Daniela Kresch
TEL AVIV – A atual coalizão de governo de Israel, a mais direitista, ultranacionalista, ultra religiosa e ultraortodoxa da História do país, está no poder há menos de seis meses e já enfrenta sérios rachas. Alguns membros do Likud, o partido do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, estão quebrando o silencio diante do radicalismo dos companheiros de governo e da ala mais radical do próprio que, há até bem pouco tempo, era de direita moderada.
Um deles é Chaim Bibas, prefeito da cidade de Modi’in e uma figura importante do Likud. Ele deu uma entrevista e disse com todas as letras o que muitos colegas de partido pensam. Bibas disse que as políticas deste governo podem acabar “matando o Likud”.
Isso é incrível, porque Bibas sempre foi considerado um dos políticos mais leais a Netanyahu, um confidente de Bibi. Mas Bibas parece ter deixado de acreditar na liderança do primeiro-ministro em meio aos protestos nacionais contra a reforma judicial que pretende enfraquecer a democracia nacional.
“As pessoas no Likud estão com medo e se calam, mas estão conversando comigo e 60% delas pensam como eu”, afirmou Bibas.
Mas a gota d’água para Bibas, no entanto, foi menos o estado da democracia e mais o das contas públicas de sua prefeitura. Ele se enfureceu com a intenção do governo de confiscar as receitas do IPTU de algumas prefeituras para distribuí-las a municípios mais pobres para incentivar a construção de novas casas. Isso prejudicaria Modi’in. Ao que tudo indica, só mesmo quando dói no bolso é que apoiadores deste governo decidem criticá-lo abertamente.
Isso será posto à prova nos próximos dias, quando será votado o orçamento de 2023 e 2024. A votação, urgente, começa nesta segunda (22 de maio). Serão 35 horas seguidas de votações, lei por lei. Se o orçamento não for aprovado inteiramente até a meia-noite de 29 de maio, o Knesset imediatamente se dispersa e novas eleições serão convocadas. É a lei.
No desespero para manter seu governo de pé, Netanyahu prometeu mundos e fundos para seus colegas de coalizão. Mas elas são tantas e tão caras para os cofres públicos de Israel que economistas do Ministério da Economia alertam para as consequências nefastas desse orçamento, caso inclua todas as verbas prometidas.
Um exemplo é a concessão de milhões de shekels para yeshivot e escolas ultraortodoxas. Antes, só escolas que se comprometiam a ensinar disciplinas básicas como matemática e inglês recebiam todos os fundos que lhes cabiam. A ideia é incentivar as escolas a preparar os alunos ultraortodoxos para a vida em sociedade, dando chance para eles se integrarem no mercado de trabalho.
Mas Netanyahu, para assegurar o apoio dos ultraortodoxos, prometeu liberar verbas integrais para colégios que não ensinam matemática e inglês, só ensinos bíblicos. Assim, ele estará condenando uma geração inteira a não poder se integrar na sociedade, o que causará danos enormes para a economia nacional. Esses jovens ultraortodoxos vão ser dependentes de bolsas e pensões do governo – pagas, claro, com os impostos do resto dos cidadãos do país.
Isso é o contrário do que o próprio Netanyahu acreditava e fez há 20 anos, quando foi ministro das Finanças. Na época, em 2003, ele cortou as bolsas para famílias com muitas crianças (ultraortodoxas), o que o transformou temporariamente no político mais odiado por esses religiosos. Mas deu certo e Israel cresceu, com muitos ultraortodoxos saindo para trabalhar em vez de apenas estudar a Torá.
Netanyahu, na época, defendeu essa política com unhas e dentes, mesmo pagando um preço político caro. Nas eleições seguintes, o Likud caiu para 12 cadeiras no Knesset. Mas, 20 anos depois, o Likud é novamente o maior partido do país, com 32.
Ainda hoje, Netanyahu defende o que fez em 2003. Se gaba de ter sido um ótimo ministro das Finanças. Apesar disso, ele está fazendo, agora, tudo ao contrário. Prometeu tanto que, agora, está nas mãos dos ultraortodoxos.
O ministro da Habitação, Yizhak Golknopf, da facção Agudat Israel (parte do partido ultraortodoxo Judaísmo da Torá), demanda receber mais de 600 milhões de shekels em fundos adicionais. Se não acontecer, promete renunciar – o que pode colocar a coalizão em perigo. No momento, Golknopf não é membro do Knesset por causa de um truque político: ele se tornou apenas ministro para poder nomear outro parlamentar de seu partido para o Knesset.
Mas, se renunciar ao ministério, voltará a ser parlamentar e seu voto – ou a falta dele – poderá levar o governo a perder a votação do orçamento. É um truque político complicado, mas ele ameaça realizá-lo.
É claro que outros parceiros políticos também querem verbas. O partido Força Judaica, do ministro da Segurança Nacional, o radical Itamar Ben-Gvir; e o partido Sionista Religioso, do ministro ultradireitista das Finanças Bezalel Smotrich, também querem mais dinheiro para seus projetos sectários e estão chantageando Netanyahu.
Mas Bibi, com sua avidez por se manter no poder e se livrar da cadeia, está cego diante do óbvio: a distribuição de dinheiro para seus apoiadores “ultra” pode acabar com a economia do país.