O antropólogo e escritor Antonio Risério publicou na Folha de S. Paulo, no último domingo, um artigo em que defende que a condição de serem oprimidos historicamente não impede os negros de serem racistas. No artigo, intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, o autor não nega a existência do racismo contra negros, mas acusa o movimento negro identitário de reproduzir um projeto supremacista. O assunto incendiou as redes sociais, e a polêmica se ampliou.
Um grupo de jornalistas da própria Folha distribuiu uma carta crítica ao jornal. “Em mais de uma ocasião, a Folha publicou artigos ou colunas que, amparados em falácias e distorções, negam ou relativizam o caráter estrutural do racismo na sociedade brasileira. Acreditamos que esse padrão seja nocivo. O racismo é um fato concreto da realidade brasileira”, diz um trecho.
Também um manifesto de apoio a Risério foi publicado, com centenas de assinaturas incluindo as dos antropólogos Luiz Mott e Roberto da Matta. “O mal-estar que Risério causa é necessário para que os identitários, antiuniversalistas, relativistas e revanchistas saibam que a oposição existe e não será dobrada”.
Também no contexto do IBI o artigo foi objeto de discussão acalorada, e por um motivo especial: o autor busca legitimar a existência de um racismo preto contra brancos enumerando casos de antissemitismo.
Em texto publicado na revista Quatro cinco um, Daniel Douek, diretor do IBI, e Michel Gherman, assessor acadêmico do IBI, explicam que o artigo de Risério carrega o potencial de “embranquecer” os judeus, esvaziando o antissemitismo de seu significado histórico e sociológico.
“Inventado na Europa no século XIX, em meio à emergência das teorias raciais, o antissemitismo servia justamente como ideologia para racionalizar a exclusão dos judeus de um terreno reservado aos “arianos”, independentemente do fato de terem ou não a pele clara”, lembram.
“Mas a concepção torta de que os judeus seriam brancos e o antissemitismo, um tipo de ‘racismo contra brancos’ ignora a existência de judeus negros — no Brasil, segundo o último Censo do IBGE (2010), são 1.690 pessoas — e é a mesma que setores antissemitas do movimento negro utilizam para justificar a discriminação contra judeus”, escrevem os autores.
O problema é que essa ideia vem ganhando força em todos os lados do espectro político-ideológico. Conservadores utilizam a experiência judaica para legitimar a existência de uma discriminação contra si próprios (brancos); progressistas ignoram essa experiência, tida como secundária ou “concorrente”.
Não se deve contrapor duas das maiores vítimas da modernidade: ex-escravizados e sobreviventes do Holocausto. Judeus e negros encarnavam, na visão de seus algozes, a dimensão mais bem acabada de raças inferiores ou degeneradas e, ainda hoje, permanecem sendo igualmente vítimas preferenciais dos supremacistas brancos.
Todo este debate ocorre às vésperas do Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto, que será celebrado no 27 de janeiro. E o IBI, em parceria com a Universidade Zumbi dos Palmares, escolheu homenagear a data com o evento “77 anos da libertação de Auschwitz: judeus e negros no Holocausto”.
Com transmissão no YouTube, o painel contará com três especialistas: a doutora em Antropologia, conselheira consultiva do IBI e especialista em Altos Estudos do Holocausto pelo museu Yad Vashem de Israel, Rosiane Rodrigues, o professor de pós-graduação em Antropologia Social e História da UNICAMP, Omar Ribeiro Thomaz, e Carlos Reiss, educador e coordenador-geral do Museu do Holocausto de Curitiba.
Para Rafael Kruchin, coordenador de programas e projetos do IBI, “falar das minorias que foram perseguidas no Holocausto é lembrar que a libertação de Auschwitz é um paradigma da luta por direitos humanos para judeus, negros, e tantos outros. A opressão nunca deve ser vista como problema apenas da minoria oprimida, mas de todos aqueles que lutam, até hoje, por uma sociedade mais justa”.
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Antissemitismo no Brasil 247: Em uma entrevista intitulada “Tráfico de mulheres brasileiras para Israel”, na TV 247, a jornalista Lucia Helena Issa destilou estereótipos típicos do antissemitismo. Houve forte reação por parte de grupos como Judeus pela Democracia e Associação Nacional de Advogados e Juristas Brasil-Israel, além do próprio IBI. Nas redes sociais, Michel Gherman afirmou: “Estou acostumado a ver falas antissemitas e conspirativas, mas devo dizer que essa superou todas. Foi um show de estupidez, negacionismo e conspiracionismo”. Os posicionamentos levaram o Brasil 247 a rever a publicação e, no momento de publicação desta newsletter, o vídeo não estava mais no ar.
A educação judaica moderna: Em São Paulo, há 14 escolas que, apesar de serem judaicas, são bem diferentes entre si. Qual o legado dessas linhas de ensino para crianças e jovens do século XXI? No “E eu com isso?”, as apresentadoras Amanda Hatzyrah e Ana Clara Buchmann conversaram sobre as características, similaridades e diferenças entre o ensino judaico e o ensino regular no Brasil com Gabriel Douek, pedagogo e professor de educação infantil, e Jacques Griffel, presidente do Conselho Deliberativo do Renascença e membro do Vaad haChinuch da Federação Israelita do Estado de São Paulo (Fisesp). Ouça.
O fim de Benjamin Netanyahu?: O ex-premiê de Israel Benjamin Netanyahu, que deixou o cargo em meados de 2021, após 12 anos de poder, agora pode abandonar a vida política. Netanyahu é investigado na justiça israelense por suborno, fraude e quebra de confiança e, para se livrar das acusações, negocia um acordo judicial no qual admitiria culpa nos casos de corrupção e se afastaria da vida pública. Em troca, não iria para a prisão. Este foi o tema do artigo de Daniela Kresch, correspondente do IBI em Tel Aviv. Leia.
Expresso Israel: No Expresso Israel, Daniela Kresch e Isabella Marzolla abordaram o interesse do governo brasileiro na aquisição de tecnologias de espionagem das empresas DarkMatter e Polus Tech, que possuem funcionários israelenses. No programa, as jornalistas também conversaram sobre os recordes de temperatura – para cima, no Brasil, e para baixo, em Israel -, e sobre o spray nasal Taffix, da biofarmacêutica israelense Nasus Pharma, cuja liberação foi cancelada pela Anvisa nesta semana. Assista.
Pra maratonar: Já conhece as produções israelenses na Netflix? Tem para todos os gostos, desde séries descontraídas a longas dramáticos. Preparamos uma lista para você aproveitar ao máximo. Confira.