É um roteiro que se repete: O governo federal ataca a democracia, deixando à mostra sua proximidade com o fascismo. Parte da comunidade judaica prontamente se mobiliza a fim de combatê-lo. Uma legião vai às redes para deslegitimá-la, se prestando a um serviço que deveríamos supor ser da extrema direita.
Temos como exemplo o caso Alvim, então secretário de cultura que plagiou Goebbels, o jantar de empresários com Bolsonaro e agora a recepção da deputada alemã, neta do ministro de Adolf Hitler.
Utilizando a imagem da famigerada palestra de abril de 2017, em um clube judaico da capital fluminense, parte da esquerda sente-se à vontade para dizer como pensam os judeus brasileiros. Afirmam que os judeus que hoje se manifestam chegaram tarde demais. Que riram quando Bolsonaro fazia piadas racistas e, em alguma medida, foram responsáveis por sua eleição. Para sustentar esse discurso, ignoram toda a mobilização que sempre houve contra Bolsonaro na comunidade judaica e, talvez sem perceber, reforçam o álibi perfeito para alguém que flerta com o nazismo: o suposto apoio dos descendentes de suas principais vítimas.
Para emplacar essa ideia, Bolsonaro utiliza símbolos caros aos judeus. Não raro ele aparece com uma menorá ou com a bandeira de Israel. É compreensível que alguns judeus se sintam seduzidos e façam parte dos cerca de 30% de brasileiros que formam a base de apoio do governo, mas a ideia de que eles representam o coletivo, não apenas reforça um processo de racialização, que deveria causar aversão aos progressistas, como fortalece o próprio bolsonarismo.
Ainda tenho dificuldade de entender o que faz com que alguém que defende a democracia e é antifascista, ataque grupos e instituições judaicas que defendem a democracia e são antifascistas. Talvez essa pessoa tenha ouvido tanto que Bolsonaro é amigo dos judeus, e relacionado tanto Bolsonaro a seus símbolos, que seja difícil se deparar com realidades que confrontem esse estereótipo. Para esses, sugiro que acompanhem grupos como o Judeus Pela Democracia, o Observatório Judaico de Direitos Humanos e Instituto Brasil-Israel.
Aproximando-se das alas progressistas da comunidade judaica, terão a oportunidade de conhecê-la de forma mais profunda e complexa, deixando de lado preconceitos e podendo ver os judeus, também como aliados.
Gabriel Douek é brasileiro, judeu e de esquerda. Filho de egípcios refugiados, tem antepassados que viveram na Síria e no Iraque. Pedagogo, atua hoje como professor de Educação Infantil.
Os textos dos nossos colaboradores não refletem, necessariamente, as posições do instituto.