Daniela Kresch
TEL AVIV – Quatro anos depois de ter recebido ampla maioria dos votos no primeiro turno das eleições de 2018 em Israel (66,5%), Jair Bolsonaro recebeu menos votos entre os eleitores brasileiros aptos a votar na embaixada do Brasil em Israel. De acordo com os resultados divulgados por volta das 18h (12h em Brasília) de 2 de outubro nas quatro seções eleitorais de Tel Aviv, Bolsonaro recebeu bem menos votos: 45,9% dos 696 votos nominais (descontados nulos e brancos), com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva bem próximo, com 36,6% dos votos nominais.
A candidata do MDB, Simone Tebet, obteve expressiva votação, com 10.9% dos votos. Ciro Gomes (PDT) ficou em quarto lugar, com 3%, numa dia eleitoral sem dramas ou incidentes, segundo disse ao IBI o embaixador Gerson Menandro Garcia de Freitas. “Não houve confusão alguma, nem quando pedimos a um soldado e um policial que não entrassem nas seções armados”, contou o embaixador.
O único problema foi o fato de que uma das urnas não funcionou e a votação precisou ser manual na seção em questão, o que atrasou a divulgação dos resultados, já que a apuração dos votos teve que ser feita pelos mesários (com presença de duas testemunhas). Outros candidatos receberam pouquíssimos votos.
Em 2018, Jair Bolsonaro foi o grande vencedor do primeiro turno em Israel, com 66,5% dos votos nominais. Ciro Gomes ficou, na época, em segundo lugar, com 12,5%. Fernando Haddad só em terceiro, com apenas 6,8% dos votos.
O resultado da votação denota uma mudança em como os cerca de 15 mil brasileiros que vivem em Israel vêem Bolsonaro, mesmo que o presidente tenha demonstrado abertamente, nos últimos quatro anos, seu apoio a Israel – principalmente durante o governo do ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
Em 2018, Bolsonaro era realmente visto como a melhor opção pela maioria dos brasileiros em Israel por ter uma imagem de “amigo de Israel”, com promessas como a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém (o que nunca aconteceu) e uma política externa pró-Israel em fóruns internacionais (o que aconteceu).
Netanyahu compareceu à posse de Bolsonaro, em janeiro de 2019, na primeira visita de um premiê de Israel ao Brasil desde a criação de Israel (1948). E, em contrapartida, Bolsonaro visitou Israel em sua primeira viagem oficial após tomar posse, em março de 2019.
O PT, em contraste, era visto em 2018 como um partido abertamente anti-Israel. Durante o governo Dilma Rousseff, o relacionamento diplomático entre Brasil e Israel foi bastante afetado. Em 2014, durante um conflito entre Israel e o grupo islâmico Hamas, da Faixa de Gaza, o Itamaraty, chamou de volta ao país para consultas o então embaixador em Tel Aviv. Em reação, o então porta-voz da chancelaria de Israel, Yigal Palmor, qualificou o Brasil de “anão diplomático”.
Dois anos depois, em agosto de 2016, o governo Rousseff não aceitou as credenciais do candidato ao cargo de embaixador de Israel em Brasília, Dani Dayan. A motivação teria sido o fato de que Dayan liderou, de 2007 a 2013, o Conselho Yesha (representante dos colonos israelenses na Cisjordânia e em Jerusalém Oriental).
Nos oito anos do governo Luiz Inácio Lula da Silva, o relacionamento não passou por muitas turbulências. Lula chegou a visitar o país, mesmo que tenha se recusado a colocar uma coroa de flores no túmulo do “pai” do sionismo, Theodor Herzl, o que causou em certo mal-estar. Por outro lado, Lula aceitou colocar flores no túmulo de ex-presidente palestino Yasser Arafat, em Ramallah (Cisjordânia), considerado como terrorista por muitos israelenses.
Mesmo assim, a queda no apoio a Bolsonaro talvez reflita a tensão que ocorreu na comunidade judaica do Brasil na gestão Bolsonaro, com a bandeira e símbolos de Israel sendo usado em manifestações pró-Bolsonaro – o que dividiu a comunidade e levou muitos a vincularem Bolsonaro a Israel e aos judeus como um todo.
O aumento de incidentes e de retóricas antissemitas também pode ter influenciado na mudança de posição dos eleitores brasileiros em Israel, bem como a percepção de que a imagem do Brasil no exterior sofreu grandes baques nos últimos quatro anos. A imprensa israelense destacou Bolsonaro muitas vezes, quase sempre com um prisma negativo.
Este ano, um total de 729 eleitores compareceram às quatro seções eleitorais na embaixada do Brasil em Tel Aviv, o que significa cerca de 25% do total de eleitores aptos (2.840). O mesmo percentual de 2018 (há quatro anos, foram 529 eleitores dos 2.095 aptos). Mas, dos que compareceram, alguns anularam ou votaram em branco. No final das contas, 696 eleitores depositaram votos válidos.
Este ano, o PT voltou a receber a grande maioria dos votos em Ramallah, capital política dos palestinos na Cisjordânia. Lula recebeu 84% dos votos e Bolsonaro apenas 7,4%. Foi quase um repeteco de 2018, quando Fernando Haddad recebeu 80% dos votos, Ciro ficou com 7% e Bolsonaro, apenas 5,3%.
Em 2022, 698 brasileiros na Palestina foram votar na representação do Brasil que fica nos arredores de Ramallah, cerca de 50% dos eleitores aptos (1.419 dos cerca de 5 mil brasileiros que moram na Palestina). Em 2018, foram 602 votantes (também cerca de 50% dos eleitores aptos, na época).
Pode-se explicar a maior presença de brasileiros nas urnas da Palestina (50%, em comparação com 25% em Tel Aviv, por uma miríade de motivos. Primeiro, domingo é dia útil tanto em Israel quanto na Palestina, portanto muitos acham difícil pedir um dia de folga aos empregadores. Mas, no caso de Israel, as distâncias são maiores, o que dificulta ainda mais o comparecimento de brasileiros-israelenses que moram longe de Tel Aviv, no Centro do país. No caso da Palestina, a maior parte dos brasileiros-palestinos moram nos arredores de Ramallah, o que torna o comparecimento menos complicado.
Fora isso, boa parte da comunidade brasileira em Israel é formada por brasileiros que moram há décadas no país e se sentem menos ligados à política brasileira. No caso dos palestinos, pode haver um engajamento político maior, mesmo que eu não tenha dados para confirmar essa afirmação.