Será que o governo “Frankenstein” anti-Bibi tem chance de durar?

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TEL AVIV – No momento em que escrevo estas linhas, ninguém sabe, quando um novo governo será realmente formado em Israel e quais serão suas bases. Tudo leva a crer que após quatro eleições infrutíferas desde 2019, desenha-se um governo totalmente diferente de tudo que já vimos, no passado. A começar pela ausência de um personagem que domina a cena política há mais de uma década: Benjamin Netanyahu, no poder desde 2009. Juntamente com outros três anos em que ele foi premiê na década de 90 (1996-1999), Netanyahu, na verdade, é quase onipresente em Israel há 25 anos. E isso é muito em um país com apenas 73.

Mas as perguntas sobre esse novo governo, criado justamente para retirar do poder alguém que insiste em ficar no topo apesar de quatro eleições fracassadas e três indiciamentos por corrupção, são tantas que tão grandes que as pessoas, por aqui, estão incrédulas, inseguras e incertas. Será mesmo que um governo “Frankenstein”, formado por partidos de direita (Yemina, Nova Esperança, Israel Nossa Casa), de esquerda (Meretz, Partido Trabalhista) e de centro (Há Futuro, Azul e Branco) com apoio de um partido árabe islamista (Ra’am), pode dar certo? 

Acho que a resposta é mais clara do que as pessoas admitem pensar. Não, não deve dar certo por muito tempo. É improvável que Naftali Bennet, líder do partido ultranacionalista Yemina – a favor de anexar a Cisjordânia – e Merav Michaeli, líder do Partido Trabalhista – a favor de negociações de paz com os palestinos –, consigam se entender. É improvável que Guiden Saar, do também super-direitista Nova Esperança – pouco interessado em pautas de costumes –, consiga se entender por muito tempo com Nitzan Horowitz, líder do partido de extrema-esquerda Meretz –, que levanta bandeiras de gênero e liberais. 

A única coisa que une todas essas pessoas é tirar Netanyahu do poder. Será que apenas esse desejo é suficiente para criar um governo? Tem muita gente que não consegue imaginar que as negociações levem a uma real posse no Knesset, o Parlamento em Jerusalém, nos próximos dias. E, se um governo com Bennet e o centrista Yair Lapid, do partido Há Futuro, no comando realmente brotar, será estável e funcional por alguns anos? 

Para a blogueira política Tal Schneider, os líderes dessa estranha coalizão anti-Bíbi vão fazer de tudo para deixar as grandes questões diplomáticas de lado para colocar nos trilhos um governo que cuide do cotidiano do país e tente resolver pelo menos questões econômicas e internas. Mas tudo depende do acordo de coalizão que deve ser apresentado formalmente ao presidente do país, Reuven Rivlin.

“Só quando esses acordos forem divulgados, veremos o que eles escreveram sobre uma solução de dois Estados ou sobre a anexação (da Cisjordânia), se é que escreveram algo”, diz Schneider. “Eu presumo que eles não tocarão muito nessa questão diplomática. Eles provavelmente dirão algo vago como que ‘Israel deseja a paz com todos os seus vizinhos’, mas que ‘a defesa do país é primordial’ e assim por diante”.

Segundo Tal, não é a primeira vez que um governo “colcha de retalhos” é negociado no país em meio a um sistema parlamentarista de coalizão. Mas este será – se realmente se concretizar – um dos mais estranhos.

É claro que não faltam problemas internos para unir esses líderes políticos na busca por uma solução conjunta, a começar pela votação urgente de um orçamento (de 2021, ainda!). Sem os ultraortodoxos no governo, alguns nós orçamentários podem ser desatados. Outras questões que podem desemperrar são o alistamento militar de ultraortodoxos e das conversões para o judaísmo. Sem os ultraortodoxos no governo, controlando algumas comissões importantes, pode ser que o debate quanto a esses temas voltem à agenda nacional.

Certamente, assuntos que unem a todos também são a assistência a pequenas e médias empresas abaladas pela pandemia de Covid-19, o reforço ao sistema educacional após um ano de aulas por zoom. Na verdade, Israel já vive a era pós-Covid. Nesta terça-feira, 1° de junho, todas as instruções sanitárias foram abolidas em meio a número ínfimos de infecções e quase nenhuma morte. De agora em diante, a única regra que ainda persiste é colocar máscara em locais fechados.

A coexistência entre árabes e judeus no país também é um tema fundamental que esse governo pode tentar levar em consideração. Não há ninguém entre esses líderes – mesmo os mais de direita, como Bennet ou Avigdor Lieberman, do Israel Nossa Casa – que deseja uma guerra civil. Esse governo vai tentar lidar com os pedidos da liderança da minoria árabe de mais policiamento em cidades árabes e de uma melhora na infraestrutura e no nível de vida.

Mesmo com tantos temas em comum, não faltam questões que dividem os líderes dessa estranha e ampla coalizão. Poucos acreditam que ela durará o tempo “real” de um governo aqui: quatro anos. Aliás, poucos governos por aqui duram isso. Justamente porque a coalizão nascerá – se nascer… – com problemas e, principalmente, com uma oposição ferrenha do Likud, de Netanyahu, dos ultraortodoxos e dos kahanistas (ultra-mega-nacionalistas e racistas) como Bezalel Smotrich e Itamar Ben-Gvir, muita gente só contará os dias para ela se desmantelar, abrindo caminha para uma 5ª eleição geral, daqui a alguns meses. Pelo menos é isso que Benjamin Netanyahu, que se recusa a deixar o palco político por ego e temor de ser condenado à prisão, espera.

 “Acho que Netanyahu será um líder ativo da oposição”, diz Tal Schneider. “Ele certamente pensa que esse governo entrará em colapso muito em breve e ele estará de volta rapidinho para concorrer em uma 5ª eleição e vencer. Então, ele vai se preparar bem, com muita propaganda e tática. Chamará todos que não são do Likud de traidores. Dirá que a nova coalizão é formada por pessoas perigosas para o país, que irão arruinar o país e assim por diante”. 

Se Netanyahu deixar o trono, será sinal para muitos – em Israel e no mundo – de que tudo muda na política. Nada dura para sempre, mesmo que pareça assim. E mesmo que a alternativa seja complicada, esdrúxula e, provavelmente, temporária.

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