Daniela Kresch
TEL AVIV – Uma greve geral aconteceu neste domingo, dia 2 de abril de 2023, em várias cidades árabes de Israel em protesto contra um grave incidente que ocorreu na madrugada de sexta para sábado. Policiais mataram um árabe-israelense na Cidade Velha de Jerusalém quando ele voltava de preces na Esplanada das Mesquitas (ou Monte do Templo) – um aterro elevado de meio quilômetro quadrado na Cidade Velha – em pleno mês do Ramadã (que este ano termina dia 30 de abril).
Todos sabem que basta uma faísca neste local para o Oriente Médio entrar em combustão. A mesquita de Al-Aqsa é um dos locais mais sagrados do Islã, mas fica na Esplanada/Monte do Templo, local reverenciado pelos judeus onde estiveram o Primeiro e o Segundo Templos judaicos, das épocas de Salomão e de Herodes, respectivamente. O Muro das Lamentações é uma das muralhas de pedra dessa elevação. Tem gente que não se importa em matar ou morrer por esse pequeno pedaço de terra.
A complexidade desse ponto minúsculo do Planeta Terra fica ainda mais intensa no Ramadã, o mês sagrado do calendário islâmico. O Ramadã é marcado por jejum, oração e reflexão. No entanto, nos últimos anos, em Israel, tem sido marcado também por tensões e violência. Um dos principais focos é justamente a Esplanada das Mesquitas/Monte do Templo.
A cada ano, o nível das tensões por lá aumenta exponencialmente, principalmente no Ramadã, quando fiéis mais fanáticos interpretam os mandamentos do Islã como uma ordem para “atacar infiéis”. E quem é mais infiel do que judeus que, segundo eles, ocupam a Esplanada das Mesquitas (mesmo que a esplanada esteja sob soberania da Jordânia)?
Em 2023, a situação ganhou ainda mais pitadas de complexidade com a existência do governo de extrema-direita ultranacionalista em Israel. Recentemente, o ministro da Economia, Bezalel Smotrich, teve a ousadia de dizer que “não existe povo palestino” e discursar em frente a um mapa que incluía não só a Cidade Velha de Jerusalém como toda a Cisjordânia e toda a Jordânia dentro da “Terra de Israel”. E o ministro de Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, outro extremista radical, faz questão de visitar o Monte do Templo quando pode só para melindrar os muçulmanos e estabelecer que é Israel que manda no local.
No caso que aconteceu na madrugada de sábado, Mohammed Elasibi, de 26 anos, morador da cidade beduína de Hura, no Sul de Israel, estava nos arredores da Esplanada das Mesquitas quando foi morto por policiais. A polícia diz que ele havia tentado cometer um atentado, alegação negada por testemunhas oculares e pela família dele. A polícia disse que ele pegou a arma de um policial perto de um dos portões de entrada para o Monte do Templo e disparou duas vezes antes de ser morto a tiros.
Mas testemunhas oculares e autoridades árabes rejeitaram essa versão dos eventos. O pior é que não há como saber o que realmente aconteceu. Nenhuma câmera – dos prédios em volta ou as que os policiais têm em seus corpos – “estava funcionando”. A polícia disse que tudo aconteceu em uma área não coberta por câmeras de segurança e que “infelizmente, o ataque terrorista em si não foi registrado nas câmeras corporais dos policiais envolvidos”.
Alguns ex-policiais disseram que é difícil de acreditar que os policiais não fizeram nenhuma imagem em suas câmeras ou que o incidente não tenha sido gravado pelas muitas câmeras de circuito fechado que existem na área.
O Alto Comitê de Acompanhamento dos Cidadãos Árabes de Israel, um grupo abrangente de líderes da comunidade árabe, declarou a greve de um dia em protesto contra o incidente, argumentando que, na ausência de evidências que provem o contrário, eles veem o acontecimento como um homem inocente sendo baleado por policiais. A greve incluiu serviços públicos, empresas e escolas, exceto instituições de educação especial. Houve protestos durante o funeral de Elasibi.
Testemunhas disseram ao site de notícias israelense Ynet que Elasibi estava desarmado e não representava perigo aos policiais. O Departamento de Investigações Internas da Polícia do Ministério da Justiça afirmou estar investigando, mas isso não evitou que autoridades do atual governo de Israel chamassem o ocorrido de ataque terrorista.
Afinal, há um recorde de alertas para atentados durante o Ramadã deste ano e estão todos em estado de alerta. Imagino que os policiais também. Não creio que seja fácil atual na Cidade Velha de Jerusalém diante de tanta tensão e diante das pressões que vêm de todos os lados.
O Shin Bet (a agência de segurança israelense) revelou que evitou um atentado de grandes proporções por lá há um mês. Segundo o indiciamento, Omar Abedin, um morador de 21 anos de Jerusalém Oriental, estava se comunicando no Facebook e no Telegram com um terrorista libanês e se prontificou a realizar um tiroteio ou ataque a bomba contra um ônibus que transportava policiais perto do Monte do Templo.
Não precisa muito para a situação explodir no Ramadã. Não seria a primeira vez. Em 2021, uma miniguerra de 2 semanas e meia eclodiu entre israelenses e palestinos (a “Operação Guardião das muralhas”, pelo nome israelense) justamente por causa de confrontos que começaram no Ramadã e na Esplanada das Mesquitas.
Mas o governo piromaníaco de Benjamin Netanyahu, Ben-Gvir e Smotrich parece não se importar em atear fogo à região.
Abaixo, uma linha do tempo produzida pela ChatGPT com alguns dos principais distúrbios que ocorreram no Monte do Templo desde 2014:
2014: Em novembro, as tensões começaram a aumentar na área depois que a polícia israelense fechou a entrada do complexo da Mesquita de Al-Aqsa após o tiroteio de um ativista que tentava assassinar um defensor dos direitos dos judeus de orar no local. Isso provocou uma série de confrontos entre as forças de segurança israelenses e os manifestantes palestinos.
2015: Em setembro, a violência estourou novamente depois que se espalharam rumores de que as autoridades israelenses planejavam permitir que visitantes judeus rezassem no local, considerado sagrado por muçulmanos e judeus. Manifestantes palestinos entraram em confronto com a polícia, resultando em vários feridos e prisões.
2016: Em julho, um grupo de atiradores palestinos atacou policiais israelenses no Monte do Templo, matando dois e ferindo vários outros. As autoridades israelenses responderam fechando o local a todos os visitantes por dois dias, o que gerou protestos de palestinos que viram isso como uma tentativa de afirmar o controle israelense sobre a área.
2017: Em julho, as autoridades israelenses instalaram detectores de metal nas entradas do complexo da Mesquita de Al-Aqsa em resposta a um ataque de três atiradores árabes-israelenses que deixou dois policiais mortos. Este movimento foi visto como uma tentativa de aumentar o controle israelense sobre o local e provocou protestos em massa por parte dos palestinos. Os detectores de metal acabaram sendo removidos após vários dias de confrontos.
2018: Em maio, a violência estourou novamente depois que os Estados Unidos mudaram sua embaixada em Israel para Jerusalém, o que é visto como uma provocação por muitos palestinos. Protestos eclodiram no Monte do Templo, e as forças de segurança israelenses responderam com gás lacrimogêneo e balas de borracha, resultando em vários feridos.
2019: Em agosto, as tensões aumentaram novamente depois que a polícia israelense invadiu o complexo da Mesquita de Al-Aqsa e prendeu vários palestinos suspeitos de planejar um ataque terrorista. Isso gerou protestos de palestinos, que entraram em confronto com as forças de segurança israelenses no Monte do Templo.
2021: Em abril, a polícia israelense entrou em confronto com manifestantes palestinos no complexo da Mesquita de Al-Aqsa durante o Ramadã, que é um momento particularmente delicado para muçulmanos e judeus. Isso provocou uma onda de violência entre Israel e o Hamas, o grupo militante que controla a Faixa de Gaza. O conflito resultou em mais de 250 mortos, a maioria dos quais civis palestinos.