Por Daniela Kresch
TEL AVIV – Uma das fotos mais famosas do Holocausto foi feita no Gueto de Varsóvia, na Polônia. Nela, um menino de calças curtas caminha com as mãos ao alto e olha para um ponto indecifrável com olhar triste e amedrontado. Atrás dele, mulheres, crianças e alguns homens aparecem com os braços levantados, andando sem muita resistência em direção a um lugar desconhecido, observados de perto por quatro soldados armados da SS, o braço armado do Partido Nazista.
Datada de 18 de abril de 1943, a imagem é do fotógrafo alemão Franz Konrad. No dia seguinte, explodiria o Levante do Gueto de Varsóvia, a maior revolta de judeus contra os nazistas durante a Segunda Guerra Mundial. Ao final da batalha de um pequeno grupo de revoltosos contra o poderoso exército alemão, o gueto foi totalmente destruído e mais de 13 mil judeus foram mortos, a metade deles asfixiados, a outra, queimados vivos. Outros 56.885 mil foram deportados para campos de extermínio, principalmente Treblinka.
O levante, que completa 80 anos, e a resistência judaica contra os nazistas são o tema do Yad Vashem, o Museu do Holocausto de Israel, para 2023. A ideia é mostrar que, ao contrário do que a famosa e emocionante imagem do menino no gueto, os judeus não foram levados à morte como carneirinhos – o que a imagem parece descrever. Houve revoltas, levantes, resistências, lutas. O problema é que os bravos e corajosos revoltosos quase nunca sobreviveram para contar a história.
Neste 27 de janeiro, será lembrado o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto. Mas a data internacional usada pela ONU é a da libertação de Auschwitz. A data israelense do Yom Hashoá é em abril, justamente porque pretende honrar o Levante do Gueto de Varsóvia. Os israelenses preferem lembrar um símbolo de resistência e não de extermínio. Faz parte do ethos da criação do Estado de Israel em 1948: a construção de um “novo judeu”, um judeu que não é uma vítima coitadinha, mas sim um cidadão orgulhoso e lutador.
Já em meados da década de 30, quando os nazistas passaram a espalhar fake news e alimentar o milenar antissemitismo europeu, os ataques e humilhações contra judeus eram numerosos. A partir de 1939, quando começou a Segunda Guerra, os assassinatos de judeus aumentaram exponencialmente até a Solução Final, implementada em 1942. Foram cometidos em pogroms e fuzilamentos em massa até que os nazistas implementassem o extermínio em massa em campos de extermínio em câmaras de gás e outros meios.
Dos cerca de 10 milhões de judeus europeus, 60% (6 milhões) foram exterminados. Mas há quem acredite que esse número é ainda maior. Os sobreviventes conseguiram driblar a máquina de morte nazista com fugas, ousadia e muita coragem. São heróis. Mas entre os que morreram, também houve muito heroísmo. Imagino, inclusive, que muitos dos mais corajosos, que tentaram lutar contra os nazistas ou proteger entes queridos, foram justamente os que foram assassinados primeiro.
Eles não sobreviveram para contar suas histórias. Assim, foi criado o estereótipo de que os judeus foram “como carneirinho” para câmaras de gás. Hoje sabemos que não, que muitos tentaram lutar, se revoltar, resistir. Foram partisans, fizeram parte de movimentos de resistência, fizeram guerrilhas contra os nazistas e seus aliados.
O Levante do Gueto de Varsóvia é o símbolo disso. Foi a primeira revolta urbana contra os nazistas da Europa ocupada e a maior resistência judaica durante o Holocausto. Não teve como objetivo conseguir algum tipo de vitória militar sobre o poderoso exército nazista. Seria ilusão. O que os rebeldes queriam era uma vitória moral. Acreditavam que lutavam pelo espírito humano.
O Gueto de Varsóvia foi uma área de 3,5 km² habitada, em seu auge, por cerca de 400 mil judeus, um terço da população da capital polonesa. Eles haviam sido confinados lá entre outubro de novembro de 1940 pelos nazistas. Nos primeiros dois anos, um quarto dos moradores morreu de fome ou vítima de doenças nas ruas superpovoadas.
Mas a situação piorou no verão de 1942, quando o infame comandante nazista Heinrich Himmler, um dos principais assessores de Adolf Hitler, traçou a chamada “Solução Final para o problema judaico”: o extermínio de todos os judeus da Europa. Entre 23 de julho de 21 de setembro de 1942, nada menos do que 254 mil moradores do gueto polonês foram deportados para Treblinka. A grande maioria não voltou. Quem não morreu no caminho, em campos de trabalho ou de fome, foi dizimado nas câmaras de gás.
Depois de quatro meses de certa calmaria, uma nova onda de assassinatos e deportações em massa aconteceu em 18 janeiro de 1943. Em poucas horas, 600 judeus foram mortos e 5 mil, deportados. Foi a gota d’água que levou grupos de jovens que ainda restavam no gueto a lutar. Naquele momento, já estava claro que o destino dos deportados eram campos de extermínio.
Surpreendentemente, membros de dois grupos de resistência, a Organização Judaica de Combate (ZOB, na sigla em Polonês) e Organização Militar Judaica (ZZW) conseguiram controlar o gueto por algum tempo e as tropas alemãs se retiraram. Mas os combatentes sabiam que era temporário. Cada uma dessas organizações tinha apenas algo em torno de 250 militantes armados com alguns revólveres, granadas e coquetéis Molotov. O maior carregamento de armas que os rebeldes conseguiram receber de colaboradores da Resistência Polonesa continha apenas 49 pistolas.
Em dez dias, as principais batalhas já haviam terminado. Nas semanas seguintes, os sobreviventes apenas fariam pequenas tentativas de ataque a tropas alemãs. Um dos bunkers que serviu de quartel-general para os últimos guerrilheiros ficava na Rua Mila, número 18. O endereço, imortalizado na novela “Mila 18” (1962), do escritor Leon Uris, serviu de base para o mais carismático – e real – comandante do ZOB e ícone do Levante do Gueto de Varsóvia: Mordechai Anielewicz, na época com 24 anos. Líder do movimento sionista-socialista “Hashomer Hatzair” (O Jovem Guarda), ele começou como educador no bairro judaico, mas com o tempo passou a advogar a resistência armada aos alemães e assumiu a liderança do ZOB.
Os nazistas demoraram cerca de um mês para extinguir totalmente o levante no gueto, algo impensável para o implacável general da SS Jürgen Stroop, responsável pelo local naquele momento. Stroop perdeu 16 soldados e, humilhado por um pequeno número de guerrilheiros famintos, reagiu sem dó. O exército alemão reduziu o gueto a ruínas, incendiando sistematicamente todos os prédios, quarteirão após quarteirão.
O último prédio foi o da Grande Sinagoga de Varsóvia, destruída por explosivos em 16 de maio de 1943. Stroop apertou pessoalmente o detonador e escreveu em seu relatório: “Hoje, 180 judeus, bandidos e sub-humanos foram destruídos. O bairro judaico de Varsóvia não existe mais”.
Tudo isso aconteceu há apenas 80 anos. Neste 2023, é importante lembrar dos heróis de todos os tipos. Os que lutaram e pereceram e os que lutaram e sobreviveram.