Na medida em que escalam as tensões entre Rússia e Ucrânia, um incômodo exercício de paralelismo com o conflito israelense-palestino tem vindo à tona em alguns fóruns de debate específicos.
É a mesma gramática que ecoa, porém com os sinais invertidos, colocando em xeque todo um repertório político construído historicamente.
A começar pelos adeptos de uma esquerda pró-Rússia, que se por um lado celebram o heroísmo palestino na resistência com pedras contra a ocupação militar israelense, por outro acusam o governo ucrâniano de incentivar o suicídio de sua população, ao estimular o combate à segunda maior potência militar do planeta com coquetéis molotov.
Mas onde este debate tem reverberado com mais intensidade é na campanha de sanções sem precedentes imposta a Moscou pelo Ocidente, como uma bem articulada resposta à invasão da Ucrânia.
Essa retaliação tem ocorrido principalmente contra governo, instituições e indivíduos russos. E não se trata apenas do petróleo. Há também um movimento de boicote de empresas, como McDonald’s, Microsoft ou Zara, que restringiram ou suspenderam voluntariamente suas atividades no país. Até mesmo as novelas da Globo deixaram de ser transmitidas na TV russa. E um badalado restaurante de São Paulo anunciou a retirada do estrogonofe do cardápio, enquanto bares diversos trocaram o nome do drik Moscou Mule por Kiev Mule.
Boicotes, sanções e embargos são um mecanismo de pressão internacional legítimo – e, em última instância, preferível, especialmente quando a outra carta na mesa é a intervenção militar.
O problema é quando toda a população de um país é colocada em um mesmo balaio. Isso provoca o isolamento da resistência interna, vítimas da perseguição de dentro e dos boicotes de fora.
“Como manifestar o nosso repúdio sem confundir governantes e sociedade civil? Pressionando suficientemente um país e minimizando as consequências à sua população?”, questiona o presidente do do Instituto Brasil-Israel, David Diesendruck.
Aqui no IBI, estamos acostumados a lidar com essas questões quando o assunto é Israel. E não deixa de ser curioso como muitos que até bem pouco tempo defendiam boicotes culturais e esportivos a Israel agora criticam esse tipo de sanção à Rússia.
De toda forma, conforme aponta Rafael Kruchin, coordenador de programas e projetos do IBI, “não são todos os civis russos que respondem ao que está sendo feito por Putin nesse momento”.
É preciso ter cuidado, pois é o tipo de confusão que dá origem à russofobia e, no caso de Israel, ao antiisraelismo, ou até ao antissemitismo.
O desafio é saber separar as coisas, de forma a preservar – e fortalecer! – a oposição que existe dentro dos próprios países que são alvo da ação.
Ao fim e ao cabo, num caso como no outro, há que se prestar atenção nos imaginários sobre os países que vão sendo construídos com propósitos ideológicos.
Inclusive no caso da Ucrânia.
No Brasil, há tempos, grupos de extrema direita vem defendendo a ideia de “ucranizar o Brasil”. Assim, produzem a noção de que toda a Ucrânia é de extrema direita, apagando a complexidade de um país inteiro, que tem contradições e camadas diversas. A “Ucrânia imaginária” passa a ser vista dessa forma não apenas por seus apoiadores de extrema direita, mas também por seus opositores, na esquerda.
Tragicamente, essa ideia acaba gerando o apoio, por parte de certa esquerda, à invasão russa: Putin bombardeia a Ucrânia real, mas o que eles veem é a “Ucrânia imaginária” sendo bombardeada.
O problema é que quem é atingido são cidadãos de carne e osso.
Em que pesem as especificidades, nada muito diferente do que acontece no caso de Israel.
CONFIRA OS DESTAQUES DA SEMANA!
IBI na CNN Brasil: O diretor do IBI, Daniel Douek, concedeu entrevista à CNN Brasil sobre o encontro entre o primeiro-ministro Naftali Bennett e o presidente Vladimir Putin, analisando a mediação de Israel entre Rússia e Ucrânia. Assista.
A gramática neonazista na guerra: Renato Levin Borges, o Judz, professor de filosofia e pesquisador da extrema-direita, conversou com o coordenador de comunicação do IBI, Morris Kachani, sobre até que ponto o neonazismo está institucionalizado na Ucrânia e antagoniza com o neonazismo russo, que conta com mais de 40 mil adeptos no país. Assista.
Ucranianos não judeus em Israel: No Expresso Israel desta semana, as jornalistas Isabella Marzolla e Daniela Kresch conversaram sobre as políticas de absorção dos refugiados ucranianos não judeus, motivo de atrito entre ministros israelenses. Assista.
Novo encontro histórico: O presidente de Israel, Isaac Herzog, desembarcou quarta-feira na Turquia, onde foi recebido já no aeroporto pelo presidente Recep Tayyip Erdogan. É o primeiro encontro entre líderes dos dois países desde 2008. Além de condenar o antissemitismo, Erdogan enfatizou sua esperança de que o comércio entre os dois países ultrapasse os dez bilhões de dólares este ano. Ninguém poderia imaginar que Erdogan, que há uma década e meia fazia discursos violentamente anti-Israel, receberia um colega israelense. Este foi o tema de um artigo de nossa correspondente em Tel Aviv, Daniela Kresch. Leia.
Judeidade e negritude: Idealizado pelo IBI com o objetivo de conscientizar e tornar visível a comunidade judaica e negra e colocar em pauta as questões pertinentes a ela, o recém-criado grupo “Judeidade e Negritude” realizou sua primeira live: “Judeus negros: vivências múltiplas”. Com Ariel Strauss e Fercho Márquez-Elul e mediação de Thayane Fernandes. Confira.
Já nas bancas!: Já está nas bancas o novo número da revista Quatro cinco um. A seção de literatura israelense, apoiada pelo IBI, traz um trecho inédito do romance “Outro lugar”, da escritora Ayelet Gundar-Goshen, que será lançado no Brasil este ano pela Todavia. Na obra, a autora tematiza o antissemitismo e o racismo nos Estados Unidos em tempos de Black Lives Matter. Leia.
Purim feminista: É possível compreender e celebrar a festa de Purim, que acontece nos próximos dias 16 e 17, a partir de uma perspectiva feminista? A convidada de nossa podcast “E eu com isso?” desta semana foi Andrea Kulikovsky, assistente de rabinato da Associação Religiosa Israelita do Rio de Janeiro, bacharel em direito e membro do International Youth Comittee da WPJ, que conversou com Anita Efraim e Amanda Hatzyrah. Ouça.
E as apresentadoras do “E eu com isso?” foram as entrevistadas da vez no podcast “Torá com fritas”, onde conversaram com Ângela Goldstein sobre a produção de conteúdo judaico na internet. Ouça.
Entrevista com Nachman Falbel: O assessor acadêmico do IBI, Michel Gherman entrevistou Nachman Falbel, historiador medievalista e professor da USP. Veja.
Financiamento coletivo: Com apoio do IBI, o projeto do filme “Lyb”, que pretende mostrar a ascensão do antissemitismo no Brasil a partir da história de família judia vítima de um ataque neonazista, abriu um canal de financiamento coletivo. Participe.