Purim é o tempo de se vestir a fantasia. Por isso, de todas as festas judaicas, talvez seja a mais fotogênica. Em Israel, as comemorações costumam render imagens divertidas, com pessoas cheias de adereços, desfiles de bonecos representando personalidades do país e até carros alegóricos.
No IBI, a celebração desta festa, também conhecida como o “carnaval judaico”, deu ensejo a muita reflexão.
A vitória dos judeus sobre a ameaça de extermínio na Pérsia antiga, comemorada na data, foi tema de uma edição do podcast “E eu com isso?”. As apresentadoras Anita Efraim e Amanda Hatzyrah conversaram com Andrea Kulikovsky, estudante de rabinato do Instituto Iberoamericano de Formação Rabínica Reformista, sobre a possibilidade de compreender e celebrar os acontecimentos a partir de uma perspectiva feminista.
“Purim é uma dessas festas em que as mulheres têm um papel absolutamente relevante na História e na mudança do rumo da História”, lembrou Andrea, citando o protagonismo da rainha Vashti.
Na conhecida trama palaciana, o Rei Ahashverosh (Assuero) exigiu a presença da esposa em uma festa que organizou para os homens do reino e dos reinos vizinhos. Mas Vashti se recusa, o que ocasiona o seu desposamento.
“Vashti se torna um ícone feminista, a mulher que é excluída por ter uma opinião”, afirmou Andrea. A entrevistada destacou a importância da história para lidar com o fato de que, ainda hoje, mulheres são excluídas dos costumes tradicionalmente atribuídos aos homens no judaísmo – embora esta realidade esteja em transformação.
Para quem está acostumado a se passar por quem não é, “vestindo uma fantasia” por medo do outro, a data também adquire contornos de resistência.
“Que fingir ser outra pessoa seja sempre divertido, não forçado”, dizia a mensagem do Gaavah, coletivo judaico LGBTQIA+ do IBI.
O grupo debruçou-se sobre textos de Purim em dois grupos de estudo, extraindo vários paralelos entre narrativa e os desafios contemporâneos. Por exemplo, a figura de resistência representada por Ester, que se arrisca e se expõe ao perigo, em nome de uma coletividade.
“É preciso tirar valores que consigam condizer com a realidade atual”, afirma André Liberman, colaborador do IBI e membro do Gaavah.
Outro campo no qual por vezes é preciso escamotear a identidade é o progressista.
Se, para uns, é uma contradição ser judeu e LGBTQIA+, para outros a contradição é ser judeu – e/ou sionista – e ser de esquerda. É a bem conhecida fórmula: judeu demais para ser de esquerda, e de esquerda demais para ser judeu.
Na edição do “E eu com isso?” que acaba de ir ao ar, Gabriel Carvalho, pesquisador de antissemitismo, militante comunista, que sugestivamente atua nas redes com o apelido de “Abba Kovner do Semiárido”, em homenagem ao herói judeu da resistência lituana na Segunda Guerra, apresentou de forma clara e concisa um histórico antissemita de esquerda que remete a autores clássicos como Proudhon, e se estende na linha do tempo até os dias de hoje, na forma do apagamento do sionismo progressista e da reprodução de teorias conspiratórias anti-judaicas.
“A esquerda brasileira está sempre mais disposta a abrir mão de suas pautas progressistas para não melindrar conservadores cristãos do que a abraçar os judeus que são progressistas, mas que acreditam na legitimidade do Estado de Israel, que têm uma identidade judaica bem afirmada”, afirmou. “Às vezes somos cobrados a abrir mão da nossa identidade judaica para sermos aceitos nessa militância. A maioria dos judeus são sionistas, mas a esquerda só quer dialogar com aqueles que são antissionistas, uma minoria dentro da comunidade”.
“As pessoas tendem a dizer: ‘o antissemitismo está nos dois extremos’. Não, não está nos dois extremos, ele está em todo o espectro político. Não está só na esquerda radical e na extrema-direita. Ele também está na esquerda liberal, na direita liberal, no centro. O antissemitismo é estrutural na sociedade modera”, finaliza Gabriel.
E na melhor tradição de Purim, de poder ser quem se é e abraçar o diferente, um chag sameach para todos!
CONFIRA OS DESTAQUES DA SEMANA!
Zelensky na Knesset: Os bastidores e as expectativas em torno do discurso do presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, ao parlamento israelense (Knesset), previsto para acontecer neste domingo, foi o tema principal do Expresso Israel. No programa, as jornalistas Daniela Kresch e Isabella Marzolla também falaram dos problemas na absorção dos imigrantes ucranianos, especialmente a população feminina, que está sofrendo com aliciamentos para a prostituição, a exemplo do que vem ocorrendo em outros países. Assista.
Neonazismo nas ruas do Rio: A Revista Fórum repercutiu a denúncia de Michel Gherman, assessor acadêmico do IBI, da pichação do Sol Negro em um muro na cidade do Rio de Janeiro (RJ). O símbolo está associado ao nazismo e entrou em evidência nos últimos dias ao ser usado por alguns militares ucranianos na guerra contra a Rússia. Leia.
Heróis judeus: Muitos autores consagrados dos quadrinhos são judeus – esse fato já é bem conhecido. Mas você sabia que alguns dos grandes heróis das HQs também são? Preparamos uma seleção deles. Veja.
Memória: Há 30 anos, um atentado terrorista destruiu a Embaixada de Israel em Buenos Aires, matando 29 e ferindo mais de 240 pessoas. No ataque, não apenas a Embaixada, como também uma escola e uma igreja foram destruídas. A grande maioria das vítimas era argentina. Quatro israelenses morreram. O ataque à Embaixada de Israel em Buenos Aires precede um segundo e maior atentado à comunidade judaica argentina, que aconteceu no dia 18 de julho de 1994 na AMIA (Associação Mutual Israelita Argentina) deixando 85 mortos. Até hoje, ambos os atentados permanecem impunes. Não esqueceremos.