Esta foi uma semana em que os temas do holocausto e do nazismo voltaram a ocupar as manchetes das páginas de política dos jornais, com muita força.
O assunto central sem dúvida foi a redação do relatório final da CPI da Covid, que acabou por suprimir o crime de genocídio, apesar de sugerir práticas ligadas ao regime alemão, de forma relativizada. Houve também a capa da revista IstoÉ, na qual o presidente brasileiro é retratado como o ditador alemão, além do episódio da Câmara de Vereadores de Porto Alegre, em que um grupo antivacina invadiu o plenário com a suástica em cartazes.
Todos estes acontecimentos deram ensejo a uma discussão corrente: em que medida são cabíveis as analogias e as comparações entre o nazismo, o holocausto e aquilo que acontece na contemporaneidade? E quando elas devem ser rechaçadas?
Este foi o tema de uma entrevista concedida por Carlos Reiss, coordenador geral do Museu do Holocausto em Curitiba, a Morris Kachani, do Instituto Brasil-Israel.
Para ele, a memória do Holocausto não deve apenas ser preservada como também, apropriada. “Falar sobre o Holocausto não é falar sobre o passado, é usar o passado para falar sobre presente e sobre o futuro”, afirmou.
Reiss defende a ideia de que tem havido uma “banalização da banalização do Holocausto”. “O ato de comparar, por si só, está sendo visto como ‘banalizar’. É como se o Holocausto estivesse em um pedestal mítico e não pudesse ser tocado, não pudesse ser evocado, pudesse ser apenas cerimonializado. E essa noção de que o Holocausto seja singular e que, por ser singular, é incomparável, é absurda”, diz.
Este é um momento crucial da construção da memória, de transição, de uma geração que ouviu e ouve os testemunhos, para outra que não – pois os sobreviventes estão nos deixando. “A memória não vem pronta. Ninguém entregou para a gente lá no final dos anos 40 a memória do Holocausto e falou ‘olha, agora tomem, cuidem e não deixem banalizar’. Não é assim que funciona. A memória é construída todo dia. E em determinados momentos, essa construção se torna conflituosa”, conclui.
Como comparar?
Se, por um lado, fazer comparações entre fenômenos históricos é possível e necessário, por outro, é preciso ter critério e rigor científico.
Como fazê-las, afinal? Para Carlos Reiss, deve-se elaborar arquétipos. Como o “genocídio”, por exemplo, que se torna um modelo de estrutura conceitual composta por algumas características que podem ser estendidas a outros eventos.
O coordenador geral do Museu do Holocausto afirma que comparações imediatas, sem passar por nenhum tipo de ferramenta metodológica, vão gerar problemas, porque sempre vai haver aquilo que é análogo e aquilo que não é análogo. “E aí a discussão na arena pública vai ser sempre essa: ‘não tem nada a ver por isso’ e ‘tem a ver por isso’. E pode ser que os dois lados estejam corretos, porque se pulou uma etapa metodológica e se buscou fazer comparações pontuais que podem fazer sentido aqui e podem não fazer sentido ali”.
Quando se compara sem passar pelo arquétipo, cria-se a vulgarização. “Analogias vulgares são desrespeitosas, ofensivas e até criminosas”, diz.
Assim, é possível diferenciar analogias que constituem uma aberração, como a adoção da estrela de David como símbolo contra o passaporte de vacina, de outras como as que fazem referência aos testes com cobaias humanas, negligenciando o Código de Nuremberg – justamente um legado do Holocausto.
Carlos Reiss explica: “Depois do Holocausto, nos julgamentos de Nuremberg, um deles, que ganhou certa relevância, foi o que ficou conhecido como o ‘julgamento dos médicos’. E ali foram descritas as experiências, o que se fazia. E quando a gente fala que o Holocausto é um divisor de águas na história da humanidade ou na história do século XX, um dos motivos é que, a partir do Holocausto, chegou-se à conclusão de uma necessidade imediata de se colocar limites naqueles que, até então, por deterem o saber, o conhecimento técnico, não tinham. Qualquer tipo de pesquisa, qualquer tipo de experimento que se diz científico e que é feito sem o consentimento do pesquisado ou do paciente está indo contra um dos principais legados do Holocausto, que é o Código de Nuremberg. E se isso fere o Código de Nuremberg, isso fere o Museu do Holocausto de Curitiba”.
É preciso lembrar sempre: não foram “monstros”, desses que existem apenas na fantasia, os responsáveis pela tragédia. O Holocausto é fruto da ação dos homens e, nesse sentido, revela o que somos capazes se não houver atenção contínua.
Confira os destaques da semana!
Expresso Israel, o novo programa do IBI: Estreia hoje o Expresso Israel, um resumo das principais notícias da semana de Israel e do Oriente Médio, com a nossa correspondente em Tel Aviv, Daniela Kresch. No 1º programa da série, a jornalista falou sobre a retomada da entrada de turistas em Israel, e sobre a situação da Covid-19 no país que foi percursor na vacinação, com 52% da população imunizada já com uma terceira dose, e a preocupação com o surgimento de uma nova variante do vírus. Veja.
Filmes israelenses na Mostra de Cinema: Começou esta semana a 45º Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. O festival vai até o dia 3 de novembro e conta com três filmes israelenses na programação. Confira.
26 anos sem Rabin: Esta semana marcou o 26° aniversário do assassinato do primeiro-ministro Yitzhak Rabin. A ausência de Benjamin Netanyahu nas cerimônias em sua memória chamou a atenção. A jornalista Daniela Kresch escreveu sobre como a morte de Rabin ainda é ferida aberta na sociedade israelense. Leia.
A parceria entre Alemanha e Israel: A Alemanha é, hoje, o maior aliado de Israel na Europa. Angela Merkel reiterou esse apoio por diversas vezes ao longo de seus 15 anos no poder. A jornalista Daniela Kresch conversou com Oded Eran, ex-embaixador de Israel na União Europeia e na Jordânia e pesquisadores do Instituto Nacional de Estudos de Segurança (INSS), um dos mais importantes think tanks de Israel, sobre como fica a relação entre os países com a sua saída do governo. Leia.
Klezmer – a música judaica que resistiu ao tempo: Você já ouviu falar em “klezmer”? Em iídiche a palavra quer dizer “instrumentos musicais”. Anita Efraim e Amanda Hatzyrah conversaram com a cantora e compositora Tania Grinberg sobre o gênero muitas vezes conhecido simplesmente como “música judaica”. Ouça.
Genocídio e povos originários: O assessor acadêmico do IBI, Michel Gherman, e o advogado e sócio-fundador do Instituto de Defesa do Direito de Defesa, Fabio Tofic Simantob, conversaram com Marco Antonio Villa sobre a definição jurídica do termo genocídio e os direitos dos povos originários. O programa irá ao ar neste domingo. Veja.