A frase acima faz parte de uma forte campanha nas mídias sociais de israelenses, palestinos, judeus e árabes de diversos lugares do mundo que tem se desenvolvido ao longo da última semana. Judeus e Árabes recusam-se a ser inimigos.
Como já é do conhecimento geral, uma escalada de violência vem acontecendo entre Israel e Palestina nos últimos dias. É um assunto que desperta – e com razão – muito interesse nos mais variados grupos, em diversos países. Por envolver profundas questões humanitárias, é bom que receba tanta atenção. Esse texto tem a intenção de agregar a essa conversa, a esse debate, mas trazendo uma perspectiva um pouco menos comentada: as outras trocas, as outras manifestações de cunho não violento que também tem acontecido nos últimos dias entre civis palestinos e israelenses. É importante falar que a intenção não é diminuir a relevância de todo resto que tem sido comentado e discutido, como Sheikh Jarrah, os bombardeios e centenas de mortes em Gaza e os mísseis lançados pelos Hamas que caem em Israel. O propósito é trazer um outro ponto para o centro das atenções, que tem sido menos comentado não só hoje, mas durante toda a história desse conflito.
É comum que ao refletir sobre a relação entre Israel e Palestina algumas ideias se simplifiquem em torno de duas questões: 1) atores centrais: o governo israelense, o exército de Israel, o Hamas; 2) grandes eventos: as guerras, as invasões, as intifadas, os acordos internacionais. Como disse acima, esses são sim fatores de peso que devem receber profunda atenção. Mas para que as nossas trocas sobre o assunto possam de fato colaborar de forma construtiva com a situação, é preciso entender a complexidade mais profunda do contexto do qual estamos falando. Para isso, é necessário entender que esse não é um conflito bilateral, com dois atores, duas histórias, duas tomadas de decisões. É uma relação que envolve – e sempre envolveu – múltiplos atores, narrativas históricas plurais e uma série de outras ações e acontecimentos para além daqueles que ficaram mais famosos, na História e na mídia. Envolve pessoas, culturas, histórias individuais e familiares. Envolve ações e emoções humanas.
Entender os indivíduos e as organizações da sociedade civil como atores centrais dessa história torna-se, então, essencial. Falo isso porque nos últimos dias, além de centenas de mísseis e invasões aéreas, além de brigas judiciais a atos de ódio e preconceito, houve também uma série de ações conjuntas entre judeus e árabes pelas ruas de Israel. No último dia 13 de Maio, por exemplo, grupos da Hand in Hand foram às ruas em Jerusalém, na Galileia, em Jaffa, Kfar Saba e Kfr Qasim. Adultos e crianças, árabes e judeus, caminharam com camisas e faixas pelo fim do racismo e da violência. A Hand in Hand é uma organização de escolas públicas que tem como objetivo proporcionar uma educação e uma experiência de vida compartilhada, com o intuito de formar uma nova geração de árabes e judeus equipados para viver juntos em cooperação e respeito. O projeto teve início em 1997, é bilíngue (árabe e hebraico) e tem um currículo baseado no multiculturalismo.
No dia seguinte, outra organização que levou seus membros às ruas em diversas localidades, incluindo Sheikh Jarrah, foi o Combatants for Peace. Palestinos e israelenses marcharam juntos, carregando faixas com dizeres como “parem a violência” e “existe outro jeito”. O Combatants for Peace – Combatentes pela Paz – foi fundado em 2006 por indivíduos que já estiveram envolvidos no ciclo de violência. Ex-soldados ou soldados israelenses e ex-militantes ou militantes palestinos que, através de histórias e motivações pessoais, decidiram abrir mão da violência e se unir para buscar uma solução conjunta para o conflito. A organização promove ações conjuntas ao longo do ano todo, incluindo cerimônias de celebração do Yom Hazikaron (Dia da Lembrança dos Soldados Mortos de Israel e das Vítimas do Terrorismo) e da Nakba (Catástrofe). O CFP tem uma pauta política clara, que visa o fim da ocupação e o retorno às linhas de 1967.
Ainda neste último fim de semana, o Standing Together lotou as ruas de várias cidades, incluindo Tel Aviv. Manifestantes árabes e judeus carregavam faixas com dizeres como “não retornamos ao normal, exigimos paz e igualdade”. Atuante desde 2015, o Standing Together é um movimento de base popular que luta por pautas de direitos humanos, igualdade de gênero, fim da ocupação, dentre outras. Nas manifestações árabes-judaicas no dia 15 de maio, dia em que se celebra a Nakba, Sally Abed, uma das líderes do movimento declarou para os participantes: “Quando eu clamo pela liberdade, não estou falando somente da liberdade do meu povo palestino. Estou falando da liberdade de todos nós, porque todos nós pagamos o alto preço da ocupação”.
Diversos outros exemplos de organizações e manifestações que aconteceram em várias localidades poderiam ser citados. Nos mesmos dias em que mísseis caíam sobre as cidades de Israel e que Gaza sofreu profundamente com intensos bombardeios, judeus e árabes também estavam marchando juntos pelas ruas. Isso também aconteceu.
Isso também vem acontecendo há anos. A paz e o diálogo não costumam vender jornais. Então nós precisamos dar atenção a estes movimentos, porque eles são o que tem acontecido de diferente, eles têm sido o caminho alternativo e eles podem indicar a saída do ciclo de violência. Bombeiros na Palestina e mísseis em Israel são notícias que escutamos há tantos, mas tantos anos. Há tantas décadas. Gerações envolvidas na escalada de violência, milhares de vidas perdidas. O que tem de novo é que nos mesmos dias as ruas estavam lotadas por civis que escolhem, mesmo em momentos de tensão, estarem juntos em busca da construção de uma solução comum.
A não-violência, embora pareça idílica, já trouxe resultados significativos muitas vezes na História. E parte do resultado é, por si só, resistir à imposição de um status quo de inimizade e violência. Mas ela precisa da nossa atenção para ganhar força, angariar fundos, ser pauta da mídia e ter, assim, peso político significativo. Prestar atenção e dar força à não violência é uma ação construtiva que podemos, ao redor do mundo, fazer pela questão Israel Palestina.