Daniela Kresch
TEL AVIV – Em eleições passadas, com a divulgação das pesquisas de boca de urna pelos principais canais de TV do país exatamente às 22h, assim que acabava a votação, os israelenses tinham uma boa ideia do que havia acontecido nas urnas. Nas eleições deste 1º de novembro, no entanto, os dados são tão incertos que poucos querem se comprometer com eles.
Explico: pelas pesquisas, o ex-primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, pode retornar ao poder após um ano e meio na oposição à frente do governo. O bloco pró-Bibi, formado por seu partido (o Likud) e por outros três ultraconservadores, receberia 62 cadeiras – maioria no Knesset. Por esses dados, então, ele deverá voltar ao cargp com a coalizão mais direitista da História de Israel – com dois partidos ultraortodoxos (Shas e Judaísmo da Torá) e um ultranacionalista anti-árabes e anti-LGBTQI+ (Força Judaica).
O desânimo do campo anti-Bibi, principalmente dos progressistas que o compõem, é palpável. O atual premiê, Yair Lapid, demorou a se pronunciar, mas finalmente fez um discurso agora, por volta das 1:40 da madrugada: “Nada está decidido”, disse Lapid, se referindo à apuração dos votos oficials. “Não temos intenção de parar ou perder. Todos precisam saber que vamos continuar a lutar para que Israel seja um país judaico e democrático, liberal e progressista”. O mesmo Lapid que deu esperança a muita gente ao conseguir defenestrar Netanyahu, em 2021.
Mas nada é tão simples assim. A contagem oficial dos votos – que pode levar dias – poderá revelar mudanças que parecem pequenas, mas que mudam tudo. Podem fazer com que a estreita vantagem do bloco de Netanyahu diminua ou até mesmo desapareça.
E é essa a esperança dos israelenses do bloco anti-Netanyahu – gente de centro, esquerda e até de direita que não gostaria de ver o veterano ex-premiê de volta ao cargo. Um político que não larga o osso. Que já “reinou” por 15 anos, mas tem uma ânsia quase irracional por um comeback triunfal.
De onde podem vir essas mudanças? Uma delas pode ser a entrada do partido árabe Balad, para o qual faltaram pouquíssimos votos válidos para alcançar o mínimo de 3,25% e ser contabilizado pelas pesquisas. Especula-se que, como muita gente da minoria árabe de Israel opta por votar de noite, pouco antes do fechamento das urnas, seus votos sejam subestimados pelas pesquisas de boca de urna. Afinal, essas pesquisas param de entrevistar eleitores por volta das 20h para poderem contabilizar os dados e revelar os resultados às 22h.
No caso de o Balad conseguir passar dos 3,25%, tudo pode mudar na nova constituição do Parlamento. O Balad teria 4 cadeiras (o mínimo que um partido pode ter) e outros partidos perderiam essas 4 cadeiras. A pergunta é qual deles? Se partidos pró-Bibi ficarem com menos assentos, o bloco Netanyahu pode cair para abaixo de 61 e ficar impossibilitado de formar uma coalizão de governo.
Por outro lado, há partidos que podem perder força na contagem oficial e sumir do Knesset, como o Israel Beiteinu, de Avigdor Lieberman, que faz parte do bloco anti-Netanyahu. Se isso acontecer, haverá mais mudanças na quantidade de cadeiras de cada partido que sobrou.
Se, por um lado, o bloco anti-Bibi reza para que aconteça um milagre que torne um comeback de Netanyahu impossível, por outro, hesita em rezar para que o Balad é que possibilite essa mudança. O Balad é, sim, um partido da minoria árabe e os mais progressistas acham importante que essa minoria tenha representatividade. Mas, por outro, o Balad é um partido antissionista-raiz, que realmente não tem o menor interesse em se integrar à sociedade israelense e levanta apenas a bandeira palestina.
Lucy Aharish, a jornalista árabe-israelense mais famosa do país, disse o seguinte: “Como alguém que estuda a sociedade há tempos e vê a radicalização da direita, com grupos como o Lahava e outros, e da esquerda antissionista, representada pelo Balad, esse resultado parece fazer sentido. Percebemos que quem segue os partidos extremistas são os jovens. Tanto na direita, apoiando Itamar Ben-Gvir e Bezalel Smotrich, como na esquerda, apoiando o Balad. Isso demonstra como a violência e o extremismo estão aumentando e deveriam preocupar qualquer sociedade civilizada”.
Outra esperança do bloco anti-Bibi é que Netanyahu aproveite o trunfo que tem na mão para atrair partidos mais moderados para seu governo. Gente que não engole o Netanyahu, como Benny Gantz, Guideon Saar e Avigdor Lieberman, talvez aceitassem ingressar em um governo de “união nacional” só para evitar que o Força Judaica de Smotrich e Ben-Gvir faça parte do próximo governo. Seria um passo macabro, como num jogo de xadrez: Netanyahu apadrinhou e fortaleceu o Força Judaica só para enfiar goela abaixo de outros líderes que eles precisam engoli-lo para salvar o país.
Justamente por todas essas incertezas é que não houve festa alguma nas sedes de alguns partidos – mesmo os que se salvaram de ficar fora do Knesset, como Meretz e Avodá. Estão todos esperando os resultados oficiais para saber como agir. E ver como Netanyahu vai agir.
Infelizmente, Netanyahu fez de tudo para derrubar a “coalizão da mudança” de Yair Lapid e Naftali Bennett – um farol de esperança que conseguiu iluminar o centro e a esquerda do país por algum tempo. E agora, pode voltar, a não ser que um milagre aconteça.