TEL AVIV – Jerusalém fica a 3 mil quilômetros de Kiev, mas os israelenses se sentem muito próximos ao conflito que assola a Europa. Há muitos motivos para isso, o que torna Israel um ator internacional único que pode até mesmo servir de mediador entre russos e ucranianos.
Explico: a invasão russa da Ucrânia influencia a dinâmica entre Ocidente e os países alinhados à Rússia e coloca Israel em uma péssima posição diplomática, preocupado em não melindrar nenhum dos lados, apesar do sentimento claro de solidariedade com a Ucrânia. Por outro lado, o bom relacionamento entre Israel e os dois lados pode ser positivo e transformar Israel em um agente moderador.
Após dias em cima do muro, a chancelaria israelense passou a deixar claro de que lado está, sendo que o premiê Naftali Bennett conversou nesta sexta-feira, 25 de fevereiro, com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky. O presidente ucraniano pediu ajuda a Bennett para realizar negociações de paz em Jerusalém.
Ao que tudo indica, a proposta de Jerusalém como local das conversas já foi levada aos russos. Pode ser que não seja aceita ou que tenha sido apenas um balão de ensaio. Mas o fato de Zelensky ter sugerido isso sabendo que Jerusalém seria um lugar “neutro” para os dois lados é uma prova de que Israel circula bem tanto junto ao Ocidente quanto junto aos russos.
Israel realmente nutre um bom relacionamento com os dois lados da equação. Precisa dos EUA, seu maior aliado no mundo, tanto financeira quanto politicamente. Mas também necessita da Rússia, que é influente no Oriente Médio e está fortemente presente na Síria. Sem os russos, Israel não teria a liberdade atual de agir contra comboios de armas iranianas que tentam chegar ao Hezbollah, no Líbano, através da Síria. São os russos que acalmam o governo de Bashar Assad sempre e Israel destrói via aérea algum desses comboios em solo sírio.
A Rússia também é importante nas negociações das potências com o Irã. Moscou têm um relacionamento próximo com Teerã e pode ajudar a controlar os iranianos em sua ânsia por armas nucleares.
Israel também está ligado ao conflito por causa da grande quantidade de judeus na Ucrânia. São cerca de 50 mil. Mas pelo menos 200 mil têm, na verdade, direito de fazer aliá por terem algum avô ou avó judeu. Alguns acreditam que esse número pode até chegar a 400 mil.
Os judeus ucranianos novamente se sentem ameaçados depois de anos de perseguições e mortes. A famosa história de “Um violinista no telhado” se passa na fictícia cidade de Anatevka, na Ucrânia, onde os pogroms eram intensos nos séculos 19 e 20. Pelo menos 1 milhão de judeus morreram durante o Holocausto só na Ucrânia.
O próprio presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, é judeu. Embora não seja religioso, Zelensky começou a fazer referência à sua identidade judaica e a declarar publicamente solidariedade a Israel, nos últimos anos. Não escondeu isso em sua campanha para a presidência, em 2019. Foi, obviamente, alvo de antissemitismo – essa doença crônica europeia que é particularmente forte nos países da ex-URSS.
Na Ucrânia, o antissemitismo está em alta à medida em que cresce o ultranacionalismo por lá. Uma guerra contra a Rússia pode levar a mais sentimentos ultranacionalistas e os judeus sempre são apontados como “estrangeiros indesejados” nessas horas. A preocupação é concreta e o medo de que sejam apontados como culpados de algo é palpável.
De modo paradoxal, o antissemitismo virou uma espécie de peça política de propaganda entre russos e ucranianos, com cada um dos lados acusando o outro de ser mais antissemita do que o outro. A palavra “nazista” já foi usada várias vezes por Vladimir Putin para descrever o governo ucraniano de um presidente judeu.
Fora tudo isso, há centenas de milhares de ucranianos e descendentes em Israel, gente que fugiu da ex-URSS (a maioria judeus) logo após a queda do bloco, em 1989. Neste sábado, 26 de fevereiro, vai haver uma passeata em prol da Ucrânia no centro de Tel Aviv. Hoje mesmo, vi um adolescente de uns 15 anos abraçado a uma bandeira ucraniana andando no meio da rua.
Por tudo isso, Israel está no meio do tabuleiro de xadrez dessa nova guerra europeia. Os israelenses se sentem parte dessa confusão geopolítica e acompanham tudo de perto. Pelo menos, ao contrário da Segunda Guerra Mundial, os judeus ucranianos têm para onde ir.