Daniela Kresch
TEL AVIV – Os israelenses experimentam um clima de orgulho nacional como há anos não era sentido. O motivo: para a maioria das pessoas – incluindo opinião pública, mídia, especialistas militares e outros –, Israel venceu de lavada a mais recente rodada de hostilidades contra terroristas palestinos.
A chamada “Operação Alvorada” – os três dias de conflito entre o exército israelense e o grupo Jihad Islâmica Palestina (JIP) – foi uma vitória para Israel, segundo esse consenso interno. O que não pode ser dito da maioria das rodadas anteriores de ataques e contra-ataques entre Israel e militantes de Gaza desde 2008, quando as ações militares acabaram com um gostinho de derrota.
A operação começou na sexta, 5 de agosto, e terminou no domingo, dia 7. Foram exatamente 66 horas de conflito. Israel deu o primeiro passo, ao matar Tayseer Jabari, um dos principais líderes da JIP em Gaza.
O objetivo era acabar com a ameaça de um ataque iminente da Jihad contra Israel por vingança por causa da prisão de um líder do grupo, Bassam al-Saadi, quatro dias antes, na Cisjordânia. Isso fez com que moradores de toda a área de fronteira com Gaza tivessem que passar dias inteiros fechados em suas casas por causa dessa ameaça – que paralisou também comércio, agricultura, colônias de férias e toda a vida cotidiana dessas comunidades.
Em resposta à morte de Jabari, os militantes da Jihad – uma proxy do Irã que tem como objetivo destruir Israel e criar um regime islâmico em todo o Oriente Médio – lançaram mais de mil foguetes contra Israel, desde as comunidades fronteiriças a Gaza até mesmo Tel Aviv e Jerusalém. No segundo dia da operação, o exército israelense também matou Khaled Mansour, comandante da Jihad Islâmica no Sul de Gaza.
A rodada de hostilidades acabou no domingo, com um cessar-fogo mediado pelo Egito e o Qatar.
Qual é a narrativa vigente, no momento? A de que Israel finalmente agiu com firmeza, foi proativo e conseguiu, em 66 horas, dizimar a liderança de um grupo terrorista caótico que há dias ameaçava atacar indiscriminadamente civis israelense na fronteira com Gaza. E, em Israel, as palavras “firmeza” e “proativo” são sempre elogios.
Os israelenses também adoram a noção de “maká” (golpe rápido). Nesse caso, uma ação militar cirúrgica que vai ao ponto e que não dura muito. Se a Operação Alvorada se arrastasse por mais dias ou semanas, certamente seria menos elogiada. Fora isso, não houve uma só vítima fatal israelense, a cereja no bolo de uma operação militar que, para muitos, foi quase perfeita.
Essa visão é cultivada também pela eficiência – rara, aliás – da diplomacia pública israelense (o que muitos chamam de “hasbará”, ou “explicação”). Houve um trabalho intenso também no front da guerra midiática que sempre explode juntamente com a militar. O exército, com ajuda da chancelaria, do GPO (Government Press Office) e de outros órgãos de governo, conseguiu agir rápido.
Um exemplo foi quando começou a circular que um míssil israelense teria matado cinco crianças em Jebalya, no Norte da Faixa de Gaza. Com uma rapidez bem diferente da lerdeza de eventos anteriores, a assessoria de imprensa do exército reagiu divulgando um vídeo mostrando que o projétil que matou as crianças saiu da própria Faixa de Gaza. A própria Jihad Islâmica havia lançado uma barragem de foguetes contra Israel e um deles falhou e caiu em Jebalya.
Para a opinião pública interna, a Operação Alvorada foi o maior triunfo militar e de inteligência dos últimos anos. Na mídia do país, há apenas elogios: ao exército, ao serviço de inteligência e até mesmo à cúpula política. O primeiro-ministro, Yair Lapid, que antes era considerado “café com leite” em questões militares (afinal, ele serviu no exército como jornalista do jornal militar “HaMachané”), se mostrou um líder proativo e assertivo.
Lapid, aliás, é apontado como o maior vencedor de toda essa rodada de hostilidades. Há três meses das eleições de 1º de novembro, ele e seu partido, o Há Futuro, já subiram nas pesquisas eleitorais. Até conseguiu que o ex-premiê Benjamin Netanyahu o elogiasse publicamente – algo que nunca aconteceria com o antecessor, Naftali Bennett.
Toda essa euforia, no entanto, só enfatiza a conhecida dissonância entre a opinião pública dentro de Israel e fora de Israel. Nada do que eu escrevi acima – essa narrativa de vitória rápida justa contra um grupo terrorista que ameaçava civis israelenses – foi traduzido na imprensa internacional. Como sempre, Israel foi definido como o agressor e provocador. E, como sempre, o lado que tem mais mortos é a vítima, Israel novamente ocupou o papel de vilão.
Foram algo entre 34 (segundo Israel) e 44 (segundo os palestinos) mortos em Gaza. Em Israel, nenhum. Portanto, os palestinos, como um todo, são as vítimas, nas reportagens estrangeiras. Não há muita tentativa de contextualização sobre quem é esse pessoal da Jihad Islâmica e como centenas de milhares de israelenses foram atacados com mil foguetes.
Na minha (humilde) opinião, é difícil desbancar narrativas tão fortes (e não discuto aqui a narrativa palestina, que é outra história). A narrativa interna, de vitória contra malvados, é um tanto ufanista demais. Mesmo que o primeiro-ministro Lapid tenha deixado claro que o conflito não é contra os moradores de Gaza e sim contra a Jihad Islâmica, não se pode ignorar o fato de que a Jihad Islâmica existe e se fortaleceu também devido a decisões israelenses (sem entrar aqui em detalhes ou filosofadas).
Por outro lado, a narrativa externa é superficial e estereotipada. Jornalistas estrangeiros usam um “template” conhecido e tradicional quando se trata deste conflito. E nem sempre fazem isso por maldade (os motivos para isso também são outra história).
O meu ponto aqui é que um mesmo evento – no caso, um conflito de 3 dias entre Israel e a Jihad Islâmica de Gaza – foi noticiado, deglutido e interpretado de formas muitos diferentes. Em Israel, foi uma vitória. Ouvi até alguém qualificando de “orgulho nacional”. Entender a cabeça dos israelenses é fundamental para entender como isso tudo influenciará nas eleições de novembro e nos próximos conflitos.