TEL AVIV – Por 12 anos, Israel teve apenas um nome no comando do país: Benjamin Netanyahu. Mas isso pode mudar em alguns dias ou semanas. Pode ser o fim da “era Bíbi”. Sei que muitos já disseram isso antes – eu, inclusive. Mas agora pode ser para valer. Podemos ver, em breve, o primeiro-ministro Yair Lapid. Ou o primeiro-ministro Naftali Bennett.
“Até membros do bloco da direita, de Netanyahu, já dizem que provavelmente é o fim da era de Netanyahu como premiê”, diz o Prof. Eran Vigoda-Gadot, professor de Administração e Gerenciamento da Escola de Ciências Políticas da Universidade de Haifa. “A percepção hoje é que é hora de um outro governo”.
Mas quem são Lapid e Bennett? Desde 2009, lideranças tentaram emergir, mas foram devidamente podadas por Netanyahu. Yair Lapid, do partido centrista Yesh Atid (Há Futuro) e Naftali Bennett, do partido de extrema-direita Yemina (À Direita), no entanto, sobreviveram ao tranco e atuam há anos na política local, como parte da coalizão ou como oposição.
Há poucos dias, depois que Netanyahu não conseguiu formar uma coalizão com mais de 61 dos 120 membros do Knesset, o presidente Reuven “Ruvi” Rivlin deu a Lapid a possibilidade de formar uma coalizão viável. Isso porque o Há Futuro foi o segundo partido mais votado nas eleições em março (com 17 cadeiras) e, principalmente, porque, depois de consultar os líderes dos 13 partidos que conseguira eleger bancadas, Rivlin disse que a pessoa com mais chance de formar um governo é Lapid.
Yair Lapid, 57 anos, pode, quem sabe, ser comparado a um William Bonner israelense. Bonitão e famoso da época em que era âncora de TV, ele deixou o jornalismo há nove anos para fundar o partido secular de centro Há Futuro. Ele também foi ator e escreveu livros. Criado em Londres, é casado pela segunda vez com a também jornalista Lihi Lapid, é pai de três filhos e tem um discurso jovem voltado ao secularismo e à classe média.
Yair nunca escondeu que foi influenciado por seu pai, Yossef “Tommy” Lapid, morto em 2008, uma das grandes figuras do secularismo israelense, que foi vice-premiê, ministro da Justiça e líder da Oposição. Nascido na ex-Iugoslávia, Tommy Lapid também foi apresentador de rádio e de TV, mas se destacou como político, principalmente como líder do partido Shinui (Mudança), cuja principal plataforma era representar os israelenses seculares de classe média insatisfeitos com a influência de partidos ultraortodoxos.
Em 2003, o Shinui conseguiu nada menos do que 15 cadeiras no Parlamento, um feito incrível. Foi, na verdade, o precursor de uma lista interminável de partidos de centro que prometem representar os seculares centristas, mas depois enfraquecem (entre eles o finado Kadima, o atual Azul e Branco, de Benny Gantz, e o próprio Há Futuro).
Depois que sei pai morreu, Yair Lapid começou a pensar em entrar na política, o que fez em 2012. Em 2013, seu Há Futuro já tinha se tornado a 2ª maior força política do Knesset, com 19 cadeiras, atrás apenas do Likud de Netanyahu. Na época, aceitou entrar numa coalizão de governo liderada por Bíbi, da qual foi ministro das Finanças. Mas, rapidamente percebeu que isso seria uma espécie de enterro político. O resultado foi que, no pleito seguinte, de 2015, o Há Futuro conseguiu só 11 cadeiras.
Desde então, Lapid faz oposição ferrenha a Netanyahu. Em 2019, se uniu a Benny Gantz na legenda Azul e Branco, que recebeu 35 cadeiras (15 delas do Há Futuro), mas acabou brigando e se separando com Gantz quando ele, em 2020, aceitou entrar em uma coalizão com Netanyahu – o que custou a Gantz grande parte de sua popularidade.
“Lapid está na política há alguns anos, mas mesmo antes disso, quando ainda era um jornalista famoso, ele presenciava de perto os bastidores da política”, conta Eran Vigoda-Gadot. “Se ele conseguir formar um governo, será algo que nunca vimos antes. Deve reunir pessoas de partidos da extrema direita e extrema esquerda, além de centristas. A questão principal, hoje, é se há uma chance real de formar um governo estável que nos permitirá alguns anos ou pelo menos alguns meses de estabilidade”.
O outro nome que se destaca, agora, é o do direitista religioso Naftali Bennett, 49 anos, que já foi ministro da Diáspora, da Religião, da Educação e da Defesa. Todos apontam Bennett – do partido Yemina, que conseguiu apenas 7 cadeiras – como o principal parceiro de Yair Lapid na criação de uma coalizão de governo após o fracasso de Netanyahu. É possível, inclusive, que Bennett e Lapid formem um “governo de unidade nacional” pela qual os dois seriam primeiros-ministros, um deles na prática e o outro uma espécie de vice. Bennett é apontado, inclusive, para ser premiê primeiro, por dois anos, com Lapid sendo premiê nos últimos dois.
Bennett é outro que fala inglês fluente porque é filho de americanos. Sua esposa, a chef Gilat, é secular. Mas Naftali é bastante religioso e usa sempre uma pequena kipá (solidéu). Eles têm quatro filhos e moram em Raanana. Ficou tornou famoso após fazer um super exit em 2005, vendendo a preço de ouro uma empresa de alta-tecnologia que fundou. No ano seguinte, ingressou na política como chefe de gabinete de Benjamin Netanyahu. Em 2008, no entanto, brigou com Bíbi – o que, até hoje, afeta seu relacionamento com o ex-chefe.
Em 2011, Bennett fundou um movimento político nacionalista chamado “Meu Israel” com quem seria sua parceira política por muitos anos, a ex-ministra da Justiça Ayelet Shaked. Mas foi em 2013 – na mesma eleição que o Há Futuro começou – que Bennett se destacou como líder do partido Bait Yehudi (Casa Judaica), ganhando 12 cadeiras. Desde 2013, Bennett já participou de vários partidos e legendas, mas todos de extrema-direita religiosa. No último pleito, em março deste ano, conseguiu 7 cadeiras com o partido “À Direita”.
Mesmo apelando também para um público mais jovem e moderno, seu discurso é bem mais voltado para o conflito com os palestino. Ele é contra a criação de um Estado palestino e a favor da anexação israelense de parte da Cisjordânia. Tem um discurso mais à direita do que o Likud de Netanyahu. Em relação à economia, ele é totalmente liberal. Na pauta de costumes, é super conservador, se opondo ao casamento gay, por exemplo.
A pegunta é: como dois políticos com perfis tão diferentes – um secular de centro e outro religioso de extrema-direita – poderão se unir em uma governo de união nacional?
“A forma de governo que está em discussão é algo que nunca imaginávamos. Deve reunir pessoas de partidos da extrema direita e extrema esquerda, além de centristas e apoio de partidos árabes. A questão principal, hoje, é a chance real de formar um governo estável que nos permitirá alguns anos ou meses de paz”, diz o Prof. Eran Vigoda-Gadot.
“Acho que a solução ou a chave seria simplesmente evitar grandes problemas. Porque uma vez que esses líderes precisem discutir assuntos relacionados com as Relações Exteriores ou o conflito árabe-israelense, ou outros assuntos polêmicos que são absolutamente intransponíveis entre as partes, esse governo não poderá funcionar, operar normalmente. A chave seria discutir apenas questões de consenso: reativar a economia, tirar Israel da situação política congelada que viveu nos últimos dois anos, solucionar assuntos sociais, assuntos internos e, principalmente, aprovar um orçamento. Isso é uma questão crucial”.
Vigoda-Gadot está otimista quanto a esse novo governo que substituirá o de Benjamin Netanyahu. Mas, pessoalmente, acho difícil que um governo “colcha de retalhos” como esse possa sobreviver por muito tempo. Talvez seja algo temporário apenas para tirar Netanyahu do poder, quebrar a corrente de 12 anos de Bíbi como único líder. O que acontecerá depois, só o tempo dirá.