Daniela Kresch
TEL AVIV – O presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, não poderia ter escolhido o local e o momento menos apropriados para comparar o Holocausto ao conflito com Israel. Em visita a Berlim, na Alemanha, Abbas respondia a perguntas numa entrevista coletiva do lado do chefe do governo alemão, Olaf Scholz, quando decidiu afirmar que Israel cometeu “50 holocaustos” contra os palestinos desde sua criação, em 1948.
Se eu não tivesse visto o vídeo com os meus próprios olhos, diria que se trata de uma piada de mau gosto. Mas foi verdade. O comentário infeliz de Abbas (chamado pelos palestinos e israelenses de Abu Mazen), chocou alemães e israelenses – mesmo que não tenha sido o primeiro desse tipo do líder palestino (abaixo listo alguns).
Olaf Scholz claramente fez uma careta quando ouviu as palavras, mas não reagiu (pelo menos a princípio). Mais tarde, emitiu uma nota e deu entrevistas à imprensa alemã qualificando o comentário de “inaceitável”.
Em Israel, o primeiro-ministro israelense, Yair Lapid, também reagiu: “A declaração de Abbas sobre ’50 holocaustos’ em solo alemão não é apenas uma farsa moral, mas também uma terrível distorção. A história não o perdoará”, tuitou Lapid.
A pergunta que Abbas respondia era a de um repórter, que indagou sobre o aniversário de 50 anos do massacre dos 11 atletas israelenses e um policial alemão nas Olimpíadas de Munique, em 1972. O jornalista perguntou se ele não gostaria de pedir desculpas pelo atentado, cometido pelo grupo palestino “Setembro Negro” – ligado ao Fatah, a facção de Abbas.
Abbas decidiu, então, dizer que, se o repórter gostaria de falar do passado, deveria falar também do que Israel fez contra palestinos: “Há 50 chacinas que Israel cometeu… 50 massacres, 50 chacinas, 50 holocaustos”, disse ele, tendo o cuidado de pronunciar a palavra final em inglês.
Durante a mesma coletiva de imprensa, Abbas usou o termo “apartheid” para descrever a política israelense em relação aos palestinos. Olaf Scholz tentou discordar: “Naturalmente, temos uma avaliação diferente em relação à política israelense, e quero dizer expressamente aqui que não defendo o uso da palavra ‘apartheid’ e não acho que ela descreva corretamente a situação”, disse o líder alemão.
Ao que tudo indica, Abbas não fez uso daquela prática de conhecer o seu público antes de falar qualquer coisa. Como relativizar o Holocausto justamente em solo alemão? Ele precisava entender que não falava para um público que compra cegamente sua narrativa do que acontece no Oriente Médio. Governos alemães do pós-Segundo Guerra tendem a apoiar Israel como uma espécie de “expiação” pelo Holocausto. Falar de “holocausto” e “apartheid” pode ser palatável ou até atraente em alguns círculos. Mas não em Berlim.
Como eu escrevi antes, não é a primeira vez que Abbas causa polêmica com seus comentários e teorias sobre o Holocausto. Em 2018, por exemplo, ele disse que foi o “comportamento social” e a usura judaicos – e não o antissemitismo – a causa do genocídio de judeus europeus pela Alemanha nazista.
Três décadas antes, em 1982, em sua dissertação de doutorado, intitulada de “O outro lado: a relação secreta entre o nazismo e o sionismo”, Abu Mazen afirmou que seis milhões era um número exagerado e que “só” um milhão de judeus foram mortos pelos nazistas. E, como diz o título da tese (depois transformada em livro), Abbas sugeriu que a liderança sionista colaborou com os nazistas para criar uma espécie de “desculpa” para a criação do Estado de Israel. Uma teoria conspiratória “raiz”.
Após a pressão da comunidade internacional, Abbas negou que a intenção fosse diminuir o Holocausto e classificou o genocídio da Alemanha nazista como “o crime mais hediondo da história moderna”.
Dizem que, com a velhice, as pessoas têm mais dificuldades em esconder o que realmente pensam. Aos 86 anos, Abu Mazen talvez não consiga mais deixar de lado o preconceito em relação aos judeus (ou melhor, o antissemitismo), o que talvez permeie suas ideias sobre o Estado de Israel e suas demandas aos israelenses.
Quero deixar claro que, se há preconceito do lado palestino, também há do lado israelense em relação ao mundo árabe-muçulmano. E ideias preconceituosas dificultam acordos de paz. Curar essa enfermidade é difícil e leva tempo. Os líderes dos dois lados deveriam ser os primeiros a “se vacinar” contra o preconceito.
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