TEL AVIV – Mais do que uma data solene para apenas lembrar o primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin, que foi assassinado em 4 de novembro de 1995, o dia nacional de lembrança do premiê se transformou em uma espécie de circo político. Este ano, não poderia ser diferente. A começar pelo fato de que o ex-primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, que deixou o poder em junho deste ano depois de 12 anos seguidos no cargo, se ausentou da cerimônia oficial no cemitério e no Knesset (o Parlamento israelense) em lembrança a Rabin. Sua ausência, aliás, pareceu um alívio à família de Rabin.
A morte de Yitzhak Rabin deveria ser um assunto apolítico. Afinal, alguém assassinou um premiê de Israel a sangue frio. Não interessa quem tenha sido ou quais foram seus motivos. Mas o fato de que o assassino Yigal Amir – um judeu ultranacionalista – matou Rabin, um líder trabalhista, em protesto aos Acordos de Oslo (1993) em meio a negociações de paz com os palestinos, transformou a tragédia em fato político. Assim, o público mais à esquerda tende a lembrar e chorar mais por Rabin todos os anos. Os mais à direita, em geral (não todos), ignoram ou se emocionam menos.
Este ano, as cerimônias oficiais aconteceram em 18 de outubro, apesar da data do assassinato ter sido 4 de novembro. Isso porque a lembrança acontece de acordo com o calendário judaico, sempre no dia 12 do mês de cheshvan.
A decisão de Netanyahu de não ir às solenidades levou a reações, principalmente no campo mais à esquerda no espectro político. O que isso quer dizer? Que durante os 12 anos em que foi primeiro-ministro (e mais os três anos de 1996 a 1999), Netanyahu não realmente se importava com a data e participava só por obrigação? E que, no primeiro momento em que não tinha mais a obrigação, ele demonstrou o que realmente pensa do evento?
É difícil não pensar dessa forma quando se lembra que Netanyahu era o líder da oposição na época do governo Rabin (1992-1995). Em diversas ocasiões, Netanyahu incitou contra os acordos de Oslo e contra Rabin, em manifestações de opositores com alguns cartazes polêmicos, principalmente os que mostravam Rabin vestido de Hitler. Suas palavras beligerantes, na época, são vistas até hoje como parte do clima de incitação que inspirou Yigal Amir a agir.
Após o assassinato de Rabin, Shimon Peres assumiu como premiê e todos pensavam que a carreira política de Netanyahu tinha acabado. Mas uma série de atentados terroristas palestinos às vésperas das eleições de 1996 acabaram levando muitos eleitores para a direita e o vitorioso foi justamente Netanyahu.
Desde então, Netanyahu passou 15 anos no poder e teve que honrar as datas solenes em lembrança a Rabin. Por todo esse tempo, dizia que Yigal Amir não representava a direita israelense e que o assassinato foi fruto de apenas uma mente doentia. Mas isso nunca foi o sentimento da família de Rabin, que ano após ano, teve que engolir o mal-estar da presença de Netanyahu nas solenidades em lembrança ao premiê morto.
Este ano, o neto de Rabin, Yonatan Ben Artzi, deixou clara sua aprovação ao novo governo pós-Netanyahu, formado em junho, em um de seus discursos: “O governo do povo triunfou sobre o governo de um só. É graças a esta vitória, alcançada 26 anos depois daquela noite horrenda, que posso olhar você nos olhos e dizer: o luto acabou. Vamos aprender com nosso passado e embarcar em uma nova estrada”.
Ele deixou explícito o alívio da família Rabin com o fato de Netanyahu não ser mais o mestre de cerimônias das solenidades em lembrança ao assassinato. Aliás, os Rabin receberam o atual premiê, Naftali Bennett, também um direitista, com braços abertos, o que demonstra ainda mais um mal-estar voltado especificamente a Netanyahu.
O ex-premiê não deixou barato e respondeu: “Por 26 anos, houve aqueles que usaram o assassinato de Rabin para manchar um grande setor da nação, a direita que tenho orgulho de representar. Chegou a hora de parar de tentar nos ensinar”, afirmou Netanyahu.
Mas Netanyahu foi além: voltou a dizer, como tem repetido desde junho, que Bennett não é um primeiro-ministro legítimo, já que preside um partido com apenas seis cadeiras no Knesset (mesmo sendo líder de uma coalizão de 8 partidos com 62 dos 120 parlamentares, portanto clara maioria). Para muitos, Netanyahu parece não ter aprendido nada nos últimos 26 anos. Novamente no papel de líder da oposição, ele incita contra o líder do governo e o acusa de não ser legítimo. Depois, se uma nova violência política acontecer, vai dizer que não é sua culpa.
Tudo isso mostra como o assassinato de Rabin ainda é uma ferida aberta em Israel. Uma ferida que não cicatriza pela insistência de muitos em não entender o que a causou.