A.B. YEHOSHUA: AS VISÕES POLÊMICAS DE UM GIGANTE DA CULTURA ISRAELENSE

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Daniela Kresch

TEL AVIV – Israel perdeu há poucos dias um de seus maiores e mais queridos escritores: A. B. Yehoshua, falecido aos 85 anos de câncer de esôfago. Ele era aclamado interna e internacionalmente. Segundo seu obituário no New York Times, Yehoshua “colocou sua nação no mapa da literatura mundial com retratos humanos que capturam a condição de viver em uma terra repleta de enigmas morais e políticos”.

Eu tive o prazer de entrevistar esse ícone da cultura israelense diversas vezes. A última, em 2018, foi para gravar um vídeo para o IBI – material que acabou sendo arquivado, mas que agora o Instituto está divulgando em seus canais na internet.

No vídeo, ele fala de questões polêmicas. Sua visão sobre a Diáspora judaica era rígida: para ele, todos os judeus que prezam o sionismo (isto é: a existência de um Estado-nação do povo judeu) deveria morar em Israel. E ponto final. Se não fazem aliá, não são sionistas de verdade.

Outra visão polêmica que Yehoshua desenvolveu em seus últimos anos de vida era a noção de que a tão falada solução de “dois Estados para dois povos” não é mais possível. Para ele, palestinos e israelenses estão envolvidos demais uns com os outros – entrelaçados num emaranhado político, econômico e social – que é impossível dividir esta região em duas.

A única maneira, segundo ele, seria criar um Estado único para os dois povos, com direitos políticos iguais para todos – mesmo que os dois lados não morram de amores pelo outro. Seria uma visão mais “humilde” e mais “prática” do sionismo. Uma visão menos ideal, mas talvez menos belicosa. Mas essa noção arrepia a maioria dos judeus israelenses porque poderia significar o fim de um Estado com maioria judaica. E não agrada também a muitos palestinos, que almejam um Estado independente.

Quando A.B. Yehoshua começou a falar sobre esses temas, se tornou alvo de muitas críticas. Até mesmo dentro do IBI houve certa polêmica quanto a suas visões pouco consensuais. Mas é certamente interessante ouvir o que esse gigante da esquerda e da cultura e israelense, que viu Israel nascer e presenciou todas as mudanças do país de apenas 75 anos de idade, tem a dizer.

Abaixo, trechos da entrevista que deu origem ao vídeo que produzi para o IBI, juntamente com o cinegrafista e editor Felipe Wolokita.

PERGUNTA – O senhor acaba de lançar um novo livro, “O Túnel”, cujo protagonista tem demência…
A.B. YEHOSHUA – Isso, começo com o protagonista tendo uma demência leve, que piora perto do fim do livro. Falo não só de demência pessoal, mas também de demência nacional. Estamos dementes. Aqui em Israel moram seis milhões de judeus, entre eles dois milhões de palestinos. E tem gente querendo anexar mais dois milhões que vivem na Cisjordânia. Que povo maluco para fazer algo assim! E agora, estamos num impasse. Não podemos engoli-los e não podemos vomitá-los.

PERGUNTA – O senhor não acredita que Israel vá se retirar algum dia da Cisjordânia?
A.B. YEHOSHUA – Há pessoas que se iludem, mas há assentamentos os quais é impossível desmantelar. E não dá para dar aos palestinos apenas partes da Cisjordânia, além de Gaza, e dizer a eles que façam um país de pedaços. Além disso, eles são difíceis e teimosos. Jerusalém já está unificada, não dá para dividir. Os dois povos estão um dentro do outro e não se pode desmantelar isso.

Então, a pergunta é assim: Apartheid ou não Apartheid? A solução é dar cidadania (aos palestinos). Assim como não aconteceu nada a Jerusalém, que em 1967 incluiu mais 300 mil palestinos, nada vai acontecer ao país. O que aconteceu com Jerusalém? Ela não é judaica? Se tivermos mais árabes dentro de nós, não seremos mais judeus?

Judeu não é a palavra certa. A palavra é israelense. Os judeus viveram em todos os lugares e mantiveram sua identidade. O meu problema não é a identidade judaica: é a israelense, a identidade israelense. Se vamos ser uma Estado de Apartheid, com pessoas com plenos direitos vivendo a metros de pessoas sem direitos. Esse Apartheid, o kibush (ocupação), começa a envenenar o próprio Estado de Israel.

A esquerda, na verdade, se ilude. Eu sou um homem de esquerda. Por 50 anos sou a favor de dois Estados para dois povos! Cinquenta anos. Lutei por isso toda a vida. Mas eu não quero mais fechar os olhos e pregar “dois Estados”, assim como dizer que o Messias virá… Não funciona.

PERGUNTA – O que fazer, então?
A.B. YEHOSHUA – Até na direita há pessoas que pensam em dar direitos (aos palestinos). Mas é preciso ser plenos direitos, com todo o significado disso. Também há pessoas na esquerda que têm pensamentos novos. É preciso que venha dos dois lados: soluções novas de como administramos isso. Através de cantões? Através de eleições regionais? Uma federação?

É preciso pensar no que os palestinos realmente querem. Na minha visão, eles querem igualdade, não especificamente um Estado. Digo isso porque já ofereceram a eles mil propostas. Quantos investiram nisso! Eles querem é ter direitos, receber o Bituach Leumi (Serviço de Saúde), poder votar. Assim como os árabes-israelenses. O que eles querem é estar dentro do sistema, na terra deles, não ser oprimidos.

PERGUNTA – O senhor escreveu um artigo para o jornal “Haaretz” afirmando que a solução de dois Estados já não é mais relevante. Mas um Estado binacional levaria à paz?
A.B. YEHOSHUA – Sugeri uma sugestão moderada, não disse “paz” com os palestinos. Disse parceria. Já vivemos juntos com os árabes-israelenses. Com todos os problemas, com todas as guerras, com todas as intifadas, forjamos uma parceria com eles. Há tranquilidade e convivemos. Há juízes, diretores, médicos (árabes) em Israel… Em todo e qualquer hospital, por exemplo, você vê toda essa ligação.

Incluamos esses palestinos em Israel. Eles são da terra, nasceram aqui, não são imigrantes, não são refugiados. O melhor é inseri-los na alta-tecnologia, inseri-los no sistema. Não duvido da forte capacidade do Estado de Israel de absorver gente. Nós absorvemos grupos, nos anos 50, que vieram do Iêmen, do Marrocos, de tantos lugares.

Não sei se isso solucionaria todos os problemas. Esse conflito já existe há 130 anos. E todos os líderes mundiais investiram esforços aqui, mas não solucionaram. Então, vamos fazer uma parceria com eles (os palestinos) e vamos fazer algo mais humilde, sem visão, sem um grande amor mútuo, mas que funcione.

PERGUNTA – O senhor é conhecido por criticar os judeus da Diáspora.
A.B. YEHOSHUA – Eu sei. Mas é porque temos um povo que está na Diáspora e que poderia vir para cá, mas não vem. Em termos demográficos, poderíamos ser uma grande maioria. Eles se entusiasmaram em relação a Israel, mas, em certo momento, se cansaram.

O que eu posso dizer sobre esse povo? Esse povo cometeu tantos erros. E o maior erro é que teve oportunidade de criar um Estado antes do Holocausto e não criou. E isso, nunca poderemos expiar. Perdemos seis milhões, um terço do povo, em cinco anos por nada.

Quantas pessoas tem no Brasil? Imagine que, em cinco anos, 70 milhões (morressem) e não sobrasse nada deles. Nem túmulo. Setenta milhões desaparecem, por nada. É o que aconteceu conosco. A maior derrota de um povo em toda a História. Povos lutaram com razão ou sem razão, foram mortos ou mataram, conquistaram territórios, pregaram ideologia… Mas morrer por nada? Fomos mortos como micróbios. E isso aconteceu porque não queriam que tivéssemos um território. Agora que temos, por que todos os judeus não se mudam para cá?

PERGUNTA – Mas não é importante que haja comunidades judaicas fortes na Diáspora apoiando Israel no exterior?
A.B. YEHOSHUA – O maior apoio é estar aqui. É vir como o seu conhecimento, com a sua mente, com a sua cultura e se estabelecer aqui. E isso vale mais do que ir a um senador no Parlamento e dizer a ele: apoie Israel.

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