TEL AVIV – Em março, uma onda de ataques terroristas em Israel deixou 11 pessoas mortas: nove israelenses e dois ucranianos. Dos israelenses mortos, sete eram judeus, um era druso e um, cristão. Em comum, os terroristas tinham a ânsia de matar infiéis, independentemente de religião ou nacionalidade. Mas, no caso de dois atentados com vítimas fatais, havia outra coisa em comum: a lealdade ao Estado Islâmico (EI).
O primeiro ataque sob inspiração do EI foi em Beer Sheva, no Sul de Israel, no dia 22 de março. Um árabe-israelense, moradores de Hura, uma cidade beduína próxima, matou quatro pessoas com facadas e atropelamentos perto de um centro comercial. Muhammad Abu Alqian, 34 anos, já tinha passado quatro anos na prisão por acusações ligadas a seu ativismo pró-EI. Foi libertado em 2019 e, desde então, não dava sinais de radicalização.
O segundo ataque ocorreu em Hadera, no Norte de Israel, quando dois árabes-israelenses moradores da cidade próxima de Umm el-Fahm mataram dois policiais e feriram mais de uma dezena de civis com tiros de metralhadora. Pouco tempo antes, eles haviam divulgado um vídeo na internet jurando fidelidade ao Estado Islâmico.
A agência de notícias do movimento terrorista publicou um comunicado assumindo a responsabilidade pelos dois ataques.
Até o dia 30 de março, só se falava desses ataques, que trouxeram o Estado islâmico de volta ao imaginário israelense. Mas, nesse dia, mais um atentado, desta vez em Bnei Brak, no Centro do país, abalou Israel. Foram cinco mortos, quatro deles civis e um policial. Desta vez, no entanto, o criminoso era um palestino (não um árabe de Israel), que não parece ter ligação explícita com o EI.
Os especialistas acreditam, no entanto, que ele se animou com os ataques de Hadera e Beer Sheva e decidiu agir. Sempre que um atentado “dá certo”, há uma onda de “imitações” logo após, em geral com ideologias próximas.
Mas o que levou os atacantes de Hadera e Beer Sheva a agir, agora? O Estado Islâmico parecia ter desaparecido do mundo, derrotado. Em seu apogeu, o grupo se denominou “Estado Islâmico do Iraque e do Levante” e ocupou vastas áreas do Iraque e da Síria. Ele aterrorizou as cidades por onde passou e recebeu imensa cobertura da mídia, o que levou a uma enxurrada de apoiadores de diversos lugares do mundo – principalmente da Europa e do Oriente Médio – a se alistar em suas fileiras.
Em Israel não foi diferente. Também aqui, a organização ganhou apoiadores, alguns dos quais tentaram e até conseguiram cruzar a fronteira com a Síria e se unir ao EI. Muitos deles voltaram a Israel após o declínio do grupo, por vontade própria ou porque foram deportados, trazendo de volta a ideologia radical do EI – que nunca morreu em suas mentes.
Estima-se que esses ativistas sejam algumas dezenas. Ninguém sabe o número certo. Muitos deles foram presos quando voltaram e passaram alguns anos na prisão. Mas a maioria já foi liberada e os serviços de segurança de Israel acreditavam que eles haviam voltado à comunidade e deixado para trás os anseios jihadistas.
Então, o que aconteceu agora? Por que Israel foi palco de dois ataques terroristas sob inspiração do EI? Imagina-se que um dos motivos é a volta do Estado Islâmico à mídia mundial há cerca de dois meses em dois incidentes.
O primeiro foi a operação na prisão de Hasaka, na Síria, considerada um dos ataques mais significativos do EI nos últimos tempos. As forças da organização arrombaram os portões da prisão de al-Sinai, onde milhares de ex-prisioneiros do EI estão detidos. Mais de 800 prisioneiros conseguiram escapar. Este evento lembrou ao mundo que, mesmo enfraquecido, o Estado Islâmico ainda existe.
O segundo foi a morte de Abu Ibrahim Al-hashemi Al-Quraishi, um dos principais líderes atuais do EI, em um ataque das forças especiais dos EUA no Norte da Síria em fevereiro. Acuado, Al-Quraishi detonou uma bomba e se suicidou, matando também suas esposas e filhos (quatro mulheres e seis crianças).
Esses dois eventos podem ter acordado “células dormentes” do EI em Israel, mesmo que não haja um comando central. Muitos militantes radicais podem ter voltado à sociedade, mas continuam radicalizados. Os terroristas de Hadera e Beer Sheva não receberam ordens para fazer o que fizeram. Mas foram influenciados por mensagens nas redes sociais e pelas lembranças da luta no auge do poder do grupo. Eles ainda se identificam com sua ideologia extremista e lutam em seu nome.
O terrorista do ataque em Beer Sheva, Abu Alqian, foi preso há cerca de seis anos por ter tentado chegar à Síria e se juntar aos combates nas fileiras do EI. No caso do ataque em Hadera, a inspiração da organização terrorista assassina pode ser sentida ainda mais. Desde a vestimenta específica e os símbolos religiosos dos terroristas, até a compostura com que realizaram o ataque a tiros, enquanto incutiam medo e terror.
Isso tudo mostra que o Estado Islâmico continua vivo como ideia, como fenômeno. E é difícil apagar ou eliminar uma ideia, mesmo colocando seus apoiadores na prisão.
Para Kobi Michael, pesquisador sênior do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS), os amantes do Estado Islâmico em Israel são pouco, mas são perigosos por sua capacidade de provocar o caos:
“É uma minoria muito significativa e perigosa entre os cidadãos árabes de Israel que é muito inspirada e doutrinada por líderes religiosos e, e em algumas ocasiões, por líderes políticos entre os cidadãos árabes do Estado de Israel. Eles são inspirados não só pelo Estado Islâmico, mas também pelo Hamas e outras ideologias radicais. Não precisam de nenhuma desculpa especial para realizar um ataque terrorista”.