Revital Poleg
O anúncio de que o parlamentar Ayman Odeh, presidente da coligação Lista Conjunta e do partido Hadash, deixará a Knesset, feito há alguns dias, é surpreendente. Segundo o comunicado, Odeh se retira da vida política no final do atual mandato, um ponto de virada significativo na política nacional árabe-israelense.
Odeh, que já está atuando no Knesset há 8 anos, trabalhou para unificar os 4 partidos árabes em uma lista única, e o levou a um recorde histórico de 15 membros nas eleições para a 23ª Knesset. Ele é considerado o político que mais mudou a face da política árabe-israelense e uma das maiores promessas em termos de cooperação política entre judeus e árabes nos últimos anos.
Em 2019, foi escolhido como uma das 100 pessoas mais promissoras da revista Time. Agora, encerrará sua atuação de uma forma muito inesperada. O que está por trás dessa decisão, e por que agora? E como isso afetará a política israelense-árabe?
A história política de Ayman Odeh na Knesset é repleta de conquistas singulares e falhas não menos marcantes. Quem analisa o mapa político atual pode entender que, na realidade atual, será muito difícil para ele fazer a diferença. Provavelmente, ele foi o primeiro a perceber isso. Parece que optou por anunciar sua decisão em um momento que não está relacionado a um evento político significativo (tal como eleições), para gerar impacto na mídia e estimular a agenda política da sociedade árabe.
Sua retirada sinaliza ao seu público que ele “não se apega à cadeira a qualquer preço” e que há espaço para “sangue novo” no partido. Ademais, isso permite que no tempo restante ele possa moldar seu legado e também tentar reunificar os partidos árabes até lá, coisa que ele deseja muito refazer.
Trajetória
O salto político de Odeh começou antes das eleições de 2015, quando foi eleito como o novo líder do Hadash e, subsequentemente, colocado como líder da Lista Conjunta, criando uma nova realidade no cenário da representação árabe-israelense na Knesset.
A lista inclui quatro partidos: o comunista Hadash, o nacionalista palestino Balad, a Lista Árabe Unida Islâmica (Ra’am) e o partido nacionalista árabe Ta’al, de Ahmad Tibi.
A união dessas forças despertou também muito interesse na política e na mídia mundial, que considerou Odeh como o líder que representa toda a minoria árabe. Odeh foi alçado a uma nova e pragmática voz da comunidade árabe em Israel, que enfatizou a importância de judeus e árabes colaborarem. Nessas eleições – que também são lembradas pela falsa afirmação de Netanyahu de que os árabes estão afluindo em massa às urnas – a Lista Conjunta conseguiu 13 cadeiras.
Porém, a deterioração começou imediatamente após a maior conquista de Odeh e da sociedade árabe na arena política: nas eleições de março de 2020, 15 membros da lista conjunta foram eleitos, o que a tornou o terceiro maior partido na Knesset, depois do Likud e do Azul e Branco, liderado por Gantz. A princípio, pareceu um terremoto político, e na sociedade árabe, assim como entre os palestinos, já viam isso como sinal do fim da era Netanyahu.
Pela primeira vez desde 1992, todos os partidos árabes, liderados por Odeh, recomendaram ao presidente Rivlin escolher Gantz, líder sionista e ex-chefe de estado-maior, como primeiro-ministro. Isso acabou mal. Gantz e seu partido, que inicialmente se basearam em Odeh e sua lista, não ousaram implementar seu plano e se renderam à oposição que veio de seu próprio partido.
A Lista Conjunta passou no teste de relevância como um ator importante na arena parlamentar, devido ao seu tamanho, mas não passou o teste de legitimidade nos olhos do mainstream político israelense. Odeh, que até hoje considera esse episódio uma falha histórica, se sentiu traído e marginalizado, junto com a sociedade árabe.
Após as eleições de março de 2021, Odeh viu com amargura Mahmoud Abbas, que se retirou da lista conjunta, “roubando o show e os aplausos” ao se juntar ao governo Bennett-Lapid.
Apesar do conservadorismo religioso árabe representado por seu partido, Abbas demonstrou que é capaz de fazer parte da coalizão, demandar recursos e atuar a favor do público árabe. Mais uma vez, Odeh foi deixado para trás. Essas circunstâncias o levaram, entre outras coisas, a reforçar suas mensagens, fazer declarações duras e se alinhar com as facções mais extremistas entre os partidos árabes.
Sua declaração mais polêmica foi feita durante o Ramadã de 2022. Parado no Portão de Damasco, em Jerusalém Velha, ele declarou que os israelenses árabes que serviam nas forças de segurança na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental “humilhavam” o seu próprio povo e os conclamou a largar as armas e desistir. Suas palavras causaram grande ultraje e provocaram chamadas para investigá-lo por incitar violência, pois Israel está enfrentando a mais mortal onda de ataques terroristas dos últimos anos.
Os resultados da última eleição pioraram a situação. O partido Balad, que se retirou da lista conjunta, ficou fora do Knesset. O partido de Odeh, juntamente com o partido de Ahmed Tibi, diminuiu para 5 membros, e o governo de extrema direita mais radical que jamais existiu em Israel chegou ao poder e está liderando uma revolução jurídica que ameaça a democracia e, principalmente, os elementos mais fracos da sociedade israelense – em primeiro lugar, a sociedade árabe.
Embora marcado como uma grande promessa, Odeh não conseguiu promover mudanças fundamentais no status político dos cidadãos árabes em Israel. Com o passar do tempo, Odeh se viu em um deadlock político, e percebeu que não poderia transformar as coisas como queria. Por isso, escolheu, aparentemente, anunciar sua retirada, antes que a realidade o obrigue a fazê-lo.
A saída de Odeh pode tornar-se um perigoso marco para o parlamentarismo árabe-israelense. De fato, não há vácuo na política, e o novo sucessor que poderá substituí-lo já está indicado. Mas, na realidade atual, em que a esquerda parlamentar está em grande crise e quase inexiste, e o governo está dominado por maioria absoluta de extrema direita, que quer prejudicar a representação árabe no Knesset, a presença de um político que já demonstrou capacidade de unificação e representação da minoria arabe-israelense, fará grande falta. É uma anuência que não será facilmente superada.