Daniela Kresch
TEL AVIV – Os israelenses estão se preparando para alguns anos de sobressaltos – e maiores do que aqueles enfrentadosnos quase quatro anos de instabilidade política que o país viveu desde 2019, com cinco eleições. Sim, haverá um novo governo, liderado por Benjamin Netanyahu, o que evitará uma sexta votação. Mas, muitos se perguntam: qual preço Israel pagará por isso? Um dos preços é, por exemplo, ter um parlamentar chamado Avi Maoz na coalizão. Muito se fala de outras figuras não menos polêmicas, como Itamar Ben Gvir, Bezalel Smotrich e Aryieh Deri. Mas Avi Maoz é quem tem causado confusão nos últimos dias.
E quem é Avi Maoz? Ele é o líder de um partido de extrema-direita chamado Noam, que se uniu a outros partidos similares, o Sionismo Religioso (de Smotrich) e o Força Judaica (de Ben Gvir), para concorrer ao Parlamento, o Knesset. Juntos, eles conseguiram 14 cadeiras. O Noam só tem uma dessas cadeiras, que será ocupada por Maoz, até porque, logo após as eleições, esses três partidos se separaram e são, agora, três grupos diferentes. Então, o Knesset terá uma bancada com apenas uma cadeira (apesar de o mínimo para que um partido precisa, para se eleger, ser de 3,25% dos votos válidos, ou quatro cadeiras).
O partido Noam foi criado recentemente, em 2019, como uma facção ultraconservadora do nacionalismo religioso israelense. O mentor é o polêmico rabino Zvi Thau e os objetivos são claros: promover políticas contra os direitos LGBTQI+ em Israel. Esse rabino acredita que a comunidade gay é a maior ameaça para os valores judaicos e para a “família” em Israel. Chama homossexuais de aberrações e outros adjetivos que nem vale a pena mencionar.
Avi Maoz, líder desse partido intolerante, faz apenas um pedido a Netanyahu para entrar na coalizão: ser o diretor da Unidade de Programação Externa do Ministério da Educação. Pouca gente deu bola para o pedido, que parecia inofensivo. Mas, aos poucos, foi ficando claro o tamanho do perigo. A unidade administra entidades fornecedoras de conteúdo educacional extracurricular para escolas públicas em Israel. Essas entidades são aprovadas e parcialmente financiadas pelo Ministério da Educação e oferecem mais de 20.000 programas para diretores de escolas públicas.
Entre os cursos extracurriculares, há desde educação sexual até preparação para bar-mitzva, de agricultura a música e tudo mais que se possa imaginar. Os diretores de escolas podem escolher alguns desses cursos para seus alunos, dependendo do currículo e do preço (mais ou menos subsidiado pelo Ministério da Educação).
O que Maoz quer é ter o poder sobre essa unidade, efetivamente administrando o conteúdo extracurricular das escolas – principalmente de escolas públicas não religiosas (até porque as religiosas têm independência do Ministério da Educação). Não é difícil imaginar o objetivo dele: de algum modo, promover conteúdo mais religioso e menos tolerante em relação à comunidade LGBTQI+, além de conteúdosretrógrados e reacionários, chauvinistas e anti-minorias.
Seu plano se chama “Shavé” (hebraico para “equivalente” ou “digno”). Ele promete “transparência” aos pais, porque acha que muitos desses programas educacionais são “financiados por entidades estrangeiras”, numa verdadeira teoria conspiratória imaginária de que tem gente na Europa e nos EUA que quer “destruir” Israel ao ensinar valores “não judaicos” (isto é: humanistas, de direitos humanos, etc) às crianças israelenses.
Aliás, o ataque ao ensino não religioso da maioria dos israelenses não vem apenas de Avi Maoz. O partido ultraortodoxo Judaísmo da Torá colocou como cláusula de seu acordo de coalizão com o Netanyahu que os alunos seculares “aprendam mais Talmud”. É o pesadelo dos pais seculares, que reclamam desde sempre de tentativas de “hadatá”: imposição de religião a suas crianças.
Dezenas de educadores e prefeituras já avisaram que não vão colaborar com Avi Maoz. Eles disseram que vão ajudar as escolas a escolher cursos extracurriculares que tenham a ver com o viés das escolas públicas não religiosas. Se esses cursos forem mais caros (Avi Maoz certamente dará subsídios apenas aos programas mais religiosos), as prefeituras vão ajudar a financiar os cursos mais pró-direitos humanos e progressistas.
Netanyahu, que está sob pressão por aceitar dar esse poder educacional a Avi Maoz e o partido Noam, está em modo “deixa disso”. Ele tem dado entrevistas dizendo que não vai aceitar discriminação à comunidade LGBT e a outras minores em seu governo. Mas certamente é uma ilusão acreditar que ele conseguirá segurar ou limitar os elementos rebeldes e radicais que ele semeou e que agora está colhendo. Ele escolheu a dedo Ben Gvir, Smotrich, Deri e Avi Maoz para serem seus parceiros, sem contar com os partidos ultraortodoxos, cada vez mais poderosos.
Benjamin Netanyahu achava que teria uma coalizão “para chamar de sua”, sem rivais políticos (todos os partidos de centro e de esquerda). Então, deu corda para os radicais de direita. O resultado é que, nos próximos anos, Israel viverá, como eu disse, aos sobressaltos. A sociedade civil terá que estar atenta e sair às ruas para exigir que seus direitos não sejam atropelados por elementos marginais e radicais.