Por Revital Poleg
Na noite de 24 de abril, às 20h, o povo de Israel vai prender a respiração por um minuto inteiro e ficará parado em memória e honra dos soldados caídos nas guerras de Israel e das vítimas do terrorismo, até o som estridente da sirene cessar. Assim, tal como todos os anos, começará Iom HaZikaron, o dia nacional mais sagrado e doloroso do nosso calendário. Mas este ano será mais doloroso do que nunca.
Ao longo de 75 anos, 24.213 soldados, homens e mulheres, caíram durante existência do Estado de Israel, e 4.255 outros foram assassinados em atos de terrorismo. Este dia de memória que relembra a todos, é vivido na consciência nacional como uma espécie de “Iom Kipur” – um dia cheio de triste silêncio e de convergência em nossos pensamentos e memórias.
Mas esta vez é bem diferente.
A profunda fenda que a sociedade israelense experimentou desde o início da reforma judicial deixa uma marca até mesmo sobre o dia de memória, algo sem precedentes na realidade e na cultura israelense.
O debate interno, resultado da ameaça tangível sobre a natureza democrática e liberal do Estado de Israel, penetrou pela primeira vez também nos cemitérios militares e nas cerimônias tão sensíveis que serão realizadas lá.
Milhares de famílias enlutadas pediram aos representantes do governo para não irem aos cemitérios militares porque não são bem-vindos lá. E apontaram que as famílias não poderão ficar em silêncio durante a cerimônia de memória diante dos discursos vazios de propaganda daqueles que querem eliminar os valores pelos quais seus entes queridos caíram.
É importante notar que esta demanda é dirigida principalmente a todos membros atuais do governo, com especial ênfase naqueles que de forma alguma serviram no exército e nem sequer fizeram algum serviço nacional alternativo ou tomaram parte no fardo nacional e, apesar disso, planejam comparecer nos cemitérios.
A tensão no ar é evidente. A sociedade israelense se encontra em um de seus momentos mais difíceis, que são o resultado de iniciativas políticas ilegítimas e perigosas.
Enquanto escrevo estas palavras, meu coração vai para as famílias dos caídos, de todo o espectro político e religiões – judeus, drusos, cristãos, muçulmanos e beduínos. Rezo para que, apesar de tudo, consigamos superar este dia carregado e também que o Dia da Independência que o seguirá, tenha paz e dignidade para os israelenses. Como isto vai acontecer? Para ser sincera, não sei, o tempo dirá.
Os dias de comemoração e a recordação em geral têm um lugar muito importante na consciência do povo judeu. A memória faz parte da sensação de continuidade de quem somos, e da compreensão de onde viemos e para aonde vamos.
No entanto, ao contrário das festas religiosas judaicas, especialmente Pessach, que preserva a memória histórica e coletiva de todos nós – mesmo que nenhum de nós tenha vivido a escravidão do Egito pessoalmente – a memória dos soldados caídos conjuga uma memória individual tangível, a do indivíduo, da família e dos amigos, juntamente com a memória coletiva do povo.
O principal momento é nas cerimônias de memória dos soldados caídos das guerras de Israel e das vítimas das ações do terrorismo, que acontecem esta semana.
Parece que em Israel temos uma cultura de luto e lembrança mais do que em qualquer outro país – pelo menos naqueles do mundo ocidental. Isso é o resultado da realidade que vivemos, mas também da nossa tradição de memória histórica.
Temos uma linguagem especial que usamos na conversa e no discurso sobre o tema do enlutamento, e uma linguagem e estilo dedicados para inscrições em lápides, para cerimônias de enterro e para dias de memória. Temos uma extensa criação cultural de literatura, poesia, teatro, cinema, dança que focalizam e tratam do luto e da memória. Há, ainda, folclore israelense que se desenvolveu ao redor de histórias de batalhas, de heroísmo, de reavivamento nacional e não menos, de comemoração.
Contudo, e infelizmente, o ethos do enlutamento não está imune aos processos sociais que acontecem na sociedade israelense e são alimentados principalmente pelos políticos, um fenômeno que temos testemunhado várias vezes nos últimos anos e atingiu seu ápice neste mesmo Dia de Memória, conforme acima observado.
Protestos contra governos israelenses realizados pelas famílias enlutadas não são novos, e já aconteceram no passado. Vivenciamos isto pela primeira vez após a Guerra do Iom Kipur, e posteriormente na Primeira Guerra do Líbano, que foi definida pelos manifestantes como “guerra de escolha” e, de acordo com isso, protestaram contra o pesado custo da perda criada por ela.
Porém, nunca antes, até este ano, testemunhamos uma situação tão dramática de raiva emocionante e profunda por parte das famílias enlutadas que se concentra nas cerimônias memoriais consideradas sagradas. Nunca vivemos uma realidade em que mais de um terço das famílias enlutadas, e outro grande público, se opõem fortemente à prática que existe há 75 anos, de figuras políticas participarem nos eventos memoriais e apresentarem discursos cerimoniais. Tudo isso acontece por causa do desacordo fundacional das famílias com a reforma judicial liderada pelo governo, que é percebida em seus olhos como traição nos valores básicos pelos quais seus entes queridos lutaram, e morrem.
Não há ninguém em Israel que não tenha sofrido uma perda em uma das guerras, operações militares ou outras atividades de segurança, seja um membro da família, um amigo, um vizinho ou um colega.
Neste Dia de Memória dos soldados caídos de Israel e das vítimas das ações do terrorismo, mais do que em qualquer ano anterior, vou lembrar e ter saudades de meus quatro companheiros de classe que foram mortos durante seu serviço militar: Yaron Goldstein, Uri Har-Zehav, Yoram Hamer e Shoshana Caspi, que permanecem jovens para sempre.
Vou prometer-lhes que não deixarei de lutar até garantirmos que Israel, pelo qual eles sacrificaram as próprias vidas, continue sendo um Estado democrático e liberal.
Que descansem em paz, meus amigos, e que sua memória e a memória de todos os caídos seja abençoada.