TEL AVIV – No fim de seu mais recente videoclipe, da música “Um amor como o nosso”, a cantora israelense Sarit Hadad se senta em um banco ao lado de uma mulher. As duas estão de costas. Sarit olha para a mulher com carinho e coloca sua cabeça no ombro da amada. “Não sou tocada do jeito que você me toca há anos, o que há dentro de mim não pode ser explicado nem por mil canções”, canta Hadad na música.
Com o clipe, a icônica artista saiu publicamente do armário, aos 43 anos de idade. A música foi divulgada no dia 19 de setembro e se tornou imediatamente um dos destaques do dia na imprensa local. A notícia ecoa até agora nas redes sociais, sendo encarada como um passo importante da luta contra a homofobia entre os fãs do gênero musical mizrahi (oriental) de Israel, do qual Sarit Hadad é uma das cantoras de maior sucesso. Esse público – perdão pela generalização – é considerado especialmente conservador e preconceituoso.
A saída do armário não surpreendeu muita gente, que já sabia ou intuía sobre a orientação sexual de Sarit Hadad. O que mais surpreendeu, na verdade, foi a reação positiva que a cantora tem recebido de fãs e do público em geral nas redes sociais, sem contar com o apoio de celebridades.
“Você é incrível, uma rainha”, escreveu a cantora Shiri Maimon. “Você me tocou, Sarit Hadad, certamente me tocou”, escreveu o ministro da Saúde, Nitzan Horowitz. “É muito importante o que você está dizendo para suas meninas e para todos: qualquer um pode ser o que quiser, com quem quiser e como quiser”.
Como era de se esperar, também houve internautas que optaram por ser menos complacentes. “Basta de coerção dos LGBT! Daqui a pouco não sobrará mais nenhum heterossexual”, escreveu um internauta. Também teve quem fez piada, escrevendo: “Agora está bem claro por que ela quis se livrar do Motti” (em referência à canção “Vai para casa, Motti”, um dos primeiros hits de Sarit Hadad).
Mas a grande maioria demonstrou apoio e carinho. Milhares escreveram mensagens de orgulho pela decisão da cantora.
Sarit, que é solteira e tem duas filhas, nunca havia admitido esse ou qualquer outro envolvimento com mulheres. Ela namora há cerca de dois anos a cantora e compositora Tamar Yahalomi, conhecida por participar de um reality de música estilo The Voice por aqui. Foi Yahalomi, de 27 anos, que compôs a música do videoclipe e aparece na última cena.
Muitas das músicas de Sarit Hadad se tornaram hinos românticos entre os heterossexuais, enquanto ela se mantinha solteira. Sua primeira filha nasceu há quatro anos e a cantora nunca revelou quem é o pai. Os rumores quanto à sua orientação sexual, que já existiam, se tornaram ainda mais fortes. Quando ela deu à luz à segunda filha, há dois anos, sem revelar novamente o nome do pai, os boatos aumentaram.
Sarit Hadad vem de uma família conservadora que não queria uma filha “artista”. Até hoje, ela evita se apresentar no shabat (o sábado judaico). Mas ela lutou para ir atrás de seu sonho. Lutou contra a família, contra a misoginia do setor artístico israelense e contra o preconceito dos ashkenazim em relação à música mizrahit. Agora, ela embarca em mais uma luta: contra a homofobia.
Sarit Hadad nasceu em 1978 com o sobrenome de Hudadatov em Afula, uma cidade da periferia Norte de Israel. Seus pais haviam feito aliá dois anos antes do Daguestão, uma república da Rússia. Ela é a mais nova de oito filhos. Com apenas 10 anos, já era considerada um prodígio. Participou de um concurso de música tocando piano (ela também toca órgão, violão, acordeão e darbuka). Aos 16 anos, foi descoberta por seu agente, Avi Gueta (que a gerencia até hoje).
Em 2002, já uma cantora de sucesso com inúmeros hits na carreira, ela foi enviada para representar o país no concurso Eurovision. Em 2009, foi escolhida como a melhor cantora de Israel dos anos 2000. Fez inúmeros shows internacionais. Até Madonna admitiu ser sua fã.
Seu gênero musical, a música mizrahit, também passou por uma transformação, nas últimas duas décadas. De um gênero esnobado pela intelectualidade israelense, se transformou em popular como nunca antes, levando até mesmo rádios tradicionais a incluir esse tipo de música em seus repertórios. Sarit Hadad foi instrumental para isso, ajudando a modernizar o gênero e sempre incluindo nas canções o ponto de vista feminino.
Em Israel, muitos artistas saíram cedo do armário. Mas alguns hesitaram e só o fizeram publicamente anos depois da fama, temendo perder parte do público. Recentemente, no entanto, há uma tendência de mais compreensão e menos preconceito, até mesmo entre os fãs mizrahim, em geral mais conservadores. O cantor Yehuda Poliker, por exemplo, só admitiu publicamente sua orientação sexual aos 60 anos de idade, em 2010. A comediante Orna Banai saiu do armário aos 45 anos.
A decisão de Sarit Hadad certamente espelha uma mudança de percepção do público mais conservador de Israel em relação à comunidade LGBTQI+, mesmo que esse processo ainda esteja em andamento. Sarit sentiu que já poderia parar de esconder seus relacionamentos. Isso é uma boa notícia para Israel em 2021.