TEL AVIV – Estamos no meio de uma guerra entre Irã e Israel. De baixa intensidade, mas uma guerra. No domingo, dia 04 de abril, o cargueiro iraniano Saviz, que estava no Mar Vermelho, próximo à costa da Eritreia e do Iêmen, foi atacado por minas colocadas em seu casco. Quem colocou as minas? Segundo informações do jornal americano The New York Times, foi Israel – que, inclusive, teria avisado a Washington de antemão sobre a ação.
No dia seguinte, um ataque contra um comboio de armas iranianas na Síria – próximo a Damasco, mas que foi ouvido na fronteira Norte de Israel – também teria sido realizado, segundo informações não confirmadas, por Israel.
É interessante tentar entender o contexto mais amplo dessa “guerra morna”. O Irã está presente em todo Oriente Médio, armando, financiando, treinando e orientando seus proxies nas fronteiras de seus inimigos, entre eles Israel. Do ponto de vista da segurança nacional de Israel, o Irã é fonte de múltiplas ameaças. A principal é sua aspiração nuclear, mas não muito atrás, vem a guerra que Teerã trava contra o país através de proxies, principalmente a guerrilha libanesa Hezbollah, o governo sírio de Bashar al-Assad e os Houthis, no Iêmen. Israel, por sua vez, está se engajando em uma contra-campanha para tentar repelir e reverter essas tentativas. Uma das arenas dessa “guerra” é o mar.
“Quando, em meados de 2019, as sanções americanas contra o Irã ficaram mais pesadas e canais de financiamento foram bloqueados, Teerã desenhou um projeto para contornar as sanções e fornecer petróleo à Síria”, conta o general da reserva Assaf Orion, pesquisador do Instituto de Estudos de Segurança Nacional (INSS, na sigla em inglês). “A Síria, por sua vez, deveria repassar o petróleo ao Hezbollah. O plano era levar o petróleo através de navios disfarçados de cargueiros civis”.
Segundo Orion, Israel, então, começou a sabotar e interromper este fluxo de petróleo como parte de uma campanha de contra-financiamento ao longo das rotas marítimas do Irã através do Mar Vermelho e todo o caminho até as refinarias de Banias, na Síria. Nos dois últimos anos, foram muitos ataques e contra-ataques no mar. Esse contra o cargueiro Saviz foi só o mais recente.
Só para se ter uma ideia da lista de ações e reações, o cargueiro israelense Helios Ray foi atacado em 25 de fevereiro quando estava indo da Arábia Saudita para Cingapura. Aí, no dia 10 de março, o navio iraniano Shahr E. Kord foi atingido no Mar Mediterrâneo. Em 28 de março, foi a vez do navio Lori, de propriedade de israelense, ser atingido (Ver imagem da matéria).
Será que esse estranhamento nos mares pode levar a uma guerra real entre Israel e Irã? Já poderíamos chamar o que está acontecendo de “guerra”?
“Não proponho tratar isso ainda como uma guerra”, diz o general Assaf Orion. “O que vemos é uma troca de farpas entre Israel e o Irã no mar. Acho que a probabilidade de isso evoluir para o que realmente poderíamos chamar de guerra, um conflito em escala nacional, é bastante baixa. Isso não significa que essas ações não possam ter consequências”.
Perguntei ao general da reserva se esse ataque de domingo aconteceu nesta semana de propósito. Afinal, coincidiu com a volta das negociações bilaterais dos EUA com o Irã sob os auspícios do novo presidente americano, Joe Biden – revertendo a posição do antecessor, Donald Trump, de jogar duro com Teerã. Trump se retirou do Plano de Ação Conjunto Global (JCPOA), o acordo de prevenção de armas nucleares de 2015 entre grandes potências e o Irã, e aumentou as sanções contra o país. Biden tem outro estilo, o que incomoda o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu, a maior voz anti-Teerã atualmente.
“Quanto ao timing, pode-se dizer que coincidiu, mas não sei dizer se foi um movimento claramente cronometrado”, respondeu Orion.
Para o general, nem Israel e nem Irã querem realmente exagerar em suas investidas mútuas para não causar uma guerra de grandes proporções: “Israel não tem razão para ir à guerra com o Irã. E o mesmo se pode dizer do Irã. Na verdade, a arte da guerra do Irã tem tudo a ver com abordagem indireta. Teerã prefere que Israel sangre nas mãos de suas proxies. Não quer um repeteco da guerra contra o Iraque, nos anos 80”.
Para o general, o que pode acontecer, num futuro próximo, é que o Irã passe a utilizar o Iêmen como base para atacar Israel, caso queira retaliar com mais força: “Podemos ver ataques vindos do Iêmen a companhias marítimas ou, como em ameaças que já aconteceram, mísseis de cruzeiro ou mísseis balísticos vindos do Iêmen em direção ao Sul de Israel. E, de fato, vimos nos últimos meses alguns relatos de baterias Patriot sendo implantadas perto de Eilat, o que significa que Israel está se preparando para uma possível ameaça vinda do Iêmen”.
Por enquanto, o Irã responde cirurgicamente às supostas ações de Israel. E Israel tentaria agir na moita – sem contar com ações que vazam para a imprensa, como essa do cargueiro Saviz. Mas, a cada golpe e contragolpe, o mundo se preocupa com a possibilidade de um embate Israel-Irã.
Posso fazer uma lista de vezes que analistas israelenses me disseram – ou falaram à imprensa local – que Israel não queria “entrar numa aventura bélica” contra o Hamas ou o Hezbollah e que esses dois grupos também “não tinham interesse” em enfrentar Israel. Mas, algumas vezes nas últimas duas décadas, a situação escalou para um conflito maior. Isso mesmo “ninguém querendo”. Agora, o mesmo se repete com o Irã. Nenhum dos lados quer um conflito mais amplo. Só o tempo dirá, no entanto, se a realidade se imporá aos cálculos estratégicos mais otimistas.