O singular encontro entre o Ministro da Defesa de Israel e o Presidente palestino

Pesquisar

TEL AVIV – Pouco antes do fim de 2021, uma reunião singular aconteceu em Rosh HaAyin, uma cidadezinha no Centro de Israel que não costuma povoar o noticiário internacional. No dia 28 de dezembro, um comboio de carros blindados com placa palestina, vindos de Ramallah, na Cisjordânia, cruzou o checkpoint na fronteira com Israel e se dirigiu a Rosh HaAyin. O destino do comboio era a residência pessoal de ninguém menos do que o ministro da Defesa de Israel, Benny Gantz, e levava ninguém menos do que o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmoud Abbas, conhecido entre israelenses e palestinos por sua alcunha: Abu Mazen.

Gantz já havia visitado Abu Mazen em agosto, tendo sido recebido por ele em sua casa, em Ramallah. Então, o encontro em Rosh HaAyn serviu como um quid pro quo de hospitalidade. No encontro, Gantz fez diversos gestos de boa vontade: prometeu 100 milhões de shekels (cerca de US$ 32 milhões) para Abbas e disse que fornecerá status legal para 6 mil palestinos da Cisjordânia e 3,5 mil palestinos de Gaza que vivem nesses dois territórios.

Ele também prometeu repassar para Ramallah parte das verbas de impostos coletadas por Israel e que estavam congeladas como represália pelo pagamento de salários a terroristas palestinos (e suas famílias) presos em Israel. Outra promessa foi a de distribuir a cerca de 1,1 mil empresários e VIPs palestinos passes para circular em Israel e fazer negócios.

“A reunião reabriu o canal político”, acredita Mohammed Dajani, um proeminente professor palestino de ciência política e ativista pela paz. “No conflito palestino-israelense, o canal político domina, e ambos os canais econômico e de segurança são parte integrante do canal político. O simples fato de se encontrarem é política. O local de encontro, saudações e presentes trocados refletem gestos políticos”.

Claro que a oposição às negociações de paz, dos dois lados, criticou o encontro em Rosh HaAyin: o Hamas odiou a reunião, assim como partidos de direita israelense (de dentro ou fora da coalizão). Mas Gantz foi celebrado pelo chanceler Yair Lapid e pelo presidente Isaac Herzog, além de toda a centro-esquerda e esquerda.

Há cinco anos, Abu Mazen não cruzava a fronteira com Israel, sendo devidamente ignorado, desprezado ou difamado pelo ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu (2009-2021). O tratamento a Abbas, que governa a Cisjordânia, serviu para fortalecer seus rivais do grupo terrorista Hamas, que controla a Faixa de Gaza. Serviu para fortalecer, entre os palestinos, a ideia de que a luta armada contra Israel poderia ser a única resposta, já que um líder moderado e contra a luta armada como Abu Mazen era tão desprezado.

Mas, desde que o novo governo de Israel assumiu o poder, algumas novidades nesse sentido têm ocorrido, mesmo que tímidas. Não podemos esquecer que esse governo é formado por oito partidos com ideologias diversas e, às vezes, opostas. O primeiro-ministro atual, Naftali Bennett, é um direitista conservador contrário à criação de um Estado palestino. Mas seu colega Yair Lapid – com quem deve trocar de lugar numa rotação predeterminada – é um liberal de centro-esquerda a favor deste Estado. Portanto, ninguém esperava que esse governo tocasse no ponto nevrálgico da relação com os palestinos, deixando o assunto para as próximas eleições.

Mas, desde que Bennett e Lapid estão no poder, uma pessoa parece ter tomado as rédeas da relação com os palestinos: o ministro da Defesa Benny Gantz, fundador do partido Azul e Branco, de centro-esquerda. Gantz passou os últimos anos tentando se estabelecer na política nacional. Foi usado e enganado por Bibi Netanyahu em 2020, quando aceitou entrar numa coalizão de governo de “união nacional” por causa da epidemia de Covid. Netanyahu prometeu rotação com ele como premiê, mas – espertalhão – acabou jogando-o para escanteio.

Agora, depois de ter ganhado sobrevida nas eleições de 2021, recebendo incríveis oito cadeiras no Knesset quando parecia estar morto politicamente, Gantz volta ao foco político. Muita gente votou nele por vê-lo como um político íntegro, mesmo que um pouco ingênuo. Agora, Gantz está tentando fazer o que acha certo dentro desse governo tão diverso. Talvez esteja já em campanha para as próximas eleições. Ele ainda quer ser primeiro-ministro.

Para isso, está usando o único canal que continuou aberto entre o governo israelense e a Autoridade Palestina durante o governo Netanyahu: o de Segurança. Israelenses e palestinos da Cisjordânia nunca cancelaram a chamada “coordenação de segurança” entre os lados, mesmo em momentos de conflito entre Israel e Gaza. Quer dizer: as forças de segurança dos dois lados colaboram. E colaboram bem. 

Gantz também visitou Amã, a capital da Jordânia, no dia 5 de janeiro, sendo recebido pelo Rei Abdullah II, demonstrando sua intenção de se estabelecer como uma espécie de “chanceler alternativo” de Israel no mundo árabe,

Mas, apesar de todas as críticas internas – da direita –, Gantz não foi admoestado pelo premiê Bennett, que disse ter sido avisado e ter dado aval para o encontro entre ele e Mahmoud Abbas em Rosh HaAyn. Bennett, aliás, se reuniu com o presidente do Egito em 13 de setembro, no encontro mais público e amigável entre os dois líderes do Egito e de Israel desde a visita de Anwar Sadat a Israel, em 1977.

Não sei se isso tudo é uma boa notícia para o diálogo entre israelenses e palestinos. É confortante saber que ainda há portas abertas entre as lideranças, mesmo que sejam, atualmente, poucas. É melhor do que nada. E é mais do que se esperava deste governo.

Inscreva-se na newsletter

© Copyright 2021 | Todos os direitos reservados.
O conteúdo do site do IBI não reflete necessariamente a opinião da organização. Não nos responsabilizamos
por materiais que não são de nossa autoria.
IBI – Instituto Brasil-Israel
SP – Sao Paulo