Israel e Ucrânia: as críticas e apelos de Zelensky em seu discurso ao Knesset

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No dia 20 de março, último domingo, o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky proferiu um discurso ao parlamento israelense (Knesset). Este foi apenas um discurso de uma série que Zelensky vem realizando. Alguns exemplos foram: Congresso dos Estados Unidos, Casa dos Comuns na Grã-Bretanha, Bundestag alemão e o parlamento europeu

Nos discursos feitos até então, Zelensky tem criticados os países por não providenciarem apoio militar à Ucrânia. Aos estadunidenses e europeus ele abordou a relutância destes países em impor uma zona de exclusão aérea sobre a Ucrânia. Já para os israelenses, ele perguntou por quê Israel não teria ainda fornecido à Ucrânia o sistema de defesa antimísseis, que ele chamou de “melhor do mundo”, cunhado de “Iron Dome” ou Domo de ferro em tradução livre.

Diferentemente dos demais discursos, que continham um elevado tom de crítica, para o parlamento israelense Zelensky deu ênfase à decepção que porventura sentia, como se ele esperasse um pouco mais por conta da história dos dois países. Ele afirmou que ucranianos escolheram salvar judeus durante o Holocausto, exagerando os fatos de forma a utilizar a emoção como o intuito de criar laços entre os dois países, de acordo com a análise de Anshel Pfeffer. 

Ainda de acordo com o mesmo autor, Zelensky proferiu um discurso fortemente sionista, enfatizando que tanto a Ucrânia quanto Israel são nações que buscam a paz para os seus povos e que querem apenas a “permissão para existir”, novamente abusando da carga emocional. Ele citou com admiração uma frase da ex-Primeira-ministra Golda Meir, “nossos inimigos só querem acabar com a nossa existência”, assim como, em sua visão, os russos querem em relação aos ucranianos. 

No dia 5 de março, o Primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, foi até a Rússia se encontrar com Putin com o intuito de mediar os conflito entre Rússia e Ucrânia. De fato, Israel não irá tomar um lado claro no conflito, contra ou a favor dos russos de maneira direta. Isso por conta da relação entre Israel e Rússia no que tange a Síria, que faz fronteira com Israel, o Hezbollah, e o Irã, considerado o maior inimigo de Israel no Sistema Internacional. 

O governo israelense entende que a Rússia é responsável pela contenção do Irã e do Hezbollah na Síria, e por isso seria um parceiro importante e estratégico no que tange os interesse israelenses na região. Aderir a uma posição anti-Rússia, ajudando diretamente a Ucrânia com aparatos militares, não seria interessante para Israel no momento, podendo agravar a situação na região, escalando para uma possível guerra, principalmente contra o Hezbollah. 

Zelensky compreende esta situação, por isso, diferente dos outros discursos que proferiu a diferentes casas legislativas ao redor do mundo, em Israel se utilizou de um discurso com forte carga emocional, visando não os parlamentares, mas sim a opinião pública israelense (a Praça Habima em Tel Aviv estava lotada e bandeiras da Ucrânia eram vistas aos montes). 

A relutância de Israel em se posicionar contra a Rússia decorre de uma série de cálculos que os israelenses consideram vitais para preservar a segurança do país. A Rússia atua como o principal intermediário de Israel na Síria, na qual os israelenses receberam liberdade para perseguir e atacar as milícias xiitas apoiadas pelo Irã, que são vistas como hostis. Esse arranjo único provou ser essencial para a estratégia de Israel em combater o Hezbollah e outros grupos apoiados pelo Irã que vêm se multiplicando na Síria, o que, por sua vez, aumentou as percepções de ameaça dos israelenses.

Israel é capaz de atuar na Síria graças à Rússia, que exerce controle quase total do espaço aéreo do país devastado pela guerra. Israel vê, assim, um grande incentivo em manter seu relacionamento com Moscou, então a resposta silenciosa à situação na Ucrânia. Qualquer contratempo no relacionamento pode resultar no fechamento de Israel das operações na Síria, o que aumentaria a lista de preocupações de segurança do país.

Em segundo lugar, Israel passou a ver a Rússia como um ator importante no Oriente Médio, muito além do escopo da Síria. A Rússia comanda a influência nas negociações nucleares iranianas, elevou seu relacionamento com as monarquias do Golfo e vem se posicionando constantemente na região no lugar da liderança estadunidense. Israel está, portanto, altamente motivado a manter seus laços com Moscou. A Rússia poderia indiretamente fortalecer o Irã, o Hezbollah e outros atores hostis se os israelenses se juntassem ao coro ocidental na condenação da Rússia. Portanto, a decisão de Israel de abster-se da condenação aberta, ao mesmo tempo em que busca o diálogo com ambas as capitais, faz parte de uma estratégia mais ampla que considera a cooperação com a Rússia essencial para a segurança israelense.

O Primeiro-ministro israelense, Bennett, não possui o mesmo prestígio internacional que seu antecessor, Benjamin Netanyahu. Ele ainda é desconhecido para a maioria dos líderes globais, tem pouca experiência em fóruns multilaterais e com política internacional em geral. Afinal, Netanyahu tem uma compreensão completa do sistema político estadunidense, uma vez que foi embaixador de Israel nos Estados Unidos antes de entrar para a política, discursou no Congresso e é um veterano da Assembleia Geral da ONU. Esse forte contraste entre os dois desencadeou um debate em Israel, levando alguns especialistas a afirmar que Netanyahu teria sido um negociador muito mais eficaz ao lidar com Putin.

A crise transformou-se assim em um impasse político de alto risco em Israel. Bennett tem a possibilidade de suplantar Netanyahu, dadas as circuntâncias, se conseguir balancear a crise de maneira positiva para Israel. Embora Israel seja um mediador improvável entre a Rússia e a Ucrânia, e Bennett seja um candidato ainda mais improvável para a negociação, a oportunidade parece ter chegado a ele. O encontro de Bennett com Putin e seus próximos encontros com os europeus poderiam muito bem se transformar em destaque da sua carreira política e levá-lo a um terreno muito mais seguro na política israelense.

A tomada de decisões em Israel é, em última análise, determinada por cálculos de segurança. Com a Rússia tendo se tornado tão central para a segurança de Israel em sua vizinhança imediata, seria irreal esperar que os israelenses se envolvessem em esforços para antagonizar com Moscou. Em vez disso, Israel optou por um curso de engajamento que busca transformar uma situação potencialmente contenciosa com Moscou em uma plataforma para diálogo, mediação e uma abertura para Israel tentar esforços diplomáticos mais elevados.

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