Tensão em Jerusalém: a contagem regressiva pelo fim do Ramadã

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IBINews 228

TEL AVIV – A tensão está em alta em Israel, principalmente em Jerusalém, com tumultos e confrontos entre a polícia e manifestantes palestinos no Monte do Tempo. Enquanto escrevo estas linhas, no sábado, dia 23, a situação continuava instável. A qualquer momento, uma faísca pode levar toda a região de volta à guerra de maio de 2021 entre Israel e o grupo terrorista palestino Hamas, da Faixa de Gaza. Nos últimos dias, manifestantes palestinos têm atacado policiais e civis israelenses com pedras, coquetéis Molotov e tudo o que podem jogar. E os policiais têm usado seu arsenal para tentar conter a turba, o que inclui gás lacrimogêneo (lançado até por drones) e balas de borracha.
Centenas de palestinos foram detidos e feridos. Entre os judeus, dezenas de policiais ficaram feridos e também alguns civis quando vários ônibus com fiéis que iam em direção ao Muro das Lamentações foram apedrejados. Fora isso, grupos terroristas da Faixa de Gaza decidiram lançar alguns foguetes contra o Sul de Israel e o exército teve que acionar o sistema antiaéreo Domo de Ferro. Pelo menos ninguém morreu, até agora. Mas isso pode mudar a qualquer momento.
Tem muita gente contando os dias para que o mês de abril termine logo, na esperança que a tensão esfrie. Mas por que essa contagem regressiva? Porque as hostilidades estão gradativamente aumentando desde março e um dos principais motivos, na minha análise, é o Ramadã, o mês sagrado muçulmano, que, este ano, termina com o Eid al-Fitr (a “Festa da quebra do jejum”), em 1° de maio.
Para piorar, este ano o Ramadã coincidiu – pela primeira vez desde 1991 – também com duas festas importantes para judeus e cristãos: o Pessach (de 15 a 22 de abril), e a Páscoa (17 de abril, com a cerimônia do Fogo Sagrado, dos cristãos ortodoxos, em 23 de abril). A convergência religiosa só aumentou ainda mais a inquietação.
Todos os anos, o Ramadã – que ocorre a cada 11 meses, mais ou menos – faz a situação borbulhar. Não por ser um mês inerentemente violento. Pelo contrário. O Ramadã é um mês de introspecção, alegria e celebrações com famílias e amigos. Os muçulmanos jejuam durante o dia, mas festejam às noites com muita comida e júbilo.
O problema é que um grupo minoritário de muçulmanos interpreta suas obrigações de Ramadã de forma diferente. Para esse grupo, Alá exige que, como atos de lealdade religiosa, “true believers” realizem ações contra “infiéis” (toda e qualquer pessoa que não siga a fé islâmica). Aqui em Israel, isso se traduz em ações violentas contra israelenses.
Este ano, desde o começo de março – um mês antes do início do Ramadã – o número de ataques ou tentativas de ataques terroristas aumentou enormemente. Em quatro desses atentados, 14 pessoas foram assassinadas. A cada novo ataque, as forças de segurança israelenses responderam com agressividade, principalmente na Cisjordânia, que resultou em 15 palestinos mortos.
Mas as hostilidades chegaram a um nível explosivo quando atingiram Jerusalém, a cidade sagrada para tanta gente a qual muitos não conseguem cogitar dividi-la. E aí o Ramadã tem um papel crucial. Durante todo o mês, muita gente – principalmente palestinos moradores de Jerusalém Oriental – vai à Esplanada das Mesquitas (local chamado pelos judeus de Monte do Templo) para rezar e ouvir sermões de clérigos na mesquita de Al-Aqsa. Esses sermões, muitas vezes, incitam os fiéis muçulmanos contra Israel. Ao final das rezas, jovens saem da mesquita incitados e impelidos a atacar os “infiéis judeus”.
Este ano – assim como no ano passado –, os manifestantes acumulam pedras, paus e outros objetos dentro da Mesquita de Al-Aqsa ou do Domo da Rocha (o da famosa cúpula dourada). Eles produzem lá mesmo coquetéis Molotov, o que muitas vezes suja os tapetes ou até mesmo incendeia as mesquitas por dentro, profanando esses locais. Quando a polícia entra para deter manifestantes, a profanação é ainda maior e a culpa recai sempre sobre os policiais.
Os ânimos ficam ainda mais acirrados por causa de uma fake news que há anos circula entre os palestinos e o mundo árabe-muçulmano. Essa fake news alega que Israel planeja a qualquer momento destruir o Domo da Rocha para construir o terceiro templo judaico. Como se sabe, é exatamente nesse local que ficava o Templo de Salomão e o Tempo de Herodes, esse último destruído pelos romanos no ano 70 da Era Cristã. Após a destruição, os romanos construíram igrejas lá e, depois da conquista islâmica da região, no final do século XII, foi erguido lá o Domo da Rocha.
Para quem acredita nessa fake news, essa reconstrução do templo é iminente – mesmo que a notícia falsa seja espalhada por quem nem acredita que templos judaicos existiram, no passado. A maioria dos palestinos não acredita (por ignorância ou por ensinamento) que os judeus têm alguma ligação histórica com Jerusalém. Para eles, não houve templo algum, mas Israel quer, assim mesmo, construir um terceiro lá.
É certamente balela que o moderno Estado de Israel tenha alguma intenção de destruir o Domo da Rocha ou a Mesquita de Al-Aqsa (o terceiro local mais sagrado para o Islã, atrás só de Meca e Medina). Quem mora aqui sabe que não há nenhuma discussão pública sobre uma coisa dessas e nada está mais distante do dia a dia da maioria dos judeus israelenses – a maioria seculares ou religiosos light. Mas um punhado de judeus ultranacionalistas sim fala disso abertamente, como se fosse uma realidade. E a voz deles é amplificada como se fosse uma verdade iminente.
Justamente por isso é que o Pessach foi um complicador para as tensões deste ano. Se, no passado, poucos judeus se interessavam em subir no Monte do Templo para orar – reverenciando o Muro das Lamentações, o último resquício do Templo de Herodes, como local mais sagrado para rezar –, recentemente muitos judeus ultranacionalistas e religiosos (os chamados Hardalim) têm pregado a “volta” dos judeus ao Monte do Templo. Não só porque querem rezar lá, mas porque querem demonstrar a soberania israelense no local.
Para eles, o Muro das Lamentações não é sagrado o suficiente. O local realmente sagrado é onde ficava mesmo o Templo de Salomão e de Herodes e esse local pertenceria aos judeus por promessa divina. Mesmo que a maioria dos rabinos diga que é proibido a judeus subir no Monte do Templo sob o perigo de se pisar no local onde ficava o “Santo dos Santos”, um quarto específico do templo onde ficava a Arca da Aliança e onde só o Sumo Sacerdote podia entrar uma vez apenas por ano, no Yom Kippur.
Esses ultranacionalistas, no entanto, têm visitado cada vez mais o Monte do Templo para rezar lá. E isso é potencialmente explosivo. Segundo um “status quo” firmado por Israel e os jordanianos em 1967, no fim da Guerra dos Seis Dias, só muçulmanos poderiam rezar no Monte do Templo (ou Esplanada das Mesquitas). Infiéis só poderiam visitar, mas sem preferir reza alguma. Fora isso, o “status quo” também deu à Waqf, uma entidade jordaniana, o poder de administração em toda a Esplanada das Mesquitas, como se fosse uma embaixada da Jordânia no meio de Jerusalém.
Se, em 1967, isso fazia sentido porque Israel não queria melindrar demais o mundo árabe-muçulmanos após conquistas Jerusalém Oriental e a maioria dos rabinos dizia mesmo que era proibido para judeus subir no Monte do Templo, em 2022 tem judeus que não aceitam mais isso. Querem “liberdade de culto” no Monte do Templo. Só que isso, como eu disse, é explosivo não só religiosamente como politicamente.
A fake news que circula entre os árabes é a de que Israel está ignorando esse famoso “status quo”, o que não é verdade. Até mesmo o governo da Jordânia acreditou na mentira, este ano, e enviou carta à ONU reclamando de Israel. A chancelaria israelense respondeu duramente, dizendo que Israel mantém o “status quo” e se esforça para isso.
O governo israelense deixa judeus e cristãos (e outros) subirem no Monte do Templo, como sempre aconteceu. Mas proíbe que rezem lá, sempre em colaboração com a Waqf jordaniana. Turistas só podem subir no Monte em algumas horas definidas. E, no caso desses ultranacionalistas, sempre com escolta policial. Alguns, no entanto, burlam as regras para rezar. Alguns, por exemplo, fingem falar ao telefone e oram.
Lideranças ultranacionalistas, este ano, tentaram até mesmo fazer uma passeata com bandeiras de Israel pelo bairro muçulmano da Cidade Velha de Jerusalém. Mas o próprio primeiro-ministro, Naftali Bennett, proibiu o ato. Mesmo que, no passado, tenha se mostrado bastante ultranacionalista, agora que é o premiê, Bennett decidiu agir com responsabilidade.
Enfim, a situação é complexa e instável. Quem acha que compreende o que está acontecendo sem entender a História – milenar e moderna – de Israel, está completamente enganado. Em meio a tudo isso, dá para entender por que tem gente aqui que está contando os segundos para o fim do Ramadã (Pessach e a Páscoa cristã já terminaram). Isso tudo já de olho no Ramadã de 2023.

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