A guerra midiática e a suposta cura israelense para a Covid-19

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TEL AVIV – Israel descobriu a cura milagrosa para a Covid-19? A julgar pela imprensa, nos últimos dias, sim. Tanto que até o presidente do Brasil quer importar o remédio. Mas vamos devagar com andor porque o santo é de barro. O assunto se insere na guerra paralela à da luta contra o coronavírus que está sendo travada pelo mundo. Se, em 2020, a disputa era quem desenvolveria primeiro a vacina, agora, é que hospital, empresa ou país vai descobrir a cura definitiva primeiro.

Israel, que não entrou na lista final de primeiros “descobridores” da vacina (apesar de ter anunciado, no começo da pandemia, que estava desenvolvendo uma), agora se esmera para vencer a segunda competição, a dos remédios. Afinal, os israelenses acreditam no “Tikun Olam”, o princípio judaico de “conserto do mundo”. Israel se vê mais do que como um país: seria uma “luz para os gentios”. 

Estar no topo da vacinação mundial – o país com maior percentual de imunizados no mundo – cai como uma luva nessa ideia de “Tikun Olam”. Seria uma maneira de mostrar como a “Startup Nation” é incrível, como é avançada e científica. “Ajudar os gentios” também ajudaria a elevar o status geopolítico de Israel no mundo. Nada mais maravilhoso – independentemente de que governo – do que ver o país nas manchetes do mundo como “inovador” e “modelo para o mundo”.

Não que não seja verdade, em muitos aspectos.  É verdade que Israel é o mais avançado nas vacinações. Tem até vacina demais diante de boa parte da população que ainda hesita ou está com preguiça de se vacinar. Imagina isso? No Brasil, as pessoas querendo muito se vacinar. Em Israel, algumas pessoas sendo chamadas e dizendo: “não quero”.

Todo esse contexto explica a chuva de anúncios recentes sobre remédios que estão sendo desenvolvidos em Israel. A lista de “novidades” é quase diária. Todo mundo quer dizer ao mundo que está “quase” patenteando uma droga “milagrosa”. É uma disputa de hospitais e médicos, mais potencializada ainda mais por assessores de imprensa, que adoçam cada pequeno avanço com press releases saborosos e, provavelmente, exagerados. O claro objetivo é ganhar as manchetes dos jornais do mundo e levar seus clientes ao Olimpo.

O caso que mais se destacou, recentemente, foi o do Hospital Ichilov, em Tel Aviv, que publicou resultados de um estudo realizado com o medicamento EXO-CD24, desenvolvido pelo Dr. Nadir Arber. O remédio, em spray, ajudaria a evitar turbulenta resposta do sistema imune experimentada pelos pacientes mais graves. 

O médico o aplicou em 30 pacientes que estavam internados em estado moderado ou grave. Desses, 29 receberam alta em 5 dias. É realmente um ótimo começo, uma esperança. Mas esse pequeno grupo de pesquisados ainda está longe de apontar uma cura milagrosa geral. É como notou uma reportagem do jornal israelenses “Globes”: “Deve-se notar que uma série de empresas, israelenses e outras, relataram bons resultados nesta fase com medicamento. O presente ensaio, como os outros nessa fase, foi feito sem um grupo controle e não há informações sobre como os pacientes foram selecionados”.

Para chegar ao mercado, todas as pesquisas incipientes precisam passar por muitos testes controlados e científicos. Apenas algumas dessas pesquisas vão chegar às prateleiras como medicamentos comprovados. Mesmo assim, a assessoria de imprensa do Ichilov destacou essa pesquisa inicial como se fosse algo realmente milagroso. 

No dia 7 de fevereiro, o site Israel21C, que pode ser definido mais como “relações públicas de Israel” do que como jornalismo moderado e neutro, publicou uma matéria com o título “Has Israel just found the cure for Covid?” (Será que Israel encontrou a cura para a Covid?). O título, grandioso e sensacionalista, eleva o estudo inicial do Ichilov a quase uma certeza de inovação. 

Agências de notícias, jornais e TVs de todo o mundo foram atrás da história com essa tese prematura: a de que Israel descobriu a cura para a Covid. Somando esse anúncio ao momentum israelense de eficiência na campanha de vacinação, temos aí um “perfect storm” de notícias relacionadas a Israel enquanto o país do “Tikun Olam”. 

Daí para a utilização disso politicamente é um pulo. O primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu, não poderia deixar passar – afinal, temos eleições daqui a um mês. Ele recebeu o médico em seu gabinete para parabenizá-lo. Netanyahu também não faria objeção se essa notícia servisse como alavanca de status internacional. Parece ter funcionado no caso do presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, que ligou para Netanyahu e colocou o Brasil à disposição para pesquisas com o novo medicamento. Em tuíte, Bolsonaro escreveu que o spray do Ichilov tem “eficácia próxima de 100% (29/30), em casos graves, contra a Covid”. Ainda escreveu que um pedido de análise emergencial do medicamento será enviado em breve à Anvisa.

Talvez Bolsonaro, interessado em superar governadores que se esforçaram para levar a vacina ao Brasil, busque uma nova panaceia “para chamar de sua” para curar os brasileiros da maior pandemia dos últimos 100 anos. Uma “cloroquina 2”, quem sabe, mas que ainda não tenha sido reprovada mundialmente (nesse caso, o remédio do Ichilov apenas começa a ser testado, então ainda vai levar tempo para ser repelido ou aprovado). 

Para o bem da ciência e das pessoas infectadas, eu espero que o Dr. Nadir Arber esteja certo e que tenha descoberto um remédio para a Covid. Mas, até que isso seja comprovado, é preciso ter cuidado para que um remédio israelense que ainda engatinha se preste a usos políticos.

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