Daniela Kresch
TEL AVIV – Minha cama tremeu por volta das 3:30 da manhã desta segunda-feira, 6 de fevereiro de 2023. Achei que estava sonhando, delirando ou com labirintite. Mas quando vi as luminárias do apartamento balançarem, entendi que se tratava de um terremoto. Só não sabia que o que eu havia sentido era um dos maiores tremores que já ocorreram na área de fronteira entre a Turquia e a Síria, a quase 800 km da minha casa.
Muitos israelenses sentiram o terremoto e se chocaram com as imagens e informações sobre os milhares de mortos e feridos. Imediatamente, duas questões surgiram. A primeira é diplomática: Israel irá tentar ajudar turcos e sírios?
Com a volta dos relacionamento diplomático entre Israel e Turquia, num processo que começou em janeiro de 2022 e culminou com o aperto de mão entre o ex-primeiro-ministro Yair Lapid e o presidente turco Recep Tayyip Erdogan em setembro (o primeiro em 14 anos), ficou claro que, pelo menos no caso dos turcos, Israel ofereceria assistência de busca e resgate e médica.
A missão de resgate inicial embarcou já na noite desta segunda-feira e uma delegação maior, que incluirá ampla ajuda humanitária em cooperação com outras agências de assistência, está planejada para embarcar na terça-feira de manhã.
“Dei instruções para enviar, a pedido do governo turco, equipes de busca e resgate e de assistência médica. Assim o fazemos em todo o mundo, assim o fazemos também em áreas próximas a nós”, disse o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Israel já ajudou a Turquia em desastres naturais no passado, e vice-versa. Mas não há dúvidas de que a volta do relacionamento entre os dois países após mais de uma década de rompimento e de retórica furiosa anti-Israel de Erdogan levou Netanyahu a anunciar com mais veemência – e uma certa satisfação – a assistência de agora. Erdogan não só pediu ajuda internacional como seu chanceler aceitou e agradeceu publicamente.
No caso da Síria, país em estado oficial de guerra com Israel há meio século, a história é diferente. Netanyahu afirmou que, a pedido de autoridades sírias, também irá enviar assistência para o país vizinho: “Pelo fato de que recebemos também uma solicitação de fazer o mesmo para os muitos feridos também pelo terremoto na Síria, dei instruções de também fazer o mesmo”.
Mas isso não está muito claro. Horas depois que a imprensa israelense propagou a notícia de que o país iria enviar ajuda humanitária (falaram em tendas e cobertores, a princípio), a própria mídia local indicou que o governo sírio negou ter pedido qualquer ajuda a Israel.
Quando se trata desses dois países inimigos, é difícil saber a verdade. Pode ser que houve um pedido por canais não diplomáticos. E pode ser que Israel já esteja inclusive enviando algo, talvez não equipes e delegações, mas material médico ou humanitário. Mas é difícil que o governo sírio admita publicamente qualquer assistência. Pode ser também que ao governo Netanyahu interesse plantar a ideia de que está ajudando “até mesmo inimigos”, sem que isso realmente vá acontecer.
O segundo assunto que interessa aos israelenses – certamente até mais do que a questão diplomática – é o que aconteceria se o mesmo terremoto de 7,8 na Escala Richter acontecesse em Israel. Os especialistas dizem que um grande terremoto acontece a cada 80 anos na região que engloba Israel, a Cisjordânia, o Oeste da Jordânia, o Sul da Síria e o Sul do Líbano. O último foi em 1927: quase 100 anos atrás.
Toda essa região fica no centro da chamada Falha Sírio-Africana, uma grande fenda que se estende por 4,8 mil quilômetros da Síria até Moçambique, na África, onde duas placas tectônicas que se separaram há 35 milhões de anos volta e meia se roçam. A falha passa por baixo do Mar Vermelho, do Mar Morto, do Rio Jordão e do Mar da Galileia.
Segundo o Canal 12 da TV israelense, o cenário mais provável é o de que 26,800 prédios desmoronem, 170 mil pessoas fiquem desabrigadas e que haja 10 mil mortos ou feridos. Mas eu já vi relatórios apontando que 17 mil pessoas morreriam principalmente em cidades como Tiberíades, Haifa, Bet Shean e Eilat (Israel) e Jenin e Nablus (Palestina).
Israel certamente não está preparado para um grande abalo sísmico, apesar do histórico de terremotos. Em 2013, seis tremores de força média – com entre 3.3 e 3.6 pontos na escala Richter – foram sentidos no Norte e no Sul de Israel, atingindo principalmente a área em volta do Mar da Galileia, no Norte de Israel, e Eilat, na fronteira Sul. Para os especialistas, no entanto, o “Big one” deve acontecer em breve. Talvez daqui a um minuto, talvez daqui a dez anos.
Desde 1985, Israel tem um estatuto que obriga arquitetos a planejarem novos edifícios que resistam a tremores. Mas nem todos seguem as diretrizes à risca. Fora isso, a grande maioria das construções anteriores à década de 80 não foi reforçada. Em 2005, o governo criou o “Tama 38”, um plano pelo qual empreendedores recebem incentivos para reformar prédios antigos. Mas o projeto só deu relativamente certo no Centro do país. Na periferia, poucos prédios foram renovados.
O último tremor devastador em Israel, como citado acima, aconteceu em 11 de julho de 1927, com 6.3 na escala Richter e epicentro em Jericó. Ao todo, 500 pessoas morreram, 130 delas só em Jerusalém, onde 300 casas desabaram. Locais sagrados como a Igreja do Santo Sepulcro e a Mesquita de Al-Aqsa foram danificados. Antes, outro abalo de grandes proporções aconteceu no dia 1º de janeiro de 1837, com 6.8 na escala Richter. Ele foi muito mais devastador: destruiu completamente a cidade de Safed, na Galileia, matando 5 mil pessoas.
No ano de 1033 D.C., um grande terremoto destruiu as muralhas bizantinas que envolviam a Cidade Velha de Jerusalém, colocando abaixo a Mesquita de Al-Aqsa. Jerusalém sofreu outro terremoto severo, de 6.7 na escala Richter, em 15 de janeiro de 1546, quando a Igreja do Santo Sepulcro foi destruída e o Domo da Rocha seriamente danificado.
Estudiosos da Bíblia acreditam que terremotos estão por trás de alguns dos principais relatos do livro sagrado, entre eles a destruição de Sodoma e Gomorra (que ficavam justamente em cima da Falha Sírio-Africana, às margens do Mar Morto) por volta de 1900 A.C, e a queda das muralhas de Jericó, poucos quilômetros ao Norte, por volta de 1400 A.C.
É incrível como, numa região com um histórico desses, não haja um melhor preparo contra uma tragédia anunciada. Não sei se esse preparo evitaria um desastre, mas talvez conseguisse diminuir o número de vítimas.