O noticiário da semana foi dominado pelas declarações do chanceler russo Serguei Lavrov, que disse acreditar que Hitler tinha sangue judaico. O chanceler disse ainda, que os “piores antissemitas são os próprios judeus”.
Lavrov é um experiente diplomata, conhecido por sua erudição. Ocupa o cargo de chanceler da Rússia desde 2004, depois de ter sido embaixador junto à ONU por uma década.
Sua declaração foi uma resposta a um jornalista italiano que, fazendo referência ao pretexto de “desnazificar” a Ucrânia, utilizado por Putin para iniciar a guerra, questionava como o país poderia ser nazista sendo o seu presidente, eleito com 70% dos votos, judeu — inclusive, com parentes assassinados no Holocausto.
O IBI mobilizou seus porta-vozes para tratar do assunto junto à imprensa.
Na Folha de S. Paulo, em texto intitulado “Holocausto se torna ingrediente para novas alianças geopolíticas em meio à Guerra da Ucrânia”, o cientista social e diretor do IBI Daniel Douek escreveu: “É claro que a diplomacia russa não desconhece a filiação étnico-religiosa de Zelenski e sabia que ela seria acionada na construção de uma contranarrativa ucraniana”.
Como explicar, então, a insistência nesse argumento?
“A decisão foi baseada na consciência de que, para determinados ouvidos — e para os ouvidos que realmente importavam —, a judeidade de Zelensky não serviria de contraponto ao ideário nazista. Ao contrário, talvez até o reforçasse. Isso porque, a depender do contexto local, variam as simbologias e as memórias em relação ao nazismo e ao Holocausto. Assim, ao fazer referência à ‘desnazificação’, no caso de Putin, e ao “sangue judeu” de Hitler, no caso de Lavrov, o Kremlin evocou um mito de ampla circulação na sociedade russa e em países da Europa do leste, segundo o qual as verdadeiras vítimas do nazismo foram os russos cristãos, não os judeus”, prossegue.
“Se, em linhas gerais, o consenso em relação ao legado do Holocausto unifica as democracias liberais no período pós-Segunda Guerra, em especial União Europeia e Estados Unidos, o posicionamento russo tem em vista amalgamar uma nova frente geopolítica tradicionalista formada por Rússia, China e Irã”, concluiu.
Douek também concedeu uma entrevista a respeito ao canal My News.
Já o historiador Michel Gherman, assessor acadêmico do IBI, foi taxativo na revista Crusoé: “é um caso de antissemitismo clássico”.
“Quando Putin ou Lavrov chamam Zelensky de nazista e dizem que Hitler era judeu, eles tentam juntar dois inimigos fundamentais em um só. Na perspectiva dos russos, nazistas e judeus querem destruir a Rússia”, diz Gherman. “É uma questão sem qualquer base, mas parece que, quanto mais essa guerra dá errado, mais entra em uma fase ideológica”.
Gherman participará ainda de um debate sobre o tema com os jornalistas Guga Chacra e Marcelo Lins, no programa GloboNews Internacional, neste domingo, 08/05, às 20h.
E Israel?
Não foi apenas a Rússia que evocou o nazismo para falar do presente. Em discurso ao Parlamento israelense no mês passado, o presidente ucraniano Volodimir Zelensky também o fez, comparando os russos à Alemanha do Terceiro Reich.
Neste intrincado cenário geopolítico, com diversos interesses em jogo, Israel vinha tentando se equilibrar entre os dois países, tendo inclusive se apresentado como mediador.
Sabe-se bem o tamanho do capital simbólico do Estado judeu num conflito no qual ambos os lados dizem estar lutando contra os nazistas.
Nas últimas semanas, porém, esse papel parece ter esfriado. Aos poucos Israel vai se alinhando mais à Ucrânia, o que pode se consolidar definitivamente nas próximas semanas, com a previsão de uma visita do presidente americano Joe Biden ao país.
Em paralelo, Israel está tendo que lidar com os seus próprios problemas internos. Em meio à continuidade da violência no país, um ataque terrorista em Elad matou três pessoas, que deixaram um total de 16 crianças órfãs. O assunto foi tema da última edição do Expresso Israel, com as jornalistas Daniela Kresch e Isabella Marzolla. O programa mostra como a narrativa do Hamas, grupo terrorista responsável por muitos dos ataques recentes, tem incitado a violência contra judeus israelenses.
CONFIRA OS DESTAQUES DA SEMANA PASSADA!
Aborto em Israel, uma realidade: À luz do vazamento de uma possível decisão da Suprema Corte americana revertendo uma decisão histórica de 1973 que deu liberdade a mulheres grávidas de fazer aborto sem restrições excessivas do governo, nossa correspondente em Israel, Daniela Kresch, escreveu um texto a respeito desta questão no contexto de Israel: “O aborto, aqui, é uma realidade. O assunto nunca foi muito polêmico, na verdade. Israel é uma democracia liberal muito complexa e, acima de tudo, diversa”. Leia.
Imperativo político: Um escritor de Israel precisa escrever sobre conflitos específicos? Na edição de maio da revista Quatro cinco um, três dos mais renomados autores do país responderam essa questão: Ayelet Gundar-Goshen, Etgar Keret e Rutu Modan. A reportagem conversou, também, com Shir Alon, que pesquisa a ficção produzida em Israel, em hebraico. Já nas bancas! Leia.
Quantas datas formam uma nação? No período de um mês, Israel celebra quatro datas importantes: Iom Hashoá, Iom Hazikaron, Iom Haatzmaut e Iom Ierushalaim. Respectivamente, o Dia do Holocausto, o Dia da Lembrança dos Soldados Mortos de Israel e das Vítimas do Terrorismo, o Dia da Independência e o Dia de Jerusalém. Como essas datas se relacionam entre si? E como todas elas influenciam na formação de uma identidade nacional israelense? No “E eu com isso?”, Anita Efraim e Amanda Hatzyrah conversaram sobre o assunto com Yoel Schvartz, sociólogo e historiador, professor de história judaica e palestrante no Yad Vashem, o museu do Holocausto em Jerusalém. Ouça.
Um futuro de paz: Ainda sobre o Iom Hazikaron, celebrado esta semana, Jonathan Grossman, professor da Universidade Hebraica de Jerusalém e filho do escritor David Grossman, que perdeu seu irmão mais novo na segunda guerra do Líbano, em 2006, concedeu uma entrevista exclusiva a Isabella Marzolla, do IBI, na qual falou sobre como transformar o luto num futuro de paz. Assista.
Negros e judeus: Em evento realizado na segunda-feira, a cantora e compositora Assucena Assucena conversou com a filósofa e ativista Djamila Ribeiro sobre o tema “Um mundo em transformação: desafios e possibilidades para negros e judeus”. Para Djamila, é preciso “pensar em ações juntos e juntas para somar forças contra um sistema que oprime a todos. De maneira diferente, mas que oprime a todos”. Veja trechos.