TEL AVIV – A tensão na fronteira entre Rússia e Ucrânia parece ser algo distante do Brasil, mas, para os israelenses, é uma complicada questão diplomática. Israel é aliado aos EUA, isso é claro. Mas também mantém boas relações com a Rússia. O que fazer quando americanos e russos se enfrentam na Europa?
Além do debate sobre lealdade geopolítica, há outro complicador. Os números diferem de acordo com a fonte, mas na Ucrânia vivem, hoje, entre 50 e 75 mil cidadãos ucranianos elegíveis para receber a cidadania israelense pela Lei do Retorno (pessoas que tenham um avô judeu).
E, além disso, há milhares de israelenses que estudam ou trabalham no país. Segundo a imprensa israelense, o governo se prepara para receber muitos judeus e/ou israelenses no momento em que comece um conflito bélico – o que pode acontecer a qualquer momento. Esta semana, escutei um podcast que entrevistou um estudante israelense na Ucrânia que estava muito preocupado e disposto a deixar o país caso a situação piore. Ele não era judeu e sim um árabe-israelense de Kfar Kassem.
Representantes da Agência Judaica, do gabinete do primeiro-ministro e dos ministérios das Relações Exteriores, da Diáspora e da Aliá e Absorção se reuniram no dia 23 de janeiro para discutir o que fazer, incluindo a possibilidade de enviar aviões para uma evacuação em massa.
Nos últimos anos, cerca de 3 mil judeus ucranianos têm emigrado para Israel, anualmente. Mas uma imigração em massa muito mais numerosa pode ocorrer caso estoure uma guerra. “Neste momento, não há aumento no número de imigrantes da Ucrânia em relação ao ano passado. Se houver, o ministério está preparado para lidar com isso como fez no passado e está em contato com as partes relevantes”, disse um comunicado do Ministério da Aliá e Absorção.
Até nesta questão, as autoridades israelenses precisam tomar cuidado para não demonstrar apoio aos russos ou ucranianos (apoiados pelos EUA). Primeiro, porque Israel não quer e nem deve melindrar a Rússia ou os americanos. E segundo, porque qualquer palavra errada pode colocar a comunidade judaica/israelense em perigo.
O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky se mostra amigável a Israel e até já prometeu transferir a capital ucraniana para Jerusalém. Mas os dois países não nutrem, atualmente, o melhor dos relacionamentos.
Segundo a jornalista Rina Bassist, do site Al Monitor, “as relações se complicaram ao longo dos anos, especialmente com o ressurgimento de sentimentos nacionalistas ucranianos e manifestações de veneração por parte do Estado ucraniano de pessoas que lutaram ao lado da Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial, incluindo algumas personalidades ucranianas ligadas ao Holocausto. Protestos do ex-embaixador israelense na Ucrânia Joel Lion, criticando essa atitude nacional e oficial, receberam reações frias de Kiev”.
Mas Israel considera suas relações com Moscou de extrema importância estratégica, especialmente no nível de segurança e em relação à Síria. “Israel valoriza muito os canais de comunicação entre os dois exércitos em relação ao espaço aéreo sírio e vê suas relações com Moscou como um elemento-chave em sua campanha contra o entrincheiramento iraniano na Síria”, escreve Rina Bassist.
Fora isso, a Rússia é um membro permanente do Conselho de Segurança da ONU e faz parte das conversações de Viena com o Irã. Isto é: Israel não pode se dar ao luxo de comprar briga com Vladimir Putin. O primeiro-ministro Naftali Bennett falou pela última vez ao telefone com Putin em 13 de janeiro. Os dois se conheceram pessoalmente em Sochi (Rússia) em outubro passado para um encontro muito amigável que durou várias horas.
Por outro lado, é claro que os americanos são os maiores aliados de Israel no mundo e esperam um posicionamento israelense. O secretário de Estado, Antony Blinken, ligou recentemente para o ministro das Relações Exteriores de Israel, Yair Lapid para discutir “desafios compartilhados, diante de uma potencial agressão russa contra a Ucrânia”.
Só que tomar partido neste conflito claramente não é de interesse de Israel. Bennett e Lapid terão que encontrar maneiras de manter EUA e Rússia em seu rol de aliados, mesmo que os dois países se enfrentem no palco ucraniano.