Daniela Kresch
TEL AVIV – A nova roda-viva de violência entre israelenses e palestinos, que está em curso desde março deste ano, bateu com toda força à porta da comunidade brasileira em Israel. No sábado (8 de outubro de 2022), David Morel, 30 anos, natural de Belém do Pará e que também tem nacionalidade israelense, foi atingido gravemente num atentado com arma de fogo nos arredores de Jerusalém. Até o momento em que escrevo estas linhas, na terça-feira, 11 de outubro, ele continua internado em estado grave no hospital Hadassah, sedado e entubado.
Família e amigos fazem vigília no hospital e criaram até mesmo uma página na internet para quem quiser orar por David – que recebeu o nome judaico de Hayim David ben Ester. Pela tradição judaica, o nome é Hayim (vida) é adicionado a quem sobrevive a um evento quase mortal. O “ben Ester” é porque Ester é o nome de sua mãe. A página é: תהילים יחד – קריאת תהילים משותפת (tehilimyahad.com)
O paraense David Morel estava trabalhando como segurança privado num posto de controle israelense entre Jerusalém e Shuafat, no Noroeste da cidade. Shuafat é, teoricamente, um bairro dentro da área municipal de Jerusalém. Mas, na prática, faz parte da Cisjordânia e só palestinos moram lá. Fica bem próximo a Ramallah, a capital política e econômica da Autoridade Nacional Palestina. Então, esse posto de checagem é quase como um posto de fronteira, mesmo sendo dentro de Jerusalém.
O atacante, identificado como o palestino Udai Tamimi, parece ter fugido ileso para Anata, um outro vilarejo palestino vizinho a Shuafat, ou para o campo de refugiados que fica dentro de Shuafat.
Além de David, outros seguranças e soldados do exército israelense estavam no posto de controle, armados e de prontidão às 21h de sábado. Mas um vídeo do momento do ataque mostra a facilidade com a qual um palestino sai de um dos carros e, à queima roupa, atira com uma pistola contra um grupo de soldados e guardas. Ele conseguiu matar uma soldada de 18 anos, Noa Lazar, e ferir gravemente o guarda brasileiro, que estava do lado dela.
As imagens chocaram as forças de segurança, principalmente pelo fato de que o terrorista conseguiu atirar oito vezes contra os soldados e guardas que estavam no local e fugir sem ser parado pelos outros. O vídeo mostra alguns deles fugindo para se proteger, o que seria inaceitável nessa situação. O atacante só parou de atirar porque acabaram as balas.
Na investigação após o ataque, descobriu-se que Tamimi pegou carona com quatro jovens palestinos e disse que queria ir para a cidade de Modi’in. Quando chegaram ao posto de controle, ele desceu do veículo e atirou. Os passageiros do carro, aparentemente nervosos, fugiram em direção a Anata. Tamimi não tinha ficha na polícia ou associação com nenhuma organização terrorista. Ele aparentemente agiu sozinho e por conta própria.
Muita gente acha que as forças de segurança israelenses são super organizadas, quase invencíveis. Mas o exército de Israel é mais caótico e desorganizado do que se pensa – refletindo um pouco do caráter do “sabra”. Há um certo “amadorismo” entre os israelenses, que gostam de fazer tudo às pressas (muitas vezes aos berros) e não prezam muito pela atenção a detalhes. Não digo que é sempre assim, mas é o que entendo por relatos de quem serviu nas forças armadas daqui.
Até agora, o terrorista não foi encontrado. O irmão dele e o motorista do veículo que levou Tamimi ao posto de controle se entregaram. Além disso, três suspeitos foram presos por possível envolvimento no ataque. Dezenas de policiais de fronteira e forças especiais estão buscando o fugitivo com o uso de cães farejadores e de um helicóptero.
David Morel é israelense desde 2017, mas, segundo amigos, mora no país desde 2015. Em Belém, ele fazia parte de um movimento juvenil judaico. No Facebook, diversos amigos ficaram chocados com a informação: “Trabalhamos juntos … E ele sempre falou q seu sonho era fazer parte do exército Israelense (sic)”, disse Patrick Zimermann. “Grande David, trabalhamos juntos, guerreiro, vai se recuperar BzH! Refua Shlema! (sic)”, escreveu Fernando Stoler.
Em março, abril e maio deste ano, 21 pessoas morreram e dezenas ficaram feridas em atentados terroristas em Israel (em cerca de 700 ataques ou tentativas de ataques só nesses três meses). Desde agosto, depois dos três dias de confrontos entre Israel e a Jihad Islâmica da Faixa de Gaza) o número de ataque e tentativas de ataques estacionou em cerca de 200 por mês.
Este mês, havia o temor de que o número de ataques palestinos aumentasse por causa dos feriados judaicos de Rosh Hashaná, Yom Kipur e Sucot (que está em andamento até semana que vem). Pelo menos a julgar pelo que ocorreu no sábado, havia motivo para essa apreensão.
Não podemos esquecer que, desde o começo da escalada da violência, o exército israelense tem feito incursões quase diárias em cidades da Cisjordânia para evitar novos atentados. Nas operações de apreensão de suspeitos e armas, há muita confusão, tiroteio e violência. Pelo que eu sei, algo como 90 palestinos morreram desde março – entre os atacantes que cometeram ou tentaram cometer atentados contra israelenses e os que morreram durante esses confrontos em meio a ações do exército.
Esse é o infeliz conflito palestinos-israelense. E ninguém está imune por aqui. Só podemos, agora, rezar pela saúde do brasileiro David Morel.