Movimentos recentes de cancelamento e boicote contra assediadores, tais como a campanha #MeToo, têm atingido vários artistas, muitos deles judeus, como Woody Allen, Roman Polanski e Harvey Weinstein. Então o que fazer quando repudiamos as condutas de um artista, mas apreciamos o seu trabalho? É possível separar a obra de seu autor?
No episódio desta semana do podcast “E eu com isso?”, do Instituto Brasil-Israel, as apresentadoras Amanda Hatzyrah e Ana Clara Buchmann conversaram sobre o tema com o psicanalista Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, na tentativa de tecer uma análise sobre esse fenômeno especialmente comum na era digital, e principalmente popular entre os millennials e a geração Z.
Dunker trouxe na conversa referências históricas que ajudam a buscar uma contextualização do “cancelamento” nos dias de hoje: “A gente tinha uma posição clássica que dizia assim: ‘olha, a arte é uma linguagem autônoma, ela tem que ser observada, fluída e pensada a partir da obra. A obra é que vale, então é a linguagem que a obra cria, o avanço e a transformação que ela coloca enquanto acréscimo nessa conversa infinita, que é a arte”.
“É assim que a gente deve apreciar uma produção estética, ou seja, forçando bastante o fato de que ela é uma ficção, uma hipótese, uma versão que pode vir a se realizar no mundo como pode vir a não se realizar, ou pode ser uma versão negativa dos mundos possíveis, uma versão que pode ensinar muito sobre o que nós não queremos”.
O professor e psicanalista também buscou respostas sobre alguns cancelados judeus: “O fato de serem homens, muitos judeus, é um fato ambíguo; vamos dizer que é por que mais judeus estão em posições de poder? É por que mais judeus praticam atos ilícitos? É sempre muito complicado fazer esse tipo de generalização, mas por outro lado, justamente porque essa generalização está latente, é que os cancelamentos já estão impulsionados de modo inconsciente também no mal sentido, no sentido de reforçar preconceitos”.
“É um fenômeno que a gente reputa ser novo, ele é contemporâneo da expansão da linguagem digital e é um pouco diferente da reprovação que alguém sempre pode estar sujeito pela opinião pública. Há certas características no cancelamento que envolvem a sua velocidade, um sentido de retaliação e punição e uma desconsideração pelo tempo das explicações, do debate, da justificativa. De fato, isso não pode ser comparado com outras formas, vamos chamar assim, de punição ou de crítica moral”, conclui Dunker. Escute.
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