Daniela Kresch
TEL AVIV – Em Israel, o presidente Jair Bolsonaro venceu o segundo turno das eleições, com 53,4% dos votos válidos. O ex-presidente Lula ficou com 46,6%. É um resultado bem diferente do de 2018, quando Bolsonaro venceu com folga, com 77,27% dos válidos. O então candidato do PT, Fernando Haddad, recebeu, há quatro anos, apenas 22,73% no segundo turno.
Os dados, já indicados na votação do primeiro turno, mostram que houve uma mudança em como os cerca de 15 mil brasileiros que vivem em Israel veem Bolsonaro, mesmo que o presidente tenha demonstrado abertamente, nos últimos quatro anos, seu apoio a Israel – principalmente durante o governo do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (2009-2021).
No total, 814 pessoas compareceram às quatro urnas de Tel Aviv neste domingo, 30 de outubro de 2022, entre os 2.873 aptos a votar em Israel. Ou seja: 28,3% do total. Um pouco mais do que no primeiro turno, quando 729 eleitores compareceram (25,8%). E também um pouco mais do que em 2018, quando também cerca de 25% dos eleitores votaram, nos dois turnos. Tirando votos nulos e brancos, os válidos somaram 758.
Para o embaixador do Brasil em Israel, Gerson Menandro Garcia de Freitas, o aumento no comparecimento pode ser explicado pela data. O primeiro turno, em 2 de outubro, aconteceu em meio a feriados importantes em Israel e muitos eleitores estavam viajando.
Mas o resultado, bem diferente ao de 2018, é mais complexo. Há quatro anos, Bolsonaro era realmente visto como a melhor opção pela maioria dos brasileiros em Israel por ter uma imagem de “amigo de Israel”, com promessas como a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém (o que nunca aconteceu) e uma política externa pró-Israel em fóruns internacionais (o que aconteceu).
Netanyahu compareceu à posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, na primeira visita de um premiê Israel ao Brasil desde a criação de Israel (1948). E, em contrapartida, Bolsonaro visitou Israel em sua primeira viagem oficial após tomar posse, em março de 2019.
O PT, em contraste, era visto em 2018 como um partido abertamente anti-Israel, principalmente durante o governo Dilma Rousseff. Nos oito anos do governo Lula, o relacionamento não passou por muitas turbulências. Lula chegou a visitar o país, mesmo que tenha se recusado a colocar uma coroa de flores no túmulo do “pai” do sionismo, Theodor Herzl. Mas o relacionamento diplomático entre Brasil e Israel foi mesmo afetado na era Dilma.
Um exemplo foi o que aconteceu em 2016, quando o governo Dilma não aceitou as credenciais do candidato ao cargo de embaixador de Israel em Brasília, Dani Dayan. A motivação teria sido o fato de que Dayan liderou, de 2007 a 2013, o Conselho Yesha (representante dos colonos israelenses na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental).
Mesmo assim, a queda no apoio a Bolsonaro talvez reflita a tensão que ocorreu na comunidade judaica do Brasil na gestão Bolsonaro, com a bandeira e símbolos de Israel sendo usado em manifestações pró-Bolsonaro e até mesmo pela primeira-dama Michelle Bolsonaro (que vestiu uma camisa com a bandeira de Israel para votar no segundo turno). Isso dividiu a comunidade e levou os brasileiros, em geral, a vincular Bolsonaro a Israel e aos judeus como um todo.
O aumento de incidentes e de retóricas antissemitas também pode ter influenciado na mudança de posição dos eleitores brasileiros em Israel, bem como a percepção de que a imagem do Brasil no exterior sofreu grandes baques nos últimos quatro anos. A imprensa israelense destacou Bolsonaro muitas vezes, quase sempre com um prisma negativo.
Já entre os palestinos, Lula venceu o segundo turno das eleições de lavada, com 90,5% dos votos válidos contra apenas 9,5% para Bolsonaro. É exatamente o mesmo percentual de 2018, quando Haddad venceu com 90,2% e Bolsonaro recebeu 9,8% dos votos. No total, 47,63% dos 1.419 eleitores palestinos aptos a votar compareceram às urnas na Representação do Brasil em Ramallah, na Cisjordânia, um pouco mais do que os 44,4% do segundo turno de 2018. Os votos válidos foram 645.
Os brasileiros-palestinos encaram Bolsonaro quase como um “israelense”. Não é à toa. Assim como o ex-presidente americano Donald Trump, Bolsonaro ignorou os palestinos e sua causa, deixando claro que tendia para o “lado israelense” no conflito, apesar de haver muitos israelenses que defendem a solução de Dois Estados para dois povos. O próprio primeiro-ministro de Israel, Yair Lapid, defendeu essa solução em seu discurso na Assembleia Geral da ONU, em setembro.
Mas, tanto para Trump quanto para Bolsonaro, o conflito entre Israel e palestinos parece ser um jogo de soma zero: um lado tem que vencer e o outro, perder. A ideia de uma solução “win win”, em que os dois lados são contemplados, mesmo que em parte, parece ser inexistente. E, como Trump, Bolsonaro joga com a ideia de que Israel é uma espécie de “guardião” da “cultura judaico-cristã”, enquanto os palestinos seriam inimigos dessa “cultura”.