Mudar o sistema eleitoral em Israel diante do impasse político? Eis a questão

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Foto: Daniela Kresch

TEL AVIV – Assim que os resultados oficiais começaram a sair – dando, aliás, uma rasteira em todas as pesquisas de boca de urna –, ficou claro que Israel continua no mesmo impasse político dos últimos dois anos. Depois de quatro eleições parlamentares, o país está tão longe de ter um governo viável e duradouro do que antes. Se já se falava na possibilidade de uma 5ª eleição antes mesmo das urnas abrirem, na terça-feira passada (23 de março), agora se fala ainda mais. 

Obviamente, nenhum partido conseguiu votos suficientes para montar um governo sozinho. Isso nunca aconteceu na História de Israel, mesmo quando havia grandes partidos, com 50 cadeiras. Mas o que acontece desde 2019 é que nenhum bloco de partidos consegue reunir o mínimo de 61 cadeiras (51% do parlamento) para costurar uma coalizão razoável.

Desta vez, o bloco pró Benjamin Netanyahu tem só 52 cadeiras. O bloco anti-Netanyahu até tem mais (57, contando os 6 a Lista Conjunta, da minoria árabe), mas também não chega ao número-chave de 61. 

Dois partidos “não alinhados” viraram fiéis da balança: o ultranacionalista de direita Yemina, de Naftali Bennet, com 7 cadeiras; e o ultraconservador islâmico Ra’am (Lista Árabe Unida, não confundir com o Lista Conjunta), de Mansour Abbas, com 4 assentos. O Ra’am rachou com o Lista Conjunta – união de outros 3 partidos árabes – por não ser liberal nos costumes, apesar da identificação com a causa palestina, geralmente algo que caracteriza os partidos de esquerda, em Israel. 

Esses resultados jogam o país de volta à estaca zero. E por quê? Em grande parte, por causa do sistema eleitoral israelense, que se baseia apenas no Knesset, o parlamento, com só 120 cadeiras. Em Israel, não há câmara de deputados e senadores. Não há duas casas. O congresso é formado por apenas uma casa, onde os parlamentares atuam como Poder Legislativo e Executivo. Eles legislam e eles também governam. Entre eles estão o primeiro-ministro e os ministros (pode até haver ministros não parlamentares, mas é raro). São só 120 pessoas que decidem e realizam suas decisões.

É claro que o Poder Judiciário age como um contraponto. Daí a importância suprema do Supremo Tribunal (o Bagatz). Mas o Knesset é o coração político do país. Certamente, estou simplificando demais e peço desde já desculpas aos entendidos em sistemas políticos. 

A realidade é que esses 120 parlamentares é que montam e desmontam governos. Às vezes, uma coalizão cai porque UM deles foi cooptado para a oposição. Às vezes, um governo não se torna viável por DOIS ou TRÊS elevam demais o preço de seu apoio. E, quanto mais partidos são formados (cada vez mais, nas últimas décadas), mais pequenas bancadas se tornam o fiel da balança, recebendo numerosas benesses e se comportando como se fossem tão importantes quanto os grandes partidos.

No final das contas, pequenas bancadas de nicho se tornam poderosas, mesmo que só 5% da população tenha votado nelas. Elas têm a força, a qualquer hora, para desmantelar governos. No caso das últimas eleições, duas pequenas bancadas, o Yemina e o Ra’am, estão com a faca e o queijo nas mãos. 

O pequeno número de pessoas no Knesset talvez fizesse sentido quando o país tinha apenas 600 mil habitantes (em 1948) e apenas dois partidos maiores, ambos de esquerda: o Mapai (precursor do atual Partido Trabalhista, ou Avodá) e o Mapam (precursor do Meretz, atual partido menor, de extrema-esquerda). É verdade que a primeira eleição para o Knesset, em 1949, contou com a participação de 21 partidos, mas nas décadas seguintes, duas grandes forças políticas dominariam as urnas: o Avodá (de esquerda) e o Likud (de direita).

Hoje, a população de Israel conta com quase 10 milhões de pessoas e é muito mais diversa. Tem os nichos tradicionais: os ultraortodoxos, a minoria árabe, a minoria russa. Mas também tem novas subdivisões relacionadas à pauta de costumes (liberais X conservadores). Sem contar a velha divisão entre os pró ou contra a criação de um Estado palestino. 

Será que não seria a hora de mudar o sistema eleitoral? Volta e meia se fala de uma renovação, uma mudança política para evitar impasses como o atual. Israel se tornou um país instável politicamente, onde, em média, há eleições de dois em dois anos desde 2003 (ou de três em três, desde 1949).

O problema é como mudar. Israel já tentou realizar eleições diretas para primeiro-ministro e voltou atrás. Mudar de novo seria a solução? Não para Gayil Talshir, especialista em Ciências Políticas da Escola de Políticas Públicas e Governo da Universidade Hebraica de Jerusalém. 

“Se você muda o seu sistema político muitas vezes, acaba minando a democracia”, diz ela. “Sempre vai haver políticos que querem mudar o sistema, mas eles vão provavelmente tentar manipular para que a mudança seja a seu favor. Se você começar a jogar com as regras do jogo, estará tornando a democracia menos estável”.

O mesmo acredita o Jonathan Rynhold, professor de Ciências Políticas na Universidade Bar Ilan e pesquisador no Centro Begin-Saadat de Estudos Estratégicos: “Qualquer reforma eleitoral teria que passar pelo Knesset. E oa Knesset está cheio de pessoas que se beneficiam do sistema atual e, portanto, se esforçarão muito para criar um sistema que as beneficie. E eu acho altamente improvável que um sistema melhor possa surgir”.

Gayil Talshir acha que Israel não vai ficar nesse impasse atual para sempre. “Acho que a conjuntura atual é fruto deste primeiro-ministro. Pode levar dois anos, três anos, mas o julgamento dele chegará ao fim. Quando Netanyahu sair de cena, as coisas ficarão mais claras”.

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