Novo governo em Israel: e o Brasil com isso?

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TEL AVIV – Em “Hamilton”, o famoso musical da Broadway sobre a Revolução Americana (1976), o Rei George III da Inglaterra destila sabedoria ao tentar explicar aos rebeldes americanos em busca de independência que a política é como um pêndulo. Nada é para sempre. “Oceanos sobem, impérios caem”, canta o rei britânico em sua balada que destoa do hip-hop e do rap das outras canções do musical. Teria sido interessante que o ex-primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, tivesse aproveitado seu inglês perfeito para prestar atenção nessa lição do Rei George III da Broadway. 

Governos caem, mesmo que pareçam eternos como impérios centenários. Assim com o pêndulo político, relacionamentos diplomáticos também oscilam. A recente aproximação entre Brasil e Israel, que começou em 2017 com a chegada a Brasília do ex-embaixador Yossi Shelley após o impeachment da petista Dilma Rousseff (que havia recusado aceitar Dani Dayan como embaixador por sua ligação com os colonos israelenses) e foi coroada com a eleição de Jair Bolsonaro – franco favorito de Netanyahu e de Shelley nas eleições de 2018 – chegou ao fim.

A conclusão dessa era ficou mais do que clara no discurso de posse do novo chanceler israelense, Yair Lapid, líder do partido de centro Yesh Atid (Há Futuro), grande tecelão do novo e complexo governo de coalizão que retirou Netanyahu do poder após 12 anos consecutivos. Lapid, o William Bonner israelense, deixou a TV e a vida artística em 2012 e, desde então, tenta renovar a política nacional. Ao contrário de Netanyahu, Lapid nunca deixou seu ego se colocar entre ele e seu objetivo: fazer com que a maioria silenciosa do centro israelense seja ouvida e não as minorias radicais que foram usadas cada vez mais por Netanyahu para se manter no poder.

O discurso de Lapid me fez lembrar o de Joe Biden ao tomar posse como sucessor de Donald Trump: ambos disseram coisas que pareciam óbvias, mensagens moderadas e até um tanto banais, mas que foram esquecidas ou atropeladas por líderes como Netanyahu e Trump, que passaram anos fazendo discursos incitando as divisões, as diferenças, o conflito entre os “amigos” e os “inimigos”. Lapid voltou ao discurso básico da diplomacia israelense. Básico, mas absolutamente necessário após 12 anos. 

“Nos últimos anos, Israel abandonou as relações exteriores, abandonou a arena internacional”, começou Lapid, ecoando o que os funcionários do Ministério do Exterior já dizem há uma década: Benjamin Netanyahu fatiou e enfraqueceu – financeira e psicologicamente – a chancelaria porque queria ser o único centro das atenções do Estado de Israel e porque, ao que parece, sempre viu o ministério como uma espécie de antro de inimigos “de esquerda”

O novo ministro das Relações Exteriores, então, foi direto ao assunto: “A gestão da relação com o Partido Democrata nos Estados Unidos foi descuidada e perigosa. Já alertei contra isso mais de uma vez, mas o governo de saída fez uma aposta terrível, imprudente e perigosa, para se concentrar exclusivamente no Partido Republicano e abandonar a posição bipartidária de Israel”.

A mensagem é clara: Netanyahu, ao invés de agir cautelosamente, decidiu abraçar apenas um lado do espectro político americano. Sem entender a lição do Rei George III – a de que nada é eterno e a política está sempre à mercê de ondas –, ele deu de ombros para os democratas, incluindo aí a grande maioria dos judeus americanos, que tradicionalmente votam no Partido Democrata. Ele abraçou Trump com um amor e um fervor nunca antes visto no relacionamento entre líderes dos dois países. Ele apostou, no entanto, no cavalo perdedor das eleições de 2020. E agora?

O mesmo pode ser dito sobre o relacionamento entre Israel e Brasil – em menor proporção de importância, claro, porque o Brasil não chega aos pés dos EUA em importância para Israel. Nos idos de 2015, quando Dilma negou a vinda de Dani Dayan para a embaixada em Brasília, Netanyahu decidiu que iria abandonar a diplomacia em relação ao PT para apostar nas lideranças evangélicas – que apoiam uma “Israel imaginária” por mil motivos já explicados tão bem aqui pelo pessoal do IBI. Para Bibi, os 40% de evangélicos do Brasil passaram a ser o alvo quase único de amizade. Ao invés de ponderar com Dilma ou o PT, Bibi partiu para o ataque.

Foi nesse sentido que Bibi e Yossi Shelley apostaram todas as fichas no candidato à presidência Jair Bolsonaro. Eles ignoraram ou deram as costas para boa parte da comunidade judaica brasileira, “substituindo” os judeus mais liberais, mais progressistas, por cristãos evangélicos. Um processo parecido com o que aconteceu com os evangélicos americanos. 

Yair Lapid fez questão de dizer que isso acabou: “O apoio de cristãos evangélicos e outros grupos é importante e comovente, mas o Povo Judeu é mais do que aliado, é uma família. Judeus de todas as correntes, reformistas, conservadores e ortodoxos, são a nossa família. E a família é sempre o relacionamento mais importante e que mais precisa ser trabalhado, mais do que qualquer outro”. 

O próximo embaixador de Israel no Brasil, Daniel Zoneshine, um diplomata de carreira, deve chegar a Brasília em breve com essa visão de Lapid em mente: jogar fora essa “aposta” em apenas um lado do espectro político para focar num bom relacionamento com todos. Até porque o pêndulo sempre oscila de um lado para o outro. E com a ideia de contar com a “família”, a comunidade judaica, sem incitar divisões internas.

O discurso de Lapid tocou em outros assuntos, mostrando compaixão pelas crianças palestinas que morreram no último embate com o Hamas (“Não é fraqueza admitir que nosso coração se parte por cada criança que morre neste conflito. As crianças não precisam morrer nas guerras dos adultos”), mostrando humildade (“Às vezes vou cometer um erro, e então espero que vocês venham e me alertem para isso”) e levantando a moral da chancelaria (“Israel tem uma História forte. Os fatos estão do nosso lado. Somos uma democracia vibrante que busca a paz”).

Ao final, foi aplaudido de pé.

Voltando a “Hamilton”, é preciso acrescentar que o verdadeiro Rei George III acabou enlouquecendo sem nunca ter perdido a esperança de reaver sua colônia nas Américas. Em outra parte de sua canção, ele diz: “Vou voltar, você vai ver; você lembrará que pertence a mim. Vou voltar, o tempo dirá; você lembrará que como te servi bem”. Em vez de aprender que nada é para sempre, Bibi Netanyahu talvez tenha gostado apenas dessa parte da música. Ele sonha em voltar. 

A pergunta é se o “Rei Bibi” vai enlouquecer – ou já enlouqueceu – como o Rei George III ou conseguirá entrar para a História como um verdadeiro democrata, que entende quando é a hora de sair de cena em prol de novas gerações, novos ideais e novas lideranças.

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