Daniela Kresch
TEL AVIV – Pela primeira vez em 21 anos, Israel terá um primeiro-ministro que não é de direita: Yair Lapid, líder do partido progressista de centro “Yesh Atid” (Há Futuro). Lapid assimirá o governo transitório do país nos próximos dias, assim que a coalizão capitaneada há um ano por Naftali Bennett for oficialmente dissolvida – decisão que o próprio Bennett (e Lapid, seu co-capitão) anunciaram no dia 20 de junho.
O último premiê de esquerda foi Ehud Barak, do Partido Trabalhista, entre 1999 e 2001. Após Barak, houve premiês de direita que se aproximaram do centro (Ariel Sharon e Ehud Olmert) ou um premiê de centro-direita que se tornou mais direitista (Benjamin Netanyahu). Mas Lapid não é e nem se aproxima da direita. Ele é um progressista-secularista de centro, mas com viés um pouco mais à esquerda no espectro político.
Há quem ainda não acredita que ele ocupará a cadeira de premiê. Mas Lapíd já não é mais um novato. Seu partido é, atualmente, a segunda força política do país.
Mas como Lapid (ou “tocha”, sobrenome escolhido por seu pai ao imigrar para Israel) chegou a esse ponto. Alguns acham que é causa de seu carisma, de seu charme de sabra típico, de sua boa-pinta e ar de juventude eterna (apesar de já ter 58 anos). Há os que acreditam que Lapid ganhou a confiança dos eleitores israelenses por projetar uma imagem de transparência e de boas intenções, com um discurso progressista que agrada aos israelenses seculares de classe média.
Mas o segredo pode estar no fato de que ele já era uma celebridade, um rosto conhecido, antes de entrar para a política. Ele era o William Bonner israelense, o mais assistido âncora de TV do país. Criado em Tel Aviv e Londres, é casado pela segunda vez com a também jornalista Lihi Lapid e tem três filhos. Foi ator, escritor e lutador de boxe amador. Nunca completou nem o Ensino Básico, mesmo assim foi admitido para um programa de bacharelado (o que causou certo escândalo quando tentou cursar um doutorado).
Apesar da fama, Lapid deixou o jornalismo em 2012 para fundar o Há Futuro. Ele foi influenciado por seu pai, Yossef “Tommy” Lapid, morto em 2008, uma das grandes figuras do secularismo israelense. Tommy Lapid foi vice-premiê, ministro da Justiça e líder da Oposição. Nascido na ex-Iugoslávia, também foi apresentador de rádio e de TV, mas se destacou como político, principalmente como líder do partido “Shinui” (Mudança), cuja principal ptalaforma era representar os israelenses seculares de classe média insatisfeitos com a influência de partidos ultraortodoxos no Knesset, o Parlamento, e no país.
Em 2003, o Shinui conseguiu 15 cadeiras no Knesset, um feito incrível na época, quando a política nacional ainda se dividia entre dois grandes partidos: o Likud e o Partido Trabalhista. Foi, na verdade, o precursor de uma lista interminável de partidos de centro que prometem representar os seculares centristas, entre eles o finado Kadima, o atual Azul e Branco, de Benny Gantz, e o próprio Há Futuro.
Foi depois que sei pai morreu que Yair Lapid começou a considerar entrar na política, o que fez, como dito acima, em 2012. Em 2013, o Há Futuro já tinha se tornado a 2ª maior força política do Knesset, com 19 cadeiras, atrás apenas do Likud de Netanyahu. Aliás, nas mais recentes pesquisas de opinião após o anúncio de dissolução do governo Bennett/Lapid, essa situação se repete: o Likud continua a maior força política, com 35 cadeiras nas intenções de voto, seguido pelo Há Futuro, com 20.
Lapid chegou a colaborar com Netanyahu após as eleições de 2013, atuando como ministro das Finanças. Mas rapidamente percebeu que continuar seria uma espécie de enterro político, já que Netanyahu tem a tendência de “pisotear” quem considera ser opositores (mesmo dentro de sua própria coalizão ou seu próprio partido) O resultado foi que, no pleito seguinte, de 2015, o Há Futuro conseguiu só 11 cadeiras.
Desde então, Lapid faz oposição ferrenha a Netanyahu. Em 2019, se uniu em legenda ao Azul e Branco, de Benny Gantz, que recebeu 35 cadeiras (15 delas do Há Futuro), mas acabou brigando e se separando com Gantz quando ele, em 2020, aceitou entrar em uma coalizão com Netanyahu – o que custou a Gantz grande parte de sua popularidade.
Em 2020, Lapid se uniu a Bennett, numa aliança pouco óbvia. Bennett, líder do partido “Yamina” (À Direita) é mais direitista ainda que o Likud, além de ser religioso. Mas, nos cálculos políticos de Lapid, é preciso se aproximar da direita para ser aceito pela maior parte do eleitorado. Se, há dez anos, Lapid se parecia mais com seu pai – com seu discurso anti-religioso –, hoje é mais moderado neste sentido, deixando sempre claro que não é contra religião per se.
Lapid e Bennett já haviam se unido antes, em 2015, para tentar derrubar Netanyahu. Na época, ficaram conhecidos como “brothers” e foram bem parodiados em programas satíricos. Até hoje, os dois não escondem o “amor fraternal” que sentem um pelo outro.
Essa amizade, aliás, foi um dos motivos pelos quais Lapid, mesmo tendo recebido mais votos do que Bennett, aceitou que seu parceiro se tornasse premiê antes dele em junho de 2021, quando os dois finalmente conseguiram derrubar Netanyahu. Pelo acordo de “rotação” da coalizão, Bennett seria premiê nos dois primeiros anos e Lapid, nos dois últimos anos de mandato do governo.
Mas a coalizão só durou um ano. Pelas leis eleitorais israelenses, quando um governo cai, o primeiro-ministro não vai para a casa imediatamente. Ele se mantém no cargo transitoriamente até que haja novas eleições e seja formado o próximo governo. Pela lógica, Bennett se manteria no cargo. Mas o acordo entre o Há Futuro e o Yemina (e os outros seis partidos que formam a coalizão) reza que, se o governo cair por “culpa” de um membro da direita, é Lapid que se torna o primeiro-ministro transitório.
E foi isso que aconteceu. A coalizão já estava frágil, mas a gota d’água para sua queda foi um parlamentar de direita, Nir Orbach, do Yemina. Com isso, Lapid ganhou o privilégio de ser o próximo premiê quando o governo for dissolvido oficialmente. Seu mandato será de poucos meses: cerca de quatro até as próximas eleições e mais uns dois meses até a formação de um outro governo depois do pleito. É a primeira vez que alguém se torna premiê especificamente para chefiar um governo transitório.
Mas tudo pode mudar. Ele pode se manter no cargo se conseguir formar o próximo governo depois do pleito ou se forem convocadas novas eleições caso ninguém consiga 61 cadeiras (o que tem acontecido bastante, nos últimos anos). Ele pode, aliás, ficar menos tempo no poder: Benjamin Netanyahu pode tirar mais um coelho da cartola e consiguir formar uma coalizão antes da convocação de novas eleições (ele está tentando adiar a dissolução do governo justamente para ousar essa manobra política).
Seja como for, Yair Lapid é um nome que deve marcar a política israelense pelas próximas décadas. Não é mais uma novidade. É uma força impossível de ser ignorada.