Mais do que uma fuga de cinema: a escapada que pode levar a uma Intifada

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Imprensa israelense mostra o buraco de fuga dos presos (Foto: Canal Kan 11)

TEL AVIV – O assunto da semana, entre israelenses e palestinos, é a façanha de seis prisioneiros palestinos, que conseguiram escapar de uma prisão de alta segurança israelense, a Guilboa (Norte de Israel) cavando um túnel embaixo da pia da cela, na madrugada deste domingo (5 de setembro) para segunda (6 de setembro). Eles descobriram que a prisão tinha sido construída sobre espécies de palafitas e que havia um espaço embaixo do piso pelo qual poderiam rastejar até o lado de fora. Lá, apenas cavaram mais um túnel e sumiram no meio da noite. Fora ajudados pelo fato de que a guarda que deveria estar de plantão, na hora da fuga, dormiu.

Quatro deles, acabaram sendo descobertos, nesta sexta-feira (10 de setembro), na cidade árabe-israelense de Nazaré. Mas as forças de segurança ainda buscam, sem sucesso, os outro dois fugitivos.

Parecia ser apenas uma fuga de prisão cinematográfica, como naquele filme “Um sonho de liberdade” (The Shawshank Redemption), com Tim Robbins e Morgan Freeman. No filme hollywoodiano, um presidiário inteligente consegue escapar após cavar, com ajuda de um pequeno martelo, um túnel que ele esconde atrás de um pôsteres de mulheres bonitas.

Na película americana, o personagem de Tim Robbins demora 20 anos para realizar a façanha. No caso da prisão israelense, ninguém sabe quanto tempo durou a preparação para a fuga, mas certamente menos de duas décadas. Também no filme americano, o fugitivo era apenas um ex-banqueiro desconhecido cuja fuga não chegou às manchetes dos jornais.

No caso dos fugitivos palestinos, no entanto, a história é outra. Quase todos são membros do grupo terrorista Jihad Islâmica e enfrentavam prisões perpétuas. Um deles é Zakaria Zubeidi, um notório líder das Brigadas de Al-Aqsa em Jenin. Zubeidi é um dos quatro que já foram capturados.

O feito pode dar origem a uma bola de neve que tem o potencial de causar mais uma intifada (revolta popular palestina contra Israel). A situação é tão fluida que eu não sei como ela estará quando este texto for publicado.

Como assim? Por que uma fuga cinematográfica se tornaria mais do que apenas uma anedota que causaria a demissão das autoridades de segurança? Há várias respostas para isso. A primeira é que a façanha se tornou rapidamente um símbolo da causa palestina. Afinal, os palestinos se veem como Davi contra o Golias israelense. Seis prisioneiros fugindo sob os narizes dos guardas de uma das prisões mais cerradas do país é algo que rapidamente se torna material mitológico. 

Os seis presos – mesmo depois da prisão de quatro deles – estão sendo cultuados como ícones da busca pela liberdade, independentemente de terem sido julgados e condenados por terrorismo, em Israel. Eles seriam uma prova de que os palestinos podem ser mais espertos do que os israelenses, podem comer pelas beiradas da lei da potência ocupante. Uma pequena vitória como essa se torna rapidamente mito.

O acontecimento também ocorre poucos dias depois de outro feito festejado pelos palestinos: a morte de um policial de fronteira israelense atingido no muro que separa Israel da faixa de Gaza. Um palestino conseguiu chegar até o muro com uma pistola e atirar através de um buraco no muro, atingindo o policial, que morreu alguns dias depois. Novamente, o caso se tornou símbolo de resistência, levando a celebrações.

A inspiração desses dois casos podem animar alguns palestinos a realizar atos contra israelenses – militares ou civis –, o que pode levar a uma escalada de violência. Atos como atentados terroristas, lançamento de balões incendiários, novas tentativas de fuga em prisões e etc. 

Nesta sexta-feira (10 de setembro), o grupo islâmico Hamas e os terroristas da Jihad Islâmica já declararam um “Dia de fúria” em apoio aos fugitivos da prisão. E esses dias de fúria podem descambar para embates maiores. Eles protestam contra a decisão de Israel, na quarta-feira, de transferir 400 prisioneiros palestinos da prisão Guilboa para outras cadeias e impor restrições a eles.

“Israel está brincando com fogo”, disse um membro do Hamas. “A questão dos presos é extremamente delicada. A situação é muito perigosa”. 

Mas há mais um perigo em toda essa história. Ninguém sabe exatamente para onde os fugitivos da prisão Guilboa foram – se estão ainda dentro de Israel ou se conseguiram cruzar para a Cisjordânia ou até mesmo para a Jordânia. O exército e a polícia israelenses estão atrás deles, buscando com pente fino. O que acontecerá caso encontrem algum deles ou todos? 

No cenário de apenas encontrá-los e reconduzi-los à prisão, como já aconteceu com quatro deles, pode levar a uma explosão de frustração nos territórios palestinos. Mas num cenário pior em que um deles seja ferido ou morto pelas forças de segurança israelenses, a explosão de ódio e revolta pode ser mil vezes maior. Ações de vingança podem acontecer imediatamente, levando a uma escalada de tensão digna de uma nova intifada.

Não seria a primeira vez que isso aconteceria. Em 1987, foi exatamente uma fuga de presos palestinos em setembro daquele ano que serviu de prenúncio e de estopim para a revolta popular que chamamos de Primeira Intifada, em dezembro.

É preciso entender a importância dos presos políticos no imaginário palestino. Esse é, talvez, um dos maiores consensos na sociedade palestina: a de que Israel deveria soltar esses presos caso desejasse uma paz real com os palestinos. Para eles, os prisioneiros são lutadores da liberdade. Se, para Israel, eles foram presos e julgados por planejar ou realizar atos terroristas, para os palestinos, eles são partisãos que lutam contra o opressor. É por isso que a Autoridade Palestina paga salário para os prisioneiros na prisão e suas famílias. Gasta milhões de seu orçamento para ajudar seus heróis. 

É por tudo isso que uma fuga é mais do que apenas uma fuga, por aqui. As consequências dela talvez sejam mais cinematográficas do que os mais complicados roteiros de Hollywood.

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