Por que a Turquia está implorando para reatar relações com Israel?

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TEL AVIV – A viagem do presidente de Israel, Isaac Herzog, a Ancara em março deste ano foi a primeira de um líder israelense desde 2008 e a primeira de um presidente israelense à Turquia em 20 anos. O acontecimento selou uma nova tentativa de reaproximação entre Israel e Turquia após quase duas décadas de hostilidade. Semana passada, outro precedente aconteceu: uma visita de dois dias do ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlüt Çavuşoğlu, a Jerusalém. 

O principal diplomata da Turquia se reuniu com funcionários do governo de Israel e da Autoridade Palestina. Ele visitou a Cidade Velha de Jerusalém sem acompanhamento dos israelenses – numa clara mensagem aos palestinos de que não considera que Israel exerce soberania sobre o local -, o que causou um certo desconforto. Mas, apesar disso, fez de tudo para mostrar que os turcos querem fazer as pazes com Israel.

Segundo o Dr. Hay Eytan Cohen Yanarocak, especialista em política e sociedade turca contemporânea e pesquisador do Centro Moshe Dayan de Estudos do Oriente Médio e África da Universidade de Tel Aviv, para entender os fundamentos das relações entre Israel e Turquia, é preciso observar que, no passado, o ritmo dessas relações sempre foi ditado pela Turquia. Quando Ancara decidia melhorar o relacionamento, Israel se animava e fazia de tudo para não perder a chance. Mas, quando os turcos decidiam rebaixar os contatos, era isso que acontecia, independentemente da vontade de Israel.

Essa dinâmica ficou ainda mais clara com a chegada ao poder de Recep Tayyip Erdogan, primeiro como premiê da Turquia (2003 a 2014) e depois como presidente (2014 até agora). Erdogan nunca escondeu seu desafeto em relação a Israel, que se tornou cada vez mais visível à medida que seu poder crescia. Em 2008 e 2016, houve tentativas de normalização. Mas elas não deram certo. Em 2016, por exemplo, um ensaio entrou em colapso por causa da decisão turca de protestar contra o reconhecimento de Jerusalém pelo ex-presidente americano Donald Trump. Desde então, não há embaixador turco em Tel Aviv e nem israelense em Ancara.

Agora, no entanto, a tentativa em curso parece estar indo adiante. Mas com uma diferença fundamental: desta vez, Israel chega à mesa de negociações com muito mais força do que antes, ditando até as condições. É a Turquia que está isolada e busca cair nas graças de Israel. Sobre isso, conversei com o Dr. Yanarocak.

PERGUNTA – Como essa mudança diplomática turca em relação a Israel está se manifestando?

YANAROCAK – Durante o último Ramadã, quando houve tumultos no Monte do Templo, vimos que o presidente Erdogan não ficou criticando Israel na mídia, como fazia antes. Desta vez, vimos um Erdogan mais calmo, optando por ligar para seu colega israelense, o presidente Herzog, para receber explicações. Graças a esse diálogo saudável, não vimos outra queda nas relações. Acho que esse deve ser o modus operandi entre os dois países e é por isso que estou otimista em relação aos projetos futuros conjuntos em áreas como comércio, turismo e, claro, energia. 

PERGUNTA – Por que essa mudança de postura da Turquia, agora?

YANAROCAK – O motivo é a mudança de status de Israel com os Acordos de Abraão (2020), uma revolução tectônica no Oriente Médio. Um pouco antes, Israel já havia começado a estabelecer relações muito estreitas com a Grécia e Chipre porque a situação com a Turquia piorou. Quer dizer: de um Estado solitário no Oriente Médio, hoje Israel está cercado de aliados e amigos, o que levou a uma importante reviravolta na política externa turca. 

Mas, na minha perspectiva, o catalisador mais importante para a reviravolta foi a visita a Ancara de Mohammed Bin Zayed Al Nahyan, o líder dos Emirados Árabes Unidos. Ele declarou sua intenção de investir US$ 10 bilhões na economia turca, mas pediu à Turquia que fizesse os ajustes necessários na política externa para torná-la compatível com as necessidades dos países do eixo dos Acordos de Abraão. E é por isso que hoje estamos vendo um processo de reconciliação, não só com Israel, mas também com os Emirados Árabes, a Arábia Saudita e o Egito. Então, o que estamos vendo hoje é uma peça de um quebra-cabeça maior. 

PERGUNTA – Como a visita do ministro das Relações Exteriores da Turquia a Israel, a primeira em 15 anos, foi percebida na mídia turca?

YANAROCAK – Logo após desembarcar no aeroporto Ben Gurion, antes mesmo de se encontrar com alguma autoridade israelense, o primeiro passo do ministro foi visitar Ramallah e se encontrar com os funcionários da Autoridade Palestina, tirar muitas fotos com sorrisos e apertos de mão. A mensagem para o público e a imprensa turca foi muito clara: “Sim, estamos indo a Israel para uma visita bilateral, mas nossa ênfase é na Autoridade Palestina”. Basicamente, o chanceler turco passou uma mensagem de que a visita a Israel não era uma traição aos palestinos. Quer dizer, para os turcos, o prato principal da visita era a Palestina. Israel seria apenas uma sobremesa. 

PERGUNTA – Quão importante é essa reconciliação para Israel?

YANAROCAK – Israel está vendo essa nova tentativa de reconciliação da Turquia como um passo muito positivo. A Turquia é um ativo estratégico para a Segurança Nacional do Estado de Israel. Mas, pela primeira vez, Israel entra nessa relação mais forte. Antes, os turcos sempre ditavam o ritmo das relações. Agora, graças aos Acordos de Abraão e graças à aliança trilateral israelense, grega e cipriota, a Turquia se vê isolada no Mediterrâneo Oriental. As relações da Turquia com o Egito e com a Síria não existem. Com a Grécia e com Chipre, são tensas. Com a Arábia Saudita, há um começo de reconciliação depois do caso Khashoggi, aquele jornalista saudita que foi morto na Turquia. 

Quer dizer, a Turquia estava muito isolada. A reaproximação é bem-vinda e não temos intenção de transformar este poderoso país em um inimigo ou oponente, mas pela primeira vez, os tomadores de decisão israelenses estão indo para a mesa de negociação com mais força e com uma condição clara: o fim do apoio turco ao Hamas e das atividades operacionais do Hamas na Turquia.

E por que Israel é capaz de exigir tal coisa? Porque os egípcios têm quase as mesmas exigências em relação aos elementos da Irmandade Muçulmana dentro da Turquia. Assim, Israel está multiplicando seu impacto diplomático graças a países envolvidos no Acordos de Abraão: Emirados Árabes, Arábia Saudita e Egito. 

 Aqui em Israel, o chanceler Çavuşoğlu tentou convencer o lado israelense de que estão minimizando suas relações com o Hamas. Se conseguir, presumo que a liderança israelense decidirá elevar suas relações bilaterais ao nível de embaixador. E, só depois disso, poderemos falar dos projetos mais ambiciosos que os turcos realmente querem.

PERGUNTA – O que os turcos realmente querem?

YANAROCAK – Eles querem dar ênfase ao gás natural no Mediterrâneo Oriental. E querem rebaixar as relações de Israel com Chipre e Grécia, seus desafetos. Mas, acho que Israel deve dizer à Turquia que os quatro países precisam cooperar. Eu sei que pareço muito idealista. Alguns de vocês podem pensar que é ficção científica, mas esses quatro Estados devem se unir e encontrar o meio-termo necessário para extrair o gás natural que há no Mediterrâneo e vendê-lo para a Europa. 

Por causa da guerra ucraniana, a Europa precisa de gás natural de outros fornecedores para diminuir sua dependência da Rússia. E, na minha opinião, essa não é uma missão impossível. Se esses quatro países emitirem licenças conjuntas para empresas multinacionais, o obstáculo da questão da soberania nacional sobre o gás pode ser superado e poderemos falar de cooperação regional. Pode parecer impossível, mas muitas pessoas também pensavam que os Acordos de Abraão eram impossíveis há apenas alguns anos.  

Fora isso, Turquia e Israel podem melhorar suas relações comerciais, principalmente no que tange o turismo. A chegada de turistas israelenses às praias turcas no verão é ótimo para a Turquia. Israel também pode pensar em receber turistas turcos aqui. O importante é que tenhamos interesses mútuos.

PERGUNTA – Quão frágil é essa normalização do relacionamento com a Turquia?

YANAROCAK – É muito frágil. Se o Hamas escalar a situação na Faixa de Gaza e lançar ataques de mísseis contra civis israelenses, os israelenses terão que retaliar como um Estado soberano. Isso pode rebaixar dramaticamente as relações mais uma vez. Outro cenário: se Benjamin Netanyahu voltar ao poder em vez da atual liderança, Naftali Bennett e Yair Lapid, isso também pode acontecer. Já testemunhamos que a relação pessoal entre Erdogan e Netanyahu é péssima. É por isso que Erdogan está se empenhando em ter como interlocutor em Israel o presidente Herzog, não o premiê. 

 A ideia é a de que, caso haja uma escalada com o Hamas, ele possa culpar o primeiro-ministro israelense pela retaliação militar israelense, não o presidente, que não tem o poder de lançar retaliações militares. Erdogan dirá que seu parceiro era Herzog e não Bennett, que acusará de estar “sabotando” as relações. Quer dizer: Herzog seria o “bom policial” e Bennett, o “mau policial”. Esta é a apólice de seguro de Erdogan. 

 Tudo isso mostra que essa reaproximação é muito frágil. O sinal de uma normalização genuína seria a volta dos embaixadores de ambos os países a Ancara e Tel Aviv. E mais ainda: uma visita oficial de Erdogan a Jerusalém, mas não para se encontrar com o presidente Herzog e sim para um encontro com o escalão mais alto do país: o primeiro-ministro. Quando isso acontecer, será um processo genuíno de normalização.

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