Revital Poleg
Quem acompanha os acontecimentos em Israel sabe que a última semana foi uma das mais difíceis e trêmulas que o país jamais conheceu.
O anúncio de Netanyahu da suspensão das deliberações do Comitê de Constituição sobre a reforma judicial até o final do atual recesso da Knesset, que veio uns dias depois, e seu chamado para manter as discussões entre as duas partes durante o período, teve como objetivo, por assim dizer, acalmar a fúria ardente do público e baixar as chamas.
Na prática, e embora um tipo de diálogo seja esperado, servirá principalmente como “time-out” rumo à segunda fase da revolução jurídica, que pode ser mais amarga e mais violenta.
As expectativas do diálogo são muito baixas. A desconfiança entre os dois lados é maior do que se pode acreditar, a inimizade cresceu até níveis alarmantes e Netanyahu está agindo como um animal ferido que está lutando por sua vida a qualquer custo. O preço que esta situação vai cobrar da sociedade israelense está ficando cada vez mais alto.
A realidade atual fica, a cada dia, mais e mais complicada. Basta mencionar:
1- A destituição do Ministro da Defesa Gallant por Netanyahu, que no momento em que escrevo este artigo ainda não foi resolvida, e a rachadura na imagem da força do sistema de segurança israelense aos olhos de seus inimigos que isto criou;
2- A significativa e crescente deterioração nas relações EUA-Israel, como implicou o recente comentário duro do Presidente Biden ao dizer que Israel não pode continuar neste caminho;
3- A nova rendição de Netanyahu às ameaças de Ben Gvir, aceitando sua demanda para estabelecer Guarda Nacional sob seu próprio comando, uma decisão que não é nada menos do que dar um fósforo ardente a um piromaníaco.
E isso não é tudo. A lista é ainda longa.
No entanto, neste momento de grande incerteza e receio do futuro, gostaria de compartilhar com vocês algumas reflexões sobre os protestos e olhar para frente:
Milhões de israelenses entendem agora, mais do que nunca, que durante décadas eles carregaram o fardo de servir no exército ou no serviço nacional, enquanto grandes setores (a maioria dos que estão representados na atual coalizão de Netanyahu) não o fazem. Eles entendem hoje que estão trabalhando e financiando o país com os impostos que estão pagando, enquanto outras partes da sociedade não contribuem para sua economia, mas vivem de subsídios que recebem do Estado.
Eles entendem agora que a confiança básica com que viveram ao longo dos anos, de que Israel continuará sendo judeu e democrático, não está, forma alguma, garantida. Em outras palavras, eles entendem que a essência do país onde adoram viver, bem como seu estilo de vida e o futuro de seus filhos estão em perigo tangível e verdadeiro, e que mesmo se a reforma judicial atual for interrompida, a próxima tentativa revolucionária pode ser rápida. O “gênio” que saiu da garrafa, não pode mais ser colocado de volta.
A força e a intensidade do protesto contra a revolução surpreendeu Benjamin Netanyahu. O escopo dela, a diversidade do público participante, a presença crescente de jovens, a participação no protesto de cidadãos da direita, lado a lado com cidadãos da esquerda, a persistência, a determinação, a organização impecável, o protesto dos reservistas do exército, dos pilotos da força aérea, dos oficiais das unidades de elite, os alertas dos economistas seniores, a reação da indústria de alta tecnologia e muito mais, o fato de que o mundo inteiro está acompanhando o protesto e aplaudindo os manifestantes. Não era isso o que Netanyahu esperava destes setores que, em dias normais, estão mais ocupados com si mesmos e com sua vida, do que com a legislação da Knesset.
Netanyahu, juntamente com o Ministro Levin, decidiram acelerar o processo legislativo revolucionário, assumindo que este público “hedonista e privilegiado”, tal como os membros da coalizão o chamam com zombaria, não se preocupará de protestar, e no máximo protestaria um pouco, e quando isso acontecer, as transformações legais já serão feitas. Mas, Netanyahu se enganou muito! A tentativa de prejudicar os valores fundamentais do estado, despertou o leão de sua sede e suscitou um protesto nunca visto antes em Israel.
Os poderosos protestos e o eco que recebeu em Israel e no mundo todo levaram Netanyahu à compreensão de que ele não pode deixar a arena das ruas abandonada. Até agora, as manifestações em favor da revolução foram espontâneas, desorganizadas, limitadas em número de participantes e não sem violência.
A declaração de Netanyahu a respeito da suspensão temporária do processo legislativo que ocorreu na véspera de 26 de março veio apenas depois que ele passou a maior parte daquele dia convocando seus apoiadores políticos através do Twitter e outros meios para saírem às ruas e se manifestarem. As imagens vistas na mídia no fundo de sua declaração foram pela primeira vez de dois campos, um frente ao outro. Enquanto os partidários da revolução responderam a um chamado político, a motivação dos opositores da revolução veio de um reconhecimento civil do perigo que esta revolução traria para a sociedade israelense inteira, e, assim, representou uma ampla diversidade política e setorial.
Na véspera do 75º Dia da Independência de Israel, o país enfrenta uma encruzilhada extremamente complexa. A situação ainda não está clara e os acontecimentos estão longe de terminar. E ainda assim, acredito que somos obrigados, mesmo quando estamos lutando, a olhar para frente e delinear os contornos de nosso futuro. Não, isso não foi dito por um mero otimismo, mas por responsabilidade. A crise enfatiza ainda mais a necessidade de uma constituição para Israel, a necessidade de ancorar de forma inequívoca o nosso ser um estado judeu, democrático e liberal, de garantir a todos os cidadãos a igualdade perante a lei, e a igualdade no fardo, tanto civil quanto econômico.
O protesto civil contra a revolução jurídica é um marco na história de Israel. Ele despertou a rua como nunca antes, plantou no coração de tantos a convicção de que é possível e necessário fazer uma mudança e deu origem a uma nova força civil que poderia ser o início de uma alternativa política.
Será que esta crise grave vai criar uma oportunidade para nós? É ainda muito cedo para saber, mas, tomara.