Entre startup nation e juros: como está a situação financeira de Israel?

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Daniela Kresch

TEL AVIV – Em 2009, Dan Senor e Saul Singer publicaram o livro “Startup Nation: A História do Milagre Econômico Israelense”, no qual apresentavam Israel como um milagre econômico por causa da combinação de intensa inovação e empreendedorismo. “Como pode Israel, com apenas 7,1 milhões de pessoas, sem recursos naturais, cercado de inimigos e em permanente estado de guerra, gerar mais startups do que Japão, Índia, Coreia, Canadá e Reino Unido?”, perguntavam os autores no prólogo.

Quase uma década e meia depois, em 2023, alguns se perguntam de Israel – hoje com quase 10 milhões de habitantes – ainda é a Nação Startup. Os seis primeiros meses do ano talvez tenham ajudado e reverter essa ideia, da qual muitos israelenses e judeus da Diáspora se orgulham tanto. 

As ações do atual governo, o mais direitista e extremista da História do país, influenciam fortemente na quebra dessa imagem. Quanto mais esse governo Benjamin Netanyahu – liderado pelo Likud em parceria com partidos ultranacionalistas ultraortodoxos – tenta empurrar goela abaixo dos israelenses uma reforma judicial que abala as bases da democracia do país, mais investidores estrangeiros hesitam em ver Israel como o tal milagre econômico de antes.

Desde o começo do ano, os investimentos em startups caíram mais de 70%, as contratações pararam e 6 mil trabalhadores da indústria de alta tecnologia israelense foram demitidos. A concorrência de centros de alta tecnologia na Europa está aumentando. A tendência de crescimento em alta tecnologia está começando a se reverter e a dependência dessa indústria que a economia do país desenvolveu pode ser complicada. 

Certo, Israel ainda é uma potência de alta tecnologia. Em abril de 2023, havia cerca de 9 mil empresas de tecnologia operando no país. Este número é altíssimo e coloca Israel em 3° lugar do mundo em termos startups per capita (só perde para São Francisco e Nova York). Os dados são do “Relatório sobre o estado da alta tecnologia em Israel 2023″, da Autoridade de Inovação de Israel.

Mas os dados positivos, que se referem ao salto da alta tecnologia em Israel na última década também despertam grande preocupação: retratam uma dependência enorme, talvez excessiva, entre a alta tecnologia e a economia como um todo. E isso preocupa muito diante da desaceleração global que esse setor enfrenta desde a guerra na Ucrânia e, particularmente em Israel, os danos causados pela reforma judicial de Netanyahu, o ministro da Justiça Yariv Levin e do Comitê de Constituição, Lei e Justiça do Knesset.   

Não há exemplo no mundo do fato de que aproximadamente 80% dos investimentos em alta tecnologia local são baseados em investidores estrangeiros e aproximadamente 91% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento vêm do setor privado. Esta é a taxa mais alta nos países da OCDE. Entre esses países, Israel ocupa o último lugar na participação do governo – apenas 9% dos gastos nacionais com P&D são financiados pelo governo (em comparação com cerca de 20% nos EUA). 

A queda no escopo dos investimentos nas startups israelenses já havia começado no segundo semestre de 2022 por causa da invasão da Ucrânia pela Rússia. Em 2022, os investimentos em startups encolheram quase pela metade (45%), em relação a 2021. Mas 2023 piorou muito. Só no primeiro trimestre de 2023, os investimentos em startups em Israel diminuíram mais de 70% em relação a janeiro, fevereiro e março do ano passado. 

Para apoiadores da reforma judicial, segundo os quais os danos à alta tecnologia israelense fazem parte de uma tendência global. Mas os dados indicam que, em Israel, a situação é pior do que em outros centros de alta tecnologia. Este ano, a Nasdaq já começou a se recuperar e as ações de tecnologia começaram a subir. Mas, em Tel Aviv, a tendência de queda continua.

Além da preocupação com o futuro (ou o presente) da Startup Nation, os israelenses enfrentam um ano de inflação galopante e juros altíssimos. E isso também parece ser uma tendência maior por aqui do que no resto do mundo. Nos Estados Unidos, os juros já começaram a baixar porque a inflação causada pela dobradinha “pós-Covid + Guerra na Ucrânia” foi controlada. Mas aqui em Israel, isso ainda não aconteceu, ainda.

Os juros altos – os mais altos das últimas duas décadas, pelo menos – têm levado os políticos pró-Netanyahu a colocar a culpa justamente no diretor do Banco de Israel (o Banco Central daqui), Amir Yaron. Quer dizer: os juros não caem porque Yaron não quer, por algum capricho dele, e não porque a inflação ainda corre solta, inclusive e talvez principalmente por causa dos danos à imagem da democracia israelense que a reforma judicial de Levin e Rothman.

Nada mais fácil do que culpar o Banco Central pelos problemas do país. Amir Yaron virou saco de pancadas dos populistas pró-reforma. No começo de junho, O ministro do Patrimônio, Amichai Eliyahu (do partido de extrema direita Força Judaica), acusou Amir Yaron de “manchar o nome de Israel no exterior e prejudicar a classificação de crédito”. Isso porque a Moody’s rebaixou a nota de Israel em abril citando o perigo da reforma judicial para a democracia do país.

“Ele deveria ser demitido, ele é um selvagem!”, disse Eliyahu em uma entrevista de rádio.

Quer dizer: é o presidente do Banco de Israel o responsável pela queda no status da economia israelense no exterior e não a reforma judicial e suas consequências para a democracia do país.

O embate faz lembrar, inclusive, a situação do Brasil, onde o presidente Lula tem feito duras críticas contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Apesar da melhor em diversos indicadores econômicos, o BC brasileiro não reduz a taxa de juros e não deu indicativos, nos boletins recentes, de que algo irá mudar tão cedo.


Foto: Ted Eytan

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