas, acima de tudo, a guerra, que ceifou a vida de 2.656 soldados e civis israelense, foi um rito de passagem de uma Israel idealizada a uma Israel complexa e mais pessimista.

A segunda data redonda é a de 1983, quando o ex-premiê Menachem Begin, o primeiro líder de direita do país, renunciou ao cargo sem dar uma explicação, alegando apenas: “Não posso mais”.

Begin liderou o seu partido, o Likud, a uma vitória impressionante nas eleições de 1977, pondo fim a quase 30 anos de governos de esquerda. Durante o seu mandato, assinou os históricos Acordos de Camp David com o Egito (1978), encerrando 30 anos de guerra com o vizinho de Israel. Juntamente com o presidente do Egito, Anwar Sadat, foi agraciado com o Prémio Nobel da Paz.

Mas, a popularidade de Begin começou a diminuir na década de 80, quando Israel enfrentou uma histórica hiperinflação e a Primeira Guerra do Líbano (1982). Além disso, também em 1982, a esposa de Begin, Aliza, morreu enquanto ele estava em Washington. Tudo isso derrubou a já frágil saúde mental de Begin, que entrou numa depressão profunda.

Begin sumiu da vida pública até morrer, em 1992. Por quase 20 anos, ele foi um recluso, raramente atendia o telefone ou saía de casa. Sua resignação causou um terremoto na política israelense e a anos de incerteza. Em 1984, o partido de esquerda Maarach (união de Partido Trabalhista com o Mapam) voltou ao poder com Shimon Peres, mas Peres acabou fazendo um governo de “união nacional” com o Likud, com ambos os líderes do partido, Peres e Yitzhak Shamir, ocupando o cargo de primeiro-ministro por dois anos cada.

A terceira data que termina em “3” é 1993, o ano dos famosos Acordos de Oslo – a primeira e mais frustrante tentativa de Israel para acabar com o conflito com os palestinos. Os acordos pareciam seguir o script do otimismo dos anos 90 pós-queda do Muro de Berlim. Será que finalmente israelenses e palestinos construiriam um “Novo Oriente Médio”, como queria tanto o então chanceler Shimon Peres, arquiteto dos acordos?

Infelizmente, no entanto, o otimismo de 30 anos atrás se revelou uma quimera. Não só a paz não veio como os acordos enfureceram a direita ultranacionalista, levando, no final das contas, ao assassinato do ex-premiê Yitzhak Rabin, em 4 de novembro de 1995.

O antagonismo aos acordos foi o combustível que abasteceu o começo de carreira política do jovem Benjamin Netanyahu, eleito após Rabin com um discurso direitista que culpa até hoje o campo progressista por todas as mazelas do país e teima em varrer para debaixo do tapete a necessidade de lidar, de uma vez por todas, com a questão palestina.

Três décadas depois, a ata da reunião de gabinete que aprovou o primeiro Acordo de Oslo foi revelada, dando uma ideia do que passava na cabeça dos líderes da coalizão de Rabin, à época.

A reunião de gabinete ocorreu em 30 de agosto de 1993, cerca de duas semanas antes do Acordo de Oslo I (o primeiro dos dois acordos que compõem os Acordos de Oslo) ser assinado entre Israel e a Organização para a Libertação da Palestina (OLP) em Washington, prevendo o estabelecimento de um governo palestino interino até que, cinco anos depois, fosse firmado um acordo de paz permanente.

A reunião era apenas uma burocracia. Afinal, o acordo já estava fechado entre as partes, com moderação americana. O então ministro das Relações Exteriores, Shimon Peres, explicou que não havia oportunidade de melhoria das cláusulas, que o acordo não poderia ser reaberto. Só havia duas opções, aceitar ou rejeitar. Mas estava claro que só havia uma opção: aceitar.

Os ministros, então, deixaram as suas opiniões apenas para que ficassem registadas e para tentar influenciar a próxima fase das negociações. É surpreendente ver quão proféticas algumas das falas dos membros do governo de Yitzhak Rabin, com exceção do ex-ministro Ariê Deri, para o qual os palestinos representavam qualquer risco de segurança de Israel.

“Concordo com você que o problema palestino é um problema político muito difícil, mas não entendi por que representa um perigo para a segurança do Estado de Israel. Um perigo para a segurança é a Síria e não o Estado palestino”, disse Deri.

O acordo era claramente pró-Israel. Não exigia evacuação de assentamentos judaicos na Cisjordânia, não discutia o status de Jerusalém e nem deixava refugiados palestinos regressarem à região. Havia um vago compromisso com um Estado palestino, no futuro. No entanto, a maioria dos ministros, incluindo Rabin, pensavam que o acordo era radical demais.

Ele estabelecia que haveria eleições livres e gerais para estabelecer um conselho que governasse os palestinos na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. O conselho teria jurisdição sobre a educação, a saúde, o bem-estar social, a tributação e o turismo nessas áreas. Quaisquer outras questões seriam tratadas em um acordo futuro.

Rabin observou que o acordo poderia levar a desenvolvimentos positivos e negativos e sublinhou que ele seria “reversível”, caso não desse certo. Isso parecia acalmá-lo. Peres enfatizou que a equipe de negociação israelense não cedeu um centímetro de território. “Não removemos um único assentamento, preservamos a unidade de Jerusalém, garantimos a segurança de Israel”.

Rabin também previu que o Hamas poderia se tornar rapidamente a maior força política palestina, justificando a importância de apoiar a OLP como líder oficial dos palestinos através da novíssima Autoridade Nacional Palestina. Trinta anos depois, isso ainda é verdade. No atual governo de Benjamin Netanyahu, há quem ignore essa realidade, pregando o enfraquecimento da ANP sem parecer se dar conta de que o Hamas pode rapidamente dominar a cena política palestina caso isso aconteça.

Os protocolos de 1993 mostram que o governo Rabin temia as consequências dos Acordos de Oslo, mas acreditava que era melhor do que a opção de não negociar com a liderança palestina.

Muitas coisas notáveis aconteceram nos últimos 30 anos, algumas delas em outros anos terminados em “3”. Mas é neste ano, 2023, que Israel parece enfrentar sua maior encruzilhada. A reforma judicial do ministro da Justiça Yariv Levin divide o país como nunca em seus 75 anos. Esperemos que, daqui a 30 anos, não olhemos para 2023 como o ano que marcou o começo do fim de Israel.

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