Diante dos últimos episódios de discussões levados a cabo, em especial pela sociedade civil, acerca do que foi dito pelo apresentador conhecido como Monark no podcast “Flow” e considerando que se tem notado atrocidades sendo destiladas na internet, local que muitos ainda julgam como um território sem lei, o que é um equívoco, creio que cabem algumas elucidações.
Algumas pessoas postaram em suas redes sociais ideias no sentido de que só houve mobilização social e atitudes tomadas ao caso, porque o nazismo perseguiu os judeus e que se a atitude tivesse como alvo outras etnias, povos etc., não haveria tido a mesma propagação. De outra banda, outros tem chegado a elucubrar que o nazismo não é uma questão exclusivamente judaica, mas que sionistas querem assim fazer crer.
Caros, cumpre sempre relembrar que o estudo da História, e para debater o tão acalorado tema, a História da Diáspora do povo judeu e também do estudo para pensar o Holocausto, em especial para quem se propõe discutir o tema, sejam eles professores, alunos ou interessados no assunto, é de extrema importância. Não vamos manter o ciclo vicioso de publicarmos textos de ódio, fatos nebulosos, principalmente em tempos de pós-verdade, no qual vivemos.
O Holocausto – palavra que tem uma representação mística e sacrificial, gerando questionamentos sobre sua utilização, inclusive sendo considerada indevida na brilhante obra de Giorgio Agamben – ou como preferem se referir alguns autores, a Shoá, termo em hebraico que significa tragédia –
de fato, não se dedicou a perseguir exclusivamente judeus, como também outros grupos minoritários na Alemanha nazista. Creio que a maioria das pessoas saibam disso, porém em tempos de pós-verdade e fake news, cumpre sempre reforçar até o que é senso comum.
O regime nazista perseguiu e assassinou em massa pessoas negras, população LGBTQIA+, ciganos, pessoas com deficiência física, aqueles cuja ideologia era diversa da imposta, ou seja, tudo o que fugia ao padrão que o regime deles definia, qual seja, a raça ariana, a ideologia nazista, a heteronormatividade e a religião majoritária dominante.
Em relação aos judeus, o nazismo pregava o extermínio deles de toda a face da Terra, não se restringindo ao território alemão ou europeu, o que inclusive diferencia em termos de escala o genocídio judeu perpetrado na Segunda Guerra Mundial, do genocídio praticado contra os Armênios pelos Turcos, que pretendia exterminar essa população exclusivamente no território da Armênia.
Vejamos nesses casos citados referentes a episódios históricos que o sofrimento foi grande para todos, sejam eles negros, judeus ou armênios. E creio que não se deva comparar sofrimento humano. E, portanto, quando houve clamor social e a indignação pelo que foi dito sobre nazismo no podcast “flow”, estava-se, creio que no geral, rejeitando o que o nazismo pregava como um todo, inclusive, por exemplo, racismo contra negros, homofobia e antissemitismo, em níveis muito baixos e cruéis, o que infelizmente ainda se verifica nas sociedades pós-modernas.
O judeu é colocado numa categoria de branquitude, numa tentativa por vezes, mas nem sempre (às vezes por desinformação ou algum outro motivo) de se deslegitimar a luta contra o antissemitismo, não obstante, cumpre ressaltar que os judeus não são uma etnia, e sim um povo heterogêneo, havendo judeus negros, brancos, ocidentais e orientais (ashkenazi, sephardi e mizrahi são as três macro designações), falando inclusive diferentes idiomas (ex: ladino, em especial judeus da diáspora de origem ibérica/espanhola e iídiche, muito presente nas comunidades ultraortodoxas).
Nos últimos dias, o assunto foi se desdobrando e chegando no ponto crucial das discussões acerca do conflito Israel-Palestino e da ligação não só do povo judeu, mas do povo palestino com aquele território, luta que também deve ser igualmente estudada e nunca esquecida.
A discussão é de suma importância, no entanto, quem faz uso do ardiloso argumento de que o nazismo é utilizado para justificar a existência de Israel, está salvo melhor juízo, negando a milenar História do povo judeu e os demais episódios de perseguição durante a Diáspora, tanto é assim que o sionismo remonta – que se têm relatos – do século XIX, muito antes da ascensão do nazismo na Europa.
A questão é que algumas discussões buscam unir pessoas, mas não para a paz e sim para mais guerra. Uma guerra intelectual, que gera discurso de ódio e que também pode matar, pois tudo começa in abstractu, no campo das ideias e depois vem a se efetivar na prática. Assim é como funciona o discurso de ódio.
O assunto do conflito é precípuo, sendo o tema tão transversal, que já foi inclusive objeto de psicografia de Chico Xavier pelo espírito Emmanuel, no livro ”A Caminho da Luz”, aqui não se está afirmando/discutindo a veracidade do texto, mas por amor ao debate, fica uma curiosidade, vez que é dito no referido livro que, acredita-se que israelenses e palestinos “sejam os mesmos espíritos que vem há milênios reencarnando na mesma região, carregando dentro de si o mesmo ódio ao inimigo em comum”.
Do que fica para a compreensão que vários autores, pensadores e filosofias, até uma inimaginável psicografia, entendem que o ódio mútuo entre esses povos gera um ciclo vicioso, formando uma bola de neve que não tem fim. É contraproducente jogar mais obscuridade em cima do debate.